CRÔNICAS

Omar Aziz, se me bater, vou contar pra mamãe

Em: 03 de Dezembro de 1991 Visualizações: 4079
Omar Aziz, se me bater, vou contar pra mamãe

- Regina, minha filha, você acha que ele tem coragem de bater no José?

José é este locutor que vos fala, leitor (a). É assim que dona Elisa me chama quando quer imprimir um tom solene e grave a suas palavras. Ele é o vereador Omar Aziz, o comedor de quibe cru, que da tribuna da Câmara Municipal ameaçou me dar umas porradas por causa das denúncias feitas nesta coluna. E Regina, sábia e sensata, é a primogênita dos doze filhos, a quem dona Elisa costuma consultar nos momentos de crise.

Onça ferida, dona Elisa não admite que alguém possa espancar a sua cria. Havia reserva de mercado. Só ela podiar dar umas palmadas na bunda, se fosse necessário. Sempre foi assim. Ao tomar conhecimento das ameaças, ela pegou o rosário e rezou logo os três mistérios – os gloriosos, os gozosos e os dolorosos – com uma intenção especial em cada um deles.

Nos mistérios gloriosos, dona Elisa pediu ao Papai-do-céu que ilumine o Omar para não cometer a besteira de agredir fisicamente o filho dela. Nos gozosos, ela dedilhou as contas do terço inseparável, rogando: “Senhor, se a besteira for cometida, que São Cláudio Humberto, o padroeiro do “Bateu-levou”, se incarne no meu José”. Por fim, suplicou nos mistérios dolorosos: “Iluminai também o José para que ele deixe essa mania de querer ser a palmatória do mundo ou então dai-me forças para fazer com o Omar o que fiz com o Raimundo jornaleiro".

Dona Elisa

Já te contei, leitor, a história do Raimundo jornaleiro? Já sim, mas vou repetir, abrindo aqui um parêntese. Nos anos 1950, o Raimundo vendia o Diário da Tarde, o saudoso Diarinho. Cometeu a besteira de trancar a Helena, uma das filhas da Dona Elisa, no banheiro do Colégio de Aparecida, junto com um doidinho de rua, o “Castanha de Caju”.  

Numa terça-feira à tarde, lá vem o Raimundo pelo Beco da Bosta, gritando manchetes carregadas de tragédias. Fazia um calor infernal e o Raimundo, um cabocão forte que um ano depois sentaria praça no Exército, em Tabatinga, vinha sem camisa. Dona Elisa, em pé na calçada alta, chamou:

- Meu filho, vem cá. Me vende um jornal.

O Raimundo parou, depositou o pacote na calçada e se curvou para retirar um exemplar do jornal, no que dona Elisa, miudinha, mas enérgica, aproveitou para dar-lhe uma gravata, pendurando-se no seu pescoço com o braço esquerdo. A mão direita estava armada com um pedaço de pau, que caiu forte dezenas de vezes no lombo dele. O Raimundo esperneava e corcoveava como um potro selvagem.

Era dia de novena. A igreja se esvaziou. A banca de tacacá da dona Alvina ficou rapidamente desocupada, a feira livre da Bandeira Branca ficou agitada. Todo mundo queria assistir ao espetáculo. Desceu gente da Xavier de Mendonça, da Alexandre Amorim e da Coronel Salgado. Dona Elisa detesta escândalos. Parou. Olhou o distinto público e antes de entrar e fechar a porta disse:

- Eu sou de paz. Vivo bem no meu canto, não incomodo vizinhos, não brigo com ninguém, Mas quem tocar em um dos meus filhos, apanha. Passar bem.

A pequena multidão aplaudiu como se fosse um gol do Nacional contra o Rio Negro ou do Vasco contra o Flamengo. E dona Elisa entrou em casa, triunfante, como o Rolinha quando fazia aqueles gols de curva.

Um moleque

Fecho o parêntese e retomo o fio da meada. Onde é mesmo que estávamos? Ah, sim, o rosário de dona Elisa. Ela havia acabado de fazer suas orações, quando entrou sua filha, a quem ela perguntou se o Omar teria coragem de bater no José.

- Não se preocupe, mamãe. O Omar não está com saúde física para isso. Ele anda muito, mas MUITO adoentado. A prova disso é o longo tratamento a que está sendo submetido, procura diariamente clínicos especializados. A gente sabe por causa da grana alta que ele diz que gastou com os médicos e por isso pediu ressarcimento.

Confesso que nunca pensei que a coluna da semana passada – “Epidemias na Câmara” (26/11/1991) - tivesse tanta repercussão. Lá opinamos que o ressarcimento era uma imoralidade, uma fraude. Parece que refletiu o que muita gente estava pensando, considerando o fax enviado por onze colegas jornalistas e os inúmeros telefonemas de leitores se solidarizando com o autor.

A resposta da Câmara foi uma exibição de ofensas. Em vez de contra argumentar e provar que não cometeu falcatrua, o vereador Omar Aziz fugiu da raia, desviou o assunto e partiu para a agressão. Vociferou da tribuna em plena sessão pública:

- Vou dar uns cascudos bem dados nesse moleque, quando encontrá-lo pela frente.

