CRÔNICAS

Tantos natais, tantas crônicas, quanta injustiça

Em: 25 de Dezembro de 2004 Visualizações: 7057
Tantos natais, tantas crônicas, quanta injustiça
É natal. Chove lá fora. Chuvinha miudinha e persistente. Procuro tema para a crônica de hoje, capaz de me dar tesão e de entusiasmar os leitores. Decido, então, escrever sobre o próprio natal e seu significado para os povos amazônicos. Lembro que foi em dezembro de 1615 que chegou por essas bandas o primeiro português, Francisco Caldeira Castelo Branco. Ele construiu uma fortaleza e, por causa da data, deu-lhe o nome de Forte do Presépio de Santa Maria de Belém, origem da capital paraense e dos cabocos que aqui vivem. Portanto, historicamente, nós também nascemos em um presépio, como o menino Jesus.
No entanto, para não tentar arrombar portas que já estão abertas, consulto as crônicas anteriores no site Taquiprati. Verifico, incomodado, que durante vinte anos, no natal, sem qualquer originalidade, o tema se repete. Releio dez crônicas, desde 1985, e descubro que tudo o que tinha a dizer sobre o natal já foi dito e repetido.
Há vinte anos, por exemplo, a crônica “Neve em Manaus, Presépio em Belém” destacava a fundação do Forte do Presépio, responsável pela escravidão e morte de milhares de índios. Criticava a herança colonial e censurava a alienação na forma de celebrar o natal. Sugeria a realização do projeto “A neve é nossa”. A Prefeitura colocaria uma gigantesca trituradora de isopor no cruzamento da Eduardo Ribeiro com a Sete de Setembro, espalhando “flocos de neve” pelos céus da cidade. A nossa neve, que não derrete, poderia até mesmo ser exportada para as regiões que dela carecem.
No ano seguinte, meio furibundo, foi a vez de “Natal sem peru e pirão” caindo de pau no consumo desenfreado, na ceia com vinho, perus, nozes, passas e figos secos num calor tropical infernal, completamente descolado da nossa realidade. Cheguei até mesmo a promover uma festinha de amigo oculto, com os 12 personagens mais assíduos da coluna trocando presentes, deixando o leitor adivinhar quem era cada um. O título foi: “O amigo oculto e os doze homens de ouro”.
Depois desses, vieram outros artigos. “Diário de tantos natais” discute a relação das crianças com os brinquedos, lembrando a Manaus da época em que o Boto era governador e, demagogicamente, fazia distribuição de presentes no próprio Palácio Rio Negro. “O perfil do amigo oculto”, “O amigo oculto dos deputados”, “O saco do Papai Noel baré”, “Quem é o Herodes Baré” e “A Ceia de Natal”, publicadas nos anos subsequentes, discutiam o poder político local e suas traquinagens e corrupções.
Depois de verificar tudo isso, constato, leitor (a), que estou sem assunto. Quando isso ocorre, o que é que acontece? Olho prum lado, olho pro outro, e logo aparece saltitando a figura do secretário estadual de cultura, Robério Braga, conhecido como Berinho. Ele jogou fora R$3.000.000,00 (três milhões de reais) num festival pirotécnico de cinema, quando os 62 municípios do interior do Amazonas, não possuem, nenhum deles, uma sala de teatro ou de cinema e apenas três deles têm biblioteca pública. Mas, em consideração ao espírito natalino, deixemos o Berinho em paz, para dar a voz a um leitor, que me enviou um e-mail.
Abuso de autoridade
Segundo o leitor, “no dia 20 de setembro de 2004, dois alunos do curso de Direito de uma faculdade particular se desentenderam em sala de aula: André Couto e Érico Roessing. Parece que o primeiro deu uma porrada no segundo, cujo nariz sangrou. Imediatamente, a queixa de lesão corporal foi registrada no 20° DP, cujo chefe é o Delegado George Pestana. Quatro dias depois, no dia 24 de setembro, o juiz plantonista Ernesto Chíxaro, da 3ª Vara Criminal, decretou a prisão preventiva de André Couto e seu recolhimento à cadeia pública Raimundo Vidal Pessoa (todos sabemos que pra lá só vão os que estão condenados definitivamente!)”.
A carta do leitor prossegue: “Este seria mais um exemplo ímpar de eficiência e presteza de nosso poder Judiciário. Porém, a história pode ser vista de outra maneira. O acusado possui emprego regular, filha registrada, família residente em Manaus e residência fixa nesta cidade, além de não ter antecedentes. Por que a prisão preventiva e o imediato recolhimento à cadeia pública? Por que tanta agilidade e eficiência?”
O leitor levanta uma hipótese: “A resposta é que o agredido é filho do juiz Cláudio Roessing e da Juiza Telma Verçosa. Em uma singela demonstração de corporativismo e abuso de autoridade, esforços aguerridos foram feitos no sentido de privar o acusado de seus direitos, calando-o e recolhendo sumariamente à prisão, desrespeitando todo e qualquer procedimento mínimo de preservação do Estado de Direito e das garantias individuais do cidadão. Um problema que poderia ter sido resolvido com a punição do agressor nos limites disciplinares da Universidade ou dentro da lei - acusação de Lesão Corporal - acabou se transformando em uma perseguição torpe e cruel, digna dos melhores regimes autoritários, fazendo inveja a qualquer saudosista dos anos de chumbo da Ditadura Militar”.
A carta termina, anunciando: “Nós, familiares do André, só queremos JUSTIÇA. Que André da Silva Couto seja julgado pelo ato ilícito que está sendo acusado e que as penalidades sejam correspondentes ao ato. Que lhe sejam asseguradas todas as chances de defesa, inclusive o habeas corpus, que até o momento não foi deferido pelo Sr. Desembargador Alcemir Fiugliolo. André Couto não tem antecedentes, tem família, emprego e residência fixa em Manaus. Não é um perigo à sociedade. Perigosos são aqueles que usam de seu "PODER" para perseguir e intimidar. Hoje, André está foragido, e sua família vem sendo intimidada pela polícia, que, em vez de perseguir os verdadeiros criminosos, coloca-se em humilhante posição de subordinação a interesses particulares. Entendemos o zelo dos pais daquele que se achou agredido. Contudo, a Justiça deve prevalecer. O Direito não pode ser uma arma nas mãos de quem detém o "poder". A sociedade manauara precisa saber do que está acontecendo. Esses perseguidores precisam ser desmascarados e o desespero dos familiares de André Couto deve ser tornado público”.
Essa carta, cujos autores não conheço pessoalmente, me foi enviada no final de outubro e ficou perdida entre dezenas de mensagens de leitores. Nesse período natalino, revisei minha correspondência, encontrei-a e me senti culpado em não dar voz para quem não tem voz. Por isso, decidi publicá-la. Espero que o problema do André tenha se resolvido de forma satisfatória. Caso contrário, seria interessante ouvir também a outra parte. 

P.S. – Há exatamente 725 dias o presidente Lula vem empurrando com a barriga a homologação em terras contínuas da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol. Os índios e a sociedade brasileira continuam aguardando, esperançosos..

Foto de Alfredo Fernandes

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