"O que há num simples nome? A rosa, com outro nome, não exalaria igual perfume?”
(Shakespeare. Romeu e Julieta. 1597)
Os deputados amazonenses aprovaram no dia 3 de abril último um projeto de lei em sessão da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALEAM), que mudou o nome da “castanha do Pará” para “castanha da Amazônia” e seus subprodutos como óleo, farelo, leite e até o ouriço. A ideia é tão genial quanto o “tarifaço” do Trump. A troca de nomes dialoga com o projeto do “fósforo com duas cabeças” discutido na década de 1960 na Câmara Municipal de Mafra (SC).
- Por que não fabricar fósforos bicéfalos para aproveitar o palito inteiro como ocorre com os cotonetes? – perguntou a seus colegas o edil catarinense que, dentro do plenário, para ilustrar sua fala, enfiou a extremidade de um cotonete no próprio ouvido direito, a outra no esquerdo. Aí, acendeu um palito de fósforo, apagou-o rapidamente e exibiu o resto:
- Olhem aqui o que sobrou. Mais da metade. É incrível! Entre o desperdício e a economia, o Brasil opita pelo desperdício.
O líder da oposição (PTB) pediu um aparte:
- Opta, nobre colega, opta.
O orador reagiu. Disse que sua opição era sugestão de um imigrante austríaco, dono de olaria em Mafra e correligionário da UDN (vixe, vixe). As opiniões se dividiram. Uns a favor. Outros contra. Armou-se o maior furdunço. O presidente da Câmara pediu ordem na Casa e botou as duas matérias em votação. O projeto do fósforo bicéfalo foi derrotado, mas opita ganhou com a diferença de três votos, sob o argumento, por analogia, de que o juiz apitou, não aptou o jogo do Atlético Operário de Joinville. Faz sentido.
Castanha e carecas
Foi assim que o Legislativo do Amazonas “opitou” pelo projeto do deputado Sinésio Campos (vixe vixe) que, apesar de pertencer ao PT-Am, em vez de optar, “opita” muitas vezes pelo time contrário. Até aí tudo bem. O português popular, diante de sílaba travada que termina em consoante oclusiva, para apoiá-la desenvolve uma vogal denominada de epentética pelos linguistas, às vezes com sucesso, como no caso da palavra inglesa football, que em espanhol é fútbol, mas em português ficou futebol tanto na fala como na escrita.
Voltando à vaca fria, cabe aqui invocar Romeu e Julieta e perguntar: com outro nome a castanha aumentaria suas propriedades de proteína, selênio e gorduras saudáveis? Ou continuaria exalando o mesmo “perfume”?
- Castanha do Pará ou da Amazônia, tanto faz, o signo é arbitrário como define Saussure. Com qualquer nome ela mantém sua natureza anti-inflamatória, antioxidante e cardioprotetora. A careca do nosso sobrinho Carlos Fábio se deve ao fato de ele odiar castanha portadora de selênio, que impede a queda de cabelo e fortalece o sistema imunológico – pontifica Maria do Céu, especialista em selênio e nanoplásticos. Exemplificou com o saudoso político Álvaro Maia, devorador de castanhas, apelidado de “Cabeleira”.
Ora, a castanha continua igualmente impedindo a proliferação de carecas com qualquer nome. Se o nome mudado nada acrescenta em sua natureza, então o que motivou essa troca?
Trata-se de velha rixa provinciana com o Pará, alimentada pelos aparelhos ideológicos: escola, família, mídia, poder político e que rende votos no Amazonas. Sinésio nega de pés juntos, alega que apesar de ser paraense de nascimento, acha o Teatro Amazonas mais bonito que o Teatro da Paz. Sua fala só vem reforçar os fins eleitoreiros do projeto, que pretende capiturar os votos de amazonenses preconceituosos, admiradores de paraense “traidor” de seu berço. É o caso.
Fafá da Amazônia
Quem explorou o tema foi o então prefeito de Manaus, Amazonino Mendes. Em 2011, em visita à área de risco, onde duas crianças morreram soterradas pelo barranco, ouviu cobranças de uma moradora. Informado sobre a terra natal dela, o prefeito tripudiou numa gravação que viralizou no you tube:
- Paraense? Está explicado, minha filha, então morra, morra, morra.
A outra “justificativa” é que a castanha-do-Pará não é do Pará:
- “A produção da castanha não se restringe ao Pará como o nome sugere. Ela é cultivada em vários estados amazônicos” – pontifica Sinésio. Os dados estatísticos confirmam: o Amazonas foi o estado que, em 2024, exportou 14.303 toneladas de castanha, enquanto o Pará ficou com 8.807 toneladas, abaixo até do Acre com 9.145 toneladas.
Dizem que Sinésio, com o mesmo argumento, já está elaborando projeto de lei para trocar o nome da Fafá de Belém para Fafá da Amazônia, visto que suas gravações não se restringem ao carimbó, brega pop e lambada, mas incluem toadas amazonenses do Garantido e do Caprichoso. Se opitarem por tal façanha maior do que a da castanha, serão torpedeados com a debochada gargalhada da cantora.
A “ingenuidade” do Sinésio foi ignorar que Portugal tinha dois estados na América, cada um com legislação, governador e dinâmica histórica próprios. Em 1822, o grito do Ipiranga não foi ouvido no Pará, que permaneceu fiel a Portugal, até 1823, quando aderiu ao Brasil, como província, da qual fazia parte a Capitania do Rio Negro transformada, em 1850, em Província do Amazonas. A denominação “castanha do Pará” se referia, portanto, a toda Amazônia Brasileira. Até então, éramos todos paraenses, incluindo o jaraqui e o xis caboquinho.
