História

Taquiprati, em amazonês, é um cotoco. Cotoco, em amazonês, é  um gesto que consiste em erguer o dedo do meio da mão, abaixando o anelar e o indicador. É uma espécie de "banana" amazônica, porém mais discreta. Uma "banana" você dá quando quer criticar alguém, às vezes é usada de forma obscena para ofender. Você dobra um braço fazendo um L, fecha a palma da mão voltada para cima, enquanto a outra mão agarra o músculo do braço dobrado, cujo antebraço é levantado. É o que os franceses chamam de bras d'honneur.

Taquiprati! Esse foi o nome escolhido, em agosto de 1991, para a coluna semanal que desde 1983 vinha sendo mantida de forma irregular no jornal A Crítica de Umberto Calderaro, em Manaus. Isso porque se tratava de um espaço que criticava o poder local,  algumas vezes de forma corrosiva, algumas vezes com deboche e ironia, numa sociedade provinciana acostumada ao puxa-saquismo e à bajulação, sem tradição de crítica. 

Em maio de 1996, a coluna foi transferida para o Jornal do Norte, um jornal novo, bonito e bem feito, concebido pelos jornalistas de São Paulo Luiz Fernando Mercadante e Paulo Markun, além do amazonense Deocleciano Souza, contratados por Paulo Girardi, seu proprietário. Teve vida curta e gloriosa, não resistiu às pressões e fechou em junho de 1997. Mas antes disso, o colunista foi vítima em Niterói de um atentado organizado e planejado no Amazonas, amplamente noticiado na imprensa local.  (http://www.taquiprati.com.br/cronica/carta-aos-donos-de-jornais).  A coluna andou migrando aqui e ali, de forma também irregular, respingando nas páginas da revista local Circuito Integrado e do Jornal do Commércio, até que, em fevereiro de 2001, voltou para A Crítica, onde permaneceu apenas alguns meses, deixando de ser publicada após censura interna do jornal. A partir de 2003, convidado pelo Batará,  se firmou no Diário do Amazonas. 

O site Taquiprati teve quatro versões, todas elas concebidas e desenhadas por José Amaro Júnior, da UGAGOGO, uma empresa de marketing digital que agora é a UGA Internet Branding,. A primeira foi ao ar no ano 2.000.  A partir de então começou uma postagem lenta das crônicas anteriores. O site foi redesenhado anos depois numa segunda versão melhorada. Na terceira, foi projetada com uma caricatura do colunista feita por Ricardo Melo, um pernambucano arretado que veio a Manaus para inovar o jornalismo local. Finalmente, em maio de 2016, recebeu esta quarta versão com tecnologia responsiva, adaptável a desktop, tablets e smartphones.

Publicamos aqui o prefácio ao livro de crônicas ESSA MANAUS QUE SE VAI feito pelo jornalista Aldísio Figueiras, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Amazonas e membro da Academia Amazonense de Letras,  que ajuda a contextualizar a trajetória do Taquiprati.

 

DEPOIMENTOS, ALGUNS PUBLICADOS NO LIVRO DE CRÔNICAS ESSA MANAUS QUE SE VAI

JOSÉ ROBERTO TORERO FERNANDES JUNIOR

18 novembro de 2019 ·
Meu companheiro de. Viagem pelo rio Madeira - Amazônia das Palavras
José Ribamar Bessa Freire.Manauara, vascaíno e doutor em literatura comparada. Meu companheiro de cabine morou no Peru, na França e no Chile. Hoje vive em Niterói. Grande papo, sabe histórias sobre qualquer assunto. Basta uma palavra, um mote, e ele começa a contar um caso divertido que terá exatos 50 minutos (a duração de uma aula). A fala pode vir entremeada por alguns versos declamados de memória ou por uma cantiga. Conheceu todo mundo, de célebres acadêmicos a pajés, passando por jornalistas mitológicos. Sempre esquece o nome de um personagem, mas lembra depois de meia hora. Na expedição dá a aula-espetáculo sobre “5 ideias equivocadas sobre os índios”. Fala, em média, 27,4 vezes por dia a palavra “porra!”. Em casos que necessitam de mais ênfase, o “porra” vem com sete erres.

