CRÔNICAS

Fred, o Jacamim Imortal

Em: 11 de Julho de 1995 Visualizações: 8777
Fred, o Jacamim Imortal

.- Ih! Olha ali um jacamim! - gritou o zoólogo Spix para o seu amigo, o botânico Martius, apontando para uma árvore onde, em um dos galhos, havia um pontinho brilhando intensamente, sob a luz do sol. Era o dia 14 de outubro de 1819 e os dois cientistas alemães passavam naquele momento pelo furo do Arauató, uma das bocas do lago Saracá, subindo o rio Amazonas, em missão científica. O brilho metálico que os ofuscava era produzido pelas penas do jacamim, de cor verde-azulada, muito forte.

No seu livro "Reise in Brasilien", traduzido ao português como "Viagem pelo Brasil" e publicado em três volumes, os dois viajantes informam que já conheciam o jacamim, por terem visto um bando deles num galinheiro dos índios da ilha Tupinambarana (Tomo III). Efetivamente, o jacamim-copetinga - uma ave que se alimenta de frutas, sementes e insetos - até hoje continua tomando conta dos terreiros e vigiando as casas dos cabocos do rio Amazonas.

Cerca de 176 anos depois, um brilho metálico similar faiscou, desta vez, sob o clarão da lua cheia, que iluminava toda a praia da Ponta Negra.

- Ih!!! Olha ali um jacamim!!!. - gritou um dos estagiários da Escola Superior de Guerra (ESG). As palavras eram as mesmas do seculo XIX, mas o jacamim, naquela segunda-feira, dia 3 de julho de 1995, era outro. Tratava-se do vice-governador Alfredo Nascimento, que descia do carro oficial e cruzava a portaria do Hotel Tropical.

Por que jacamim? É que, nesse dia, a cabeleira do vice-governador exibia o mesmo brilho metálico verde-azulado do peito preto deste pássaro. Alfredo Nascimento pinta seus cabelos com um produto da L'Oréal, o mesmo usado por Sarney e pelo "anão"corrupto João Alves que preferiram, no entanto, a cor acaju, de um castanho-avermelhado.

Atenção! O vice-governador, com os cabelos resplandecentes, acaba de entrar no auditório. Aperta a mão das autoridades presentes. Nesse momento, ele está explicando a Mauro Marques, ex-secretário de Justiça, que o governador Amazonino Mendes, não podendo comparecer por motivos de força maior (estava jogando dominó), pediu para que ele o representasse. Recebe, então, uma cópia do convite, onde está escrito que o nome da turma de formandos da ESG é "Amazônia Brasileira" e que seu patrono é Pedro Teixeira. Silêncio! A cerimônia vai começar.

Agora, leitor (a), vamos todos ficar de pé, mão direita no coração, que vai ser tocado o Hino Nacional. Terminou? Então, senta, fica quieto (a) para ouvir o discurso do vice-governador do Amazonas. Ele vai improvisar, porque foi avisado da cerimônia na última hora. Aproxima-se do microfone, seu olhar percorre o auditório lotado, com 160 estagiários e seus familiares. Cumprimenta o brigadeiro Masao Kawanami, comandante da turma e demais membros da mesa. Depois dos salameques de praxe, busca inspiração, começando com uma revelação-bomba.

- É-me altamente honroso poder saudar a Escola Superior de Guerra, cuja turma de formandos escolheu este ano como patrono, o grande amazonense Pedro Teixeira. Fico deveras sensibilizado, porque Pedro Teixeira foi um dos meus melhores amigos, com quem tive o prazer de conviver durante anos. Ele era um apaixonado pela Amazônia e por Manaus.

O vice-governador, com os pelos cintilando, continuou seu discurso feito de improviso, explorando o tema da amizade. Depois encheu linguiça: patati-patatá, blá-blá-blá, nhem-nhem-nhem, pererê-pão-duro e edicetra e tal. Mas o resto não conta. O que interessa é que - em vez de guardar debaixo de sete chaves, dentro do peito, conforme conselho do outro Nascimento, o Milton - Alfredo confessou publicamente, na presença de mais de 300 pessoas e de representantes da imprensa, que o amazonense Pedro Teixeira, tinha sido sido seu amigo de fé, seu irmão, camarada de tantas jornadas.