A sanção do Wilçu
Após a crise da borracha, já no séc. XX, a Associação Comercial do Amazonas reivindica a mudança do nome para castanha da Amazônia ou do Brasil. Um decreto de 1961 assinado pelo presidente Jânio Quadros oficializa a denominação de "Castanha do Brasil", mas não colou. Foi revogado. O mercado externo usa, porém, "Brazil Nut" ou “Noix du Brésil".
A lei seguiu para a sanção do governador Wilçu Lima, também um paraense, disposto a limpar a barra com eleitores de sua base no Amazonas depois de, em plena pandemia, comprar ventiladores hospitalares numa adega de vinho. Bolsonarista raiz, Wilçu está esperando o seu ídolo se desentupir para fazer sua “opição”.
Se sancionada, a lei entra imediatamente em vigor. Com tarifa aumentada em 10% para os Estados Unidos, o Pará e demais estados continuarão a exportar a “castanha do Pará” para mais de 60 países, enquanto apenas o Amazonas será o único a vender o mesmo produto como “castanha da Amazônia”. Ou da Pan-Amazônia? Existem castanhais na Bolívia, Peru e Colômbia.
Cascateiro e bacabeiro, Sinésio assegura que a mudança de nome “visa valorizar a identidade amazônica do produto e seus derivados e fortalecer no mercado internacional sua cadeia produtiva formada por extrativistas, organizações comunitárias e intermediários”. No entanto, a ALEAM não tem poderes para legislar para os demais estados da região norte e nem para o resto do Brasil. Há outro “porém”:
- “A mudança do nome por si só não será suficiente para agregar valor real à cadeia produtiva da castanha ou melhorar sua imagem no mercado internacional” - esclarece a economista Michele Aracaty, docente da Universidade Federal do Amazonas e presidente do Conselho Regional da 13 Região (Corecon-AM-RR).
Rainha da floresta
A Assembleia Legislativa do Amazonas atende ao apelo dos empresários, mas silencia sobre condições de semiescravidão de muitos extrativistas da castanha.
- “Eles devem ser melhor remunerados por seu trabalho com garantia de participação justa na cadeia produtiva. A Amazônia precisa de política ampla que valorize suas potencialidades locais, preserve o meio ambiente e melhore as condições sociais e econômicas das comunidades que dependem da floresta", afirmou Michele Aracaty.
É isso aí. Cabe indagar: por que os representantes do povo amazonense gastam tempo, verbas e verbos com um tema tão inócuo em detrimento de questões cruciais como segurança, educação e saúde? O “sucesso” subiu à cabeça dos deputados, que já pensam em outras mudanças: o pão francês será “cacetinho” como querem os gaúchos; aquele chapéu-panamá que o Lula usa se chamará chapéu-parintins; a montanha-russa mudará para monte-roraima; a fila indiana para fila indígena.
- Agora sim, a minha vida vai mudar para melhor – ironizou a Preta nas redes sociais.
Por isso, muita pomba lesa identificada com o Legislativo amazonense quer ser representada por seus deputados, mantendo a sigla ALEAM, que passaria a designar a Assembleia da Leseira Amazonense.
Sei que é um trocadilho infame, mas se é para trocar o nome da castanha, por que não trocar para trocary? Trocando em miúdos, esse é o nome em Nheengatu do fruto ou semente que o colonizador denominou de castanha-do-Pará, segundo o dicionário de Stradelli (pg.184). Daí o topônimo ilha de Trocaris, no rio Solimões, que ainda hoje é repleta de castanhais.
Levado pelo padre Leonardo O´Leary em uma desobriga, quando era seminarista em Coari, visitei em 1960 o sítio de propriedade da dona Higina, herdeira de castanhais. Ela explorava a força de trabalho extrativista através do sistema de “endividamento” atrelado ao “barracão”, o que não me impediu de, deslumbrado com o porte majestoso da castanheira, entender porque é chamada de “Rainha da Floresta”.
Aviso que vou me rebelar contra a lei. Opito por continuar comendo castanha-do-Pará ou, de preferência, as nozes de trocary, considerando que a troca de nomes é inútil, ideia de quem não tem o que fazer. Os palitos bicéfalos de fósforos pelo menos queriam economizar. A castanha da Amazônia nem isso.
Referências:
1.Sabrina Rocha. Castanha-do-pará pode virar castanha-da-amazônia? Entenda o projeto de lei aprovado no AM e possíveis impactos. G1 AM. 09/04/2025. https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2025/04/09/castanha-do-para-pode-virar-castanha-da-amazonia-entenda-a-projeto-de-lei-aprovado-no-am-e-possiveis-impactos.ghtml
2. Elen Viana. Aleam aprova lei que muda nome da ‘castanha-do-Pará’ em ‘castanha-da-Amazônia’. Rios de notícias. 07 de abril 2025. https://www.riosdenoticias.com.br/aleam-aprova-lei-que-muda-nome-da-castanha-do-para-em-castanha-da-amazonia/
3. E.Stradelli: Vocabulário Português-Nheengatu Nheengatu-Português. Cotia-SP. Ateliê Editorial. 2014
4,Taquiprati: Aldo Rebelo, o guerrilheiro das palavras. 23/12/2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/106-aldo-rebelo-o-guerrilheiro-das-palavras
5. Taquiprati: III. Lalau, as certinhas e os cocorocas. 01/06/2000 https://www.taquiprati.com.br/cronica/336-iii--lalau-as-certinhas-e-os-cocorocas
6. Taquiprati: O Berlusconi da floresta amazônica: “Essa Coisa”. 27/02/2011 https://www.taquiprati.com.br/cronica/905-o-berlusconi-da-floresta-amazonica-essa-coisa