O moleque você já sabe quem é, o que aliás sou, com muito orgulho. Moleque de Aparecida. Mas a força de tal "argumento" e a clareza lógica desse - digamos assim - "raciocínio" nos fez lembrar o brutamontes KGQ, personagem de Fernando Brum, ilustrador dessas crônicas.

Duelo de cascudos

Um recado à Câmara de vereadores: Não responderei às agressões. Não sou covarde para bater em doentes. Invoco o exemplo do malogrado duelo na praça São Sebastião do senador Fábio Lucena, conhecido como o Trovão de Barcelos, com o jornalista Andrade Neto, que teve cobertura da imprensa nacional.  Desafio o Omar. Eu, o Peidinho de Aparecida, digo que estou à sua disposição na praça de São Sebastião, para enfrentá-lo neste novo duelo de cascudos, no sábado, 7 de dezembro de 1991, das 8h00 às 12h00. Irei de capacete. Se Omar Aziz, o KGQ, me acertar umas bolachadas, deixando-me com hematomas, vou exigir ressarcimento médico. Pela tabela da Câmara.

Mas se o sino da igreja der doze badaladas e o Omar não aparecer, copiarei as palavras dramáticas do senador Fábio Lucena para seu filho e direi ao Geraldão:

- Vai amigo, diz à dona Elisa que o filho dela ainda vive.

Deixo aqui um recado para o Omar Aziz: olha aqui, bicho, se algum dia tu me deres a porrada prometida, eu juro que vou contar pra mamãe. Remember o Raimundo Jornaleiro.

NOTAS

RAPOSO  – O vereador José Raposo protestou porque não foi incluído entre os cinco vereadores que não adoeceram. É verdade que também não constou da lista dos doentes. De qualquer forma, ficou ambíguo. Portanto, a omissão deve ser corrigida. Desculpa Raposo foi falha nossa. Os ressarcimentos, como as uvas, estavam verdes. Você tem razão de ficar indignado. Eu também ficaria se houvesse dúvida quanto à minha integridade. Gente, atenção: o Raposo não adoeceu. E mais: é contra os ressarcimentos.

MESSIAS – Outra injustiça: o meu parceiro de tantas reportagens no final dos anos 60, Messias Sampaio, não foi mencionado, mas também ficou a dúvida. Assevero que Messias é honesto e sadio. Nada tem a ver com esta bandalheira generalizada.

ATIVAMENTE – Enfim, depois de procurar com uma lupa, encontrei uma frase do deputado Átila Luins com a qual concordamos. A propósito do Parque Yanomami, o Átila (PFL vixe vixe) declarou:

- Não podemos concordar passivamente com essas demarcações.

Pois não é que ele tem razão! Devemos concordar ativamente, manifestando nas ruas o nosso apoio integral à demarcação. Quem tiver interesse em responder o apelo do rei dos hunos, deve procurar as organizações indígenas, o CIMI e a FUNAI, para saber como se engajar na luta em defesa do território indígena. Digam que foi o Átila que os mandou.

ALDEIA – Mas o Átila exagerou quando acrescentou:

- Daqui a pouco o Amazonas vai se tornar uma grande aldeia indígena se as demarcações prosseguirem.

Menos, deputado, menos. Sejamos mais modestos. Ainda vai demorar muito. Nas aldeias indígenas não havia cólera, corrupção, desemprego, ressarcimento médico. Aliás, nem CPI promocional. Para acabar com todas essas mazelas, leva tempo, muito tempo. Infelizmente não será “daqui a pouco”, estamos ainda longe de atingirmos a qualidade de vida de uma aldeia. Mas chegaremos lá.

PRACIANO – Quando é que a opinião pública vai ser informada sobre os nomes dos autores da covarde agressão cometida contra o vereador Praciano, que lidera as denúncias contra os ressarcimentos?  Bandidos escondidos no anonimato dispararam 15 tiros em sua residência. Em entrevista, Praciano afirmou:

- Suspeito de pessoas da atual legislatura e também de legislaturas passadas.

Engraçado, eu também suspeito de legislaturas passadas. Engraçado!

 

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3 Comentário(s)

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Roberto Gervitz comentou:
04/08/2023
José Ribamar, pesquisando os seus escritos sobre os Manáos neste site, descobri um cronista inspirado, delicioso de ler, muito bem humorado (dei boas risadas) e com uma aguda pontaria. Dei muitas risadas em me encantei com certas reflexões sobre a memória ou ainda sobre personagens e amigos que conheceu. Parabéns! Estou precisando falar com você com certa urgência. Já mandei alguns e-mails sem resposta. Parabéns por seu trabalho científico e por essa escrita tão saborosa. Um abraço, Roberto Gervitz
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Dudu Nogueira comentou:
18/04/2021
Tio, fico a imaginar a vovó fazendo com Omar o mesmo que fez com o jornaleiro.
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Ana Silva comentou:
18/04/2021
Adorei a foto entre mãe e filho. Que lindo momento de carinho!
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