A imprensa, é claro, no outro dia, registrou o fato. Afinal, não é todo dia que se ouve falar de uma amizade assim. Um colunista social chegou a revelar que durante o coquetel, realizado depois da cerimônia, o Paulinho Jacob - o Pejotinha - comentou com o Robério Braga:

- É impressionante essa amizade! O Alfredo Nascimento era assim ó - esfregou os dois dedos indicadores um contra o outro - com o Pedro Teixeira.

O fato foi confirmado por Omar Aziz, Lupércio Ramos e outros puxa-sacos. Parece até que Alfredo e Pedro - apelidados na infância de Fred e Pepeu - jogaram muita pelada juntos no Estádio General Osório ou no Campo do Hore, desde pequenos. A intimidade dos dois era tanta que o leitor não deve se surpreender se encontrar qualquer domingo desse, no imperdível "Baú Velho" do meu amigo Zamith, uma foto do Fred e do Pepeu, de calção e chuteira, abraçados diante de uma bola, ao lado dos irmãos Piola.

Vai ver, Fred e Pepeu estudaram na mesma escola, talvez - quem sabe? - naquela onde o Ronaldo Tiradentes se "formou". Vai ver Pepeu e Fred brincavam, no recreio, de camonibói, manjalé, barra-bandeira, cangapé e jogavam bolinha de gude com caroço de tucumã. Vai ver, a memória do Fred é tão vigorosa que, apesar de tanto tempo passado, ele lembra ainda hoje, nitidamente, como Pepeu era catarrento, vivia permanentemente gripado.

O certo é que Alfredo Nascimento terminou o seu discurso, emocionado, quase em lágrimas, com a lembrança de seu grande amigo amazonense. Desta forma, o vice-governador valorizou-se, mostrando sua intimidade com alguém da estatura de um Pedro Teixeira - imagina! - nome de avenida.

Pensa bem, leitor (a). Não é fácil ser amigo de Pedro Teixeira. Não é para o bico de qualquer um. Nem a Tônia Carrero, nem a Hebe Camargo, nem o Oscar Niemeyer chegaram sequer a conhecer o Pepeu. E nem podiam. E olha que as três são do tempo do finado Puxa Perna, da época em que o preço da borracha estava em alta na Bolsa de Londres. Mas acontece que Pedro Teixeira, nascido em 1587, ou seja, há 408 anos, morreu em 1641.

O vice-governador Alfredo Nascimento deve ser velho pra cacete. Como é que ele pode ter sido amigo de alguém que nasceu no século XVI? Ou o vice-governador é imortal, ou então - quem sabe? - é mesmo desinformado. Parece que o jacamim da L'Oréal esconde algo mais do que cabelos brancos.

Outro equívoco é que o homenageado, Pedro Teixeira, nasceu em Portugal, portanto não era amazonense de nascimento, diferente do Alfredo, que é Nascimento, mas também não é amazonense. Um dos formandos me falou que o vice-governador talvez tenha confundido Pedro Teixeira com o ex-prefeito de Manaus, Jorge Teixeira. Mas como? Jorge Teixeira era coronel do Exército e Alfredo Nascimento ex-cabo da Aeronáutica. É verdade que ambos nasceram no Rio Grande, mas o coronel Teixeirão no dito do Sul e o vice-governador no cujo do Norte. E como todo mundo sabe, o dito não rima com o cujo, nem gaúcho com potiguar.

Ex-interventor da Prefeitura de Manaus, ex-superintendente da Suframa, duas vezes secretário de Fazenda, ex-tesoureiro da campanha do Amazonino Mendes - uma espécie de PC Farias, no bom sentido, é claro, Alfredo Nascimento - o Jacamim imortal - não podia dar uma mancada pública dessa. Ou será que a sua amizade com o Pedro Teixeira já é o primeiro milagre do Terceiro Ciclo?

Obs: Esta crônica foi publicada originalmente em A Crítica (11/07/95). Vários leitores solicitaram que fosse colocada na internet, o que foi feito posteriormente, com alguns pequenos retoques.
 

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1 Comentário(s)

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Vera Nilce comentou:
10/07/2011
muito, muito boa ! por que a maioria dos políticos corruptos, nao gostam de assumir o grisalho dos cabelos? eu sempre digo qdo vejo homem de cabelo pintado : parece político corrupto rsss...vou compartilhar ,obgda por ter nos mostrado
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