ALDÍSIO FILGUEIRAS - ESSA MANAUS QUE SE ESVAI

Nos últimos muitos anos, um dos raros registros substantivos possíveis da realidade no jornalismo amazonense é a crônica semanal TaquipraTi do José Ribamar Bessa Freire – para economia do leitor, o Babá, daqui por diante. Posso afirmá-lo como jornalista e escritor, mas principalmente como leitor voraz de suas invencionices perfeitamente críveis e do seu realismo absolutamente inacreditável; porque não é fácil localizar o que é real no Amazonas, além da ictiologia da fauna dos rios, e extrair o fato do boato, uma tarefa digna de quem se conforma a enxugar gelo.

Em Manaus, sejamos justos, toda verdade soa, a princípio, como uma piada fora de  lugar; depois, muito depois que a ficha cai – em casa, quando os dois neurônios conseguem traduzi-la –, ela soa tonitruante como uma blasfêmia. Esta é a dificuldade de ser jornalista (aquele que está ao fato de), na capital amazonense, a zona franca que deu certo, o palco da pessoa errada, no lugar errado, no tempo errado: o empresário e o político emergentes aparecem mais na coluna social e não nas páginas de política ou economia, pois nunca se saberá exatamente o que os faz políticos ou empresários.

Trata-se de um jornalismo careta, no sentido que nós, sobreviventes da geração de 68, dávamos ao paroquialismo rançoso do texto, da renúncia à postura moral do profissional, da descompostura ética, da recusa a uma visão crítica e ao abandono da historicidade, em favor de uma solene hipocrisia, em troca de um cargo comissionado ou uma assessoria a um analfabeto funcional, alçado pelo voto a representante popular. Nesse jornalismo, brilham as fogueiras da vaidade, alimentadas pelo fogo de palha da mediocridade, enquanto a cidade e o Estado também se transformam em cinzas tortas de uma história que já nasceu torta. É o tempo de louvor à incompetência.

Não é qualquer jornalismo que leva a sério o relato de uma repórter que descobre no meio de uma avenida um buraco com quatro metros e meio de altura, uma observação capaz de mobilizar toda uma redação a concluir que a insigne comunicóloga arriscou-se a descer até o fundo do poço e mediu o buraco de baixo para cima. Não é qualquer jornalismo que louva "tradições de dez anos no mercado". Essa leitura de ponta cabeça se faz em todos os setores produtivos ou não da sociedade. A realidade em Manaus se expressa assim de ponta cabeça e mais não diz nem lhe é perguntado.

Se algum dia, alguém tiver interesse em um levantamento histórico, sociológico, antropológico, econômico ou mesmo arqueológico da sociedade amazonense, esse enclave na Amazônia Ocidental, terá dificuldade em optar pela fonte mais primária: se as edições dos jornais ou o texto do Babá. Senhoras e senhores acadêmicos, confiem no José Ribamar Bessa Freire, com uma vantagem: ele perde um amigo, mas não uma piada, pois é adepto do poucos que ainda respeitam o humor como a prova dos noves.

Essa Manaus que se vai é a mais perfeita tradução da Manaus que se esvai pelo ralo e pela qual não temos o menor apreço, o mínimo sentido de pertencimento. E se tiver alguém que não concorde com essa leitura do Babá, que se dane, e taqui pra ele, ó! Babá chega cheio de graça para impor decoro ao coro dos contentes neste vale de lágrimas. E já não era sem tempo que alguém ousasse escrever um livro sobre Manaus, que não atendesse ao gosto siliconado das peruas gordas dos salões estilosos, cercados de fashion por todos os lados, ou das precoces barrigas dos novos ricos que ainda leem no horóscopo sobre o dia de amanhã. Felizmente, tudo vai bem, em Manaus. O problema é o Babá, que vive em Niterói, mas continua sendo o vizinho mais próximo de qualquer manauense. Sua Manaus que se vai já foi há muito tempo: ela deu adeus no porto dos ingleses, quando da seringueira se extraiu a última gota de látex.

Daí em diante, estabeleceu-se um pacto social para esquecimento desse fracasso. As sobrevivências culturais é que viraram os fantasmas, físicos, palpáveis, audíveis, que se embrenharam nos becos ou continuaram fantasiados de autoridade nas avenidas, agora, sem brilho. As personagens do Babá são absolutamente reais quanto qualquer ficção ou absurdamente falsas quanto qualquer coincidência com a realidade. Não é à toa que a crônica do Babá migra de jornal a jornal. Babá é insuportável e quando essa condição extrapola o limite o seu espaço é negociado (mas não sua verdade) e ele muda de endereço, porque continua não tendo preço; o que lhe resta é o apreço por uma cidade que se esvai, sem ter a certeza de ter existido um dia. Como qualquer bom jornalista, Babá é também muito bom escritor. Um contador de histórias, como todo jornalista “objetivo” deveria ser, se soubesse ler e escrever.

ROGÉLIO CASADO - SABOR DE PUPUNHA E TUCUMÃ

Depoimento no Blog Picica.

O manauara José Ribamar Freire Bessa, meu cumpadre e amigo, resolveu se radicar no Rio de Janeiro. Eita lonjura paid'égua! Pior para Manaus que ficou privada do contato diário com um dos jornalistas mais queridos da cidade. Nos anos 1980, criou a imortal coluna Taquiprati, uma verdadeira instituição que costuma fazer mal para o fígado de maus políticos, aqueles chegados numa bandalheira. Atualmente sua Coluna é publicada no jornal Diário do Amazonas. No site PICICA - Observatório dos Sobreviventes (www.picica.com.br), que está a serviço da Associação Chico Inácio - Ong filiada à Rede Nacional Internúcleos de Luta Antimanicomial, tem um link para o site do Taquiprati; visite e leia seus artigos com sabor de pupunha, tucumã e bacuri. Bessa continua brindando as domingueiras manauras, combatendo a estupidez com a lucidez de sempre. Quando ele escreveu o artigo A FÁBRICA DE LOUCOS, há 11 anos, em 1996, estávamos no sétimo dos 12 anos de luta por uma lei de Saúde Mental que revogasse a Lei de 1932, que só interessava para uma curríola que mantinha mais de 80 mil leitos privados nos país. Vale a pena ler de novo. Tudo a ver com os depoimentos sobre loucos de rua da nossa infância publicados neste blog.

O meu considerado José Ribamar Bessa Freire foi censurado no Amazonas. Quem tiver cópia dos dois textos censurados (TEJE PRESO, SEU JABUTI e O BRASIL QUE ADAIL NÃO VIU), favor enviar para a blogosfera em sinal de solidariedade ao precursor dos blogues no Amazonas, pai do TAQUIPRATI, o terror dos políticos rastaqueras, com o pedido de imediata publicação dos textos censurados. Esse e o código de ética que esta em vigência entre os blogueiros progressistas. Multiplicado na net, vai ser difícil mover uma ação judicial contra cada um.  Leia o comunicado do Bessa e a coluna de hoje, publicada no jornal Diário do Amazonas. Em tempo: ao que parece a ação decorre da crítica bem humorada do meu "cumpadre" à nebulosa conduta de um político amazonense que responde a ações por improbidade administrativa e prática de pedofilia, largamente noticiada pela imprensa nacional. O gajo resolveu, inclusive, enfrentar a Lei da Ficha Limpa, ao sair candidato mais uma vez. Com a palavra o senador Malta, que ainda não conseguiu engaiolar o meliante.

ALFREDO MR LOPES - TAQUI PRA TI - GOLPE DE BORDUNA

É deliciosamente familiar e fator de integração nativa e coletiva a expressão – TAQUI PRA TI! - que descreve a visão de mundo, e os mecanismos de resistência à anomalia reinante de José Ribamar Bessa Freire, o Babá, em comunhão com seus pares, alunos e tietes, entre os quais me  incluo por incontido e deslavado enxerimento. Uma expressão mais contundente que um golpe de borduna no pé do cachaço de quem se mete a besta pra melhor passar e enredar a boa-fé da cabucada, como se diz de Fonte Boa a Oriximiná. Nada mais ex abrupto e eficaz no combate ao farisaísmo de plantão do que desferir um Taqui pra ti, como ele o faz. E é exatamente esse golpe de borduna que chama a atenção para Essa Manaus que se vai...

Esse instrumento de defesa e insolência faz lembrar a diáspora grega, depois da invasão/perversão estrangeira que desequilibrou política e poesia na Grécia Antiga, impondo à resistência as alternativas do estoicismo, do ceticismo e da ironia como mecanismo de sobrevivência e resgate da harmonia perdida. Pois é. Babá usa e abusa da ironia refinada e permeada de erudição/sedução com umas pitadas apimentadas de inclemência para dizer porque Essa Manaus se vai... E faz disso tudo um cotoco insolente para os males e catinga da hipocrisia dos contraventores e salteadores de plantão. Com desassombro e demonstração indignada de recusa, Taqui pra ti é o troco e o troço que o dito cujo aufere sempre e quando se atreve a pisar nos calos, brios, e bagos da decência e condição e comunhão manaó. Toma!

Acompanhado ou não de sua configuração semiótica, em forma de falo, ou cotoco, como se usa na ilharga da Baixa da Égua, Taqui pra ti é o paga e a praga imediata para quem se atreve a desacatar o código cabano, dessana, arigó ou bacana, com a pavulagem que a Natureza por aqui derramou em profusão. Com o domínio raro do léxico e do fonético pra profetizar e ironizar os usos e abusos da imoralidade da confraria marota, Babá desenha e desdenha com parábolas apocalípticas a derradeira morada dos que confundem camaradagem com abuso de sacanagem urbana: a eles os detritos letais do Beco da Bosta coerentes com todo fedor insuportável por eles produzidos e merecidos. Seus artigos são hilários e irados, poéticos, frenéticos, libelos imperdíveis e implacáveis, posto que estão fornidos com o desnudamento dos fundamentos da antropologia da traquinagem, genoma das digitais originais - de Eirunepé a Santarém, meu bem! - que atazanam nossos arraiais. Babá é leitura imperativa, interativa e necessária pata quem adentra a taba da epistemologia amazônica e quer perscrutar a urbanidade sinfônica que se vai ou se esvai por descuido ou distração dos aventureiros de plantão...TAQUI PRA TI

MÁRCIO SOUZA - CRÔNICAS "ESSA MANAUS QUE SE VAI"

José Ribamar Bessa Freire estava nos devendo este livro. Depois de “Rio Babel”, em que estuda o processo linguístico e social do rio Negro, este novo livro é uma espécie de reencontro com sua cidade, Manaus, e seu bairro, Aparecida. Bessa Freire, que é abençoado por evocar em suas crônicas as relações individuais, plenas de memória e senso crítico, reúne aqui um expressivo conjunto de sua longa produção, basicamente focando na tragédia da capital amazonense, vítima de uma contingência histórica infeliz. Embora se possa dizer que o destino das cidades brasileiras caminha para a saturação e a tragédia, cujo carburante está nas administrações municipais populistas, na cidade de Manaus o fenômeno torna-se agudo e o populismo uma doença terminal. Cidade que ganhou status de espaço urbano moderno no começo do século XX, se degradou como cidade a partir de meados do daquele mesmo século, para entrar no nome milênio como exemplo de involução. Da capital mundial da borracha à Zona Franca, a capital amazonense é um caso a ser estudado como exemplo de patologia política.
Mas estou sendo injusto com o livro “Essa Manaus que se Vai”. É que todas as vezes que penso na minha cidade, mal posso conter a minha indignação. O livro de Bessa Freire tem uma outra perspectiva em relação à antiga Cidade da Barra, porque o autor é dono de um estilo aparentemente leve, casual, capaz de mesclar as memórias triviais de sua infância, o acontecimentos do bairro de Aparecida, sua própria história familiar, individualizando pessoas, descrevendo a vida doméstica, que o faz um grande cronista da arte de sobreviver, sem esquecer o fundo trágico, o cenário melancólico de uma cidade destruída não pela ira dos deuses, mas pela incúria dos políticos. Bessa Freire não está interessado em passar a limpo as desastradas opções políticas das oligarquias locais, mas na luta do dia a dia, das gentes simples, e nestes textos de triste alegria há a marca de um prosador competente que nestes flagrantes é capaz de escrever tão bem sobre velhas amizades, sonhos que se dissiparam, numa exuberância de detalhes que nos põe no meio do turbilhão que é a alma manauara prestes a se afogar.

THIAGO DE MELLO - MANAUS NÃO PERDE A ESPERANÇA                     

A leitura deste esplêndido livro, além de me comover, moveu o meu desengano com esta cidade à qual devo muito do que sou.

Cheguei a terminar um poema recente, de parceria com o nosso Milton, o Hatoum, dizendo que a perversão urbana e o gosto da ostentação fizeram dela uma cidade de alma penada.  Pois revelo contente, eu que faz tempo fiz a opção pela utopia, que o companheiro José Ribamar  Bessa me abriu os olhos.

Manaus não pode perder a esperança porque está gravada na sua alma pelos índios seus fundadores. Eles que, embora o seu jeito de viver tenha mudado muito, lutam perseverantes para permanecer fieis ao que são e ganhar o merecido respeito ancestral. São como um rio, que mudam em movimento, sendo sempre o mesmo. A mudança está no alfange do tempo, que vem, finge que passa, mas fica e modifica.

Somos, sim, querido Ribamar, uma cidade indígena (muitos não gostam de reconhecer, acham que a beleza incomoda) e nós  somos e não podemos deixar de ser índios.  Sucede que Manaus errou de mudança. Para ser moderna, mudou o que não era preciso nem podia ser mudado: o seu jeito de ser. Acabou sendo Manaus quase só no nome, que por sinal também é índio.

As mais belas virtudes humanas, os chamados bons costumes, outrora cultivados com prazer e grande brio, foram caindo em desuso, a tal ponto que hoje parecem ameaçados de extinção. O comportamento ético dos seus habitantes, em particular dos governantes, define o caráter de uma cidade (a perda da ética é doença social contagiosa, me disse uma tarde do Caribe  o  sábio  Gabriel  Garcia Marquez). Já ouvi da boca popular que Manaus travou. Pois ainda que bem. Agora só pode mudar para melhorar. Para ser fiel a si mesma e à esperança do povo, cuja vida é a própria matéria da sua alma.

De algum e profundo modo, ela ainda guarda o seu canto de  pássaro encantado, vibrando na sua alma indígena, portuguesa, árabe, hebréia e cabocla ribeirinha, poderosa filha da água, da floresta e de suas nuvens de mármore.

Chamo o leitor, não só o do Amazonas e sua capital, para percorrer tempos e veredas deste livro. Vem viajar com o Orellana, o espanhol  que desceu o Amazonas pela primeira vez, e visitar com ele a aldeia de índios ali pertinho do Encontro das Águas e ver que lindas eram as construções de madeira e palha da Manaus que ali nascia.
E Conhecer o Forte construído pelos portugueses com o barro das urnas do cemitério indígena.

Vai sentindo o gosto do sol e do sal, do mel e do fel dos séculos andados, enquanto eu te espero lá longe, só para viver outra vez  um tempo que também foi meu, o do bonde, do igarapé do Mindu, do banho na piscina pública do Parque 10, do cinema Guarani e do Polytheama, do Ypiranga na Cachoeirinha e do Popular, cine-poeira da Silva Ramos. Da crônica do Josué na Difusora, da dona Aurélia dando aula de leitura no Grupo Escolar José Paranaguá e o mestre Agnelo Bittencourt venerado pelos alunos no Gymnasio Amazonense Pedro II, ai tempo em que a professora passava e os homens tiravam o chapéu e os filhos adultos tomavam a benção a seus pais, o Jari Botelho e o dom da amizade para o que desse e viesse...

Depois é  encontrar o Babá (quem chama o autor assim é o Márcio Souza; eu só  o chamo de Jura)  lá no bairro de Aparecida, que ganhou do livro um Roteiro Lírico, Verídico e Sentimental.

Pudera! Lá o amor não vivia sem serenata, a vizinhança era um artigo social de primeira necessidade, vizinho de porta, de quintal, pequeninas coisas que Remarque considerava as reveladoras da grandeza humana, as nove casas (eram  treze?) da Rua da Conceição e o poema inesquecível do Luis Bacelar, todos nós morremos um pouco com o Alcides  o Penafort  e o Anibal.

Vem apreciar a arte de ser Manuel Otávio, o cinema que se entranhou pelos poros do Cosme Ferreira Filho, Jefferson Peres, decência em carne viva, o Christus do professor Orígenes, a alegria de Heyrton de ter e ser um irmão, o Tomhazinho Meirelles assassinado pela ditadura, o Geraldo Pinheiro presença viva no coração e na inteligência do autor, os becos de Aparecida, o Chora Vintém, o Pau não Cessa, o Saco do Alferes, e comigo exalta a dignidade da condição humana, ouvindo  a Mãe Coragem dona Elisa ameaçada,  dizendo  – Não tenha medo, não, meu filho, continua a escrever.

Acho bom eu parar, senão vou tirar ao leitor o gosto do antigamente novinho em folha. O livro pode parecer um Carrossel da Saudade, mas na verdade é um delicado “toma vergonha na cara” de cada um de nós que deixamos Manaus ficar desse jeito quase sem jeito.

Livro que cativa pela vida que se foi, mas não caiu no esquecimento, de tão linda que era, Jandira, meu amor. E encanta pela maneira que o Jura dá à sua contação, água de regato fluindo transparente. E porque trabalhada com esmero, eleva à condição de arte literária a linguagem coloquial popular.

Fico feliz de ter na mesma pessoa um amigo dileto e um escritor predileto.