CRÔNICAS

O saco do Lula e o general do Berinho

Em: 05 de Junho de 2005 Visualizações: 8759
O saco do Lula e o general do Berinho

 

.Num bate-papo durante um jantar na Embaixada brasileira em Tóquio, na semana passada, um diplomata mais atrevidinho começou a criticar a Argentina, sobretudo sua política externa, que é contrária a criação de uma vaga permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. As pessoas ali presentes, estimuladas talvez por umas doses de saquê, aproveitaram para cair de pau no nosso parceiro do Mercosul. Foi aí que o presidente Lula se meteu na conversa, contemporizando. Falou que era preciso ter muita paciência com `nuestros hermanos` e sentenciou:
- Nós temos de ter saco para aturar a Argentina.
A palavra `saco` significa bolsa, na Espanha, e também paletó em vários países sul americanos. Por isso, a frase publicada na Folha de São Paulo foi traduzida pelo Clarin de Buenos Aires, palavra por palavra, assim:
– Hay que tener bolas para bancar a los argentinos.

Se o contexto fosse o de coçar (o dito cujo), a tradução seria perfeita, porque nesse caso as `bolas` argentinas equivalem efetivamente ao `saco` brasileiro. No entanto, o sentido da frase mudou de água pra vinho de buriti, porque em lunfardo, que é a gíria portenha, `tener bolas` significa `ser macho pacas`, e `bancar` é `aturar` ou `enfrentar`. Quer dizer, em vez de pedir paciência, Lula estaria dizendo algo assim como: “temos que ser machos e sair pra porrada com a Argentina”.
Ah, Margarida, pra quê! Os “hermanos”, furibundos, gritaram como se sua seleção estivesse perdendo para o Brasil, de goleada, em pleno estádio La Bombonera. A tensão diplomática entre os dois países aumentou. O ministro do Interior, Aníbal Fernández, disse na televisão que a frase, “vinda de um presidente, soava muito forte”. O chanceler Rafael Bielsa concordou, mas tirou o reto da reta, argumentando prudentemente que não se tratava de uma declaração oficial. Eles levaram alguns dias para sacar que embora Kischner não esteja com essa bola toda, o saco dele é diferente do saco do Lula e que ambos não são farinha do mesmo saco.
Não é a primeira vez que uma tradução irresponsável gera conflito diplomático. Nos anos 60, Nikita Kruschev escandalizou a Assembleia Geral da ONU, quando confessou que a União Soviética queria conquistar o mundo. Mas em russo, a palavra `mir` significa `mundo` ou `paz`, dependendo do contexto. E o que ele havia dito era que queria conquistar a paz. Qualquer bom tradutor sabe que não basta procurar no dicionário o significado das palavras. O radialista Ronaldo Tiradentes, que é monoglota, fez isso num hotel em Miami e se deu mal. Dizem que ele ouviu a camareira bater na porta, foi correndinho ao dicionário e gritou: “Between”. Como ela não entrou, nova consulta ao dicionário gerou outro grito inútil: “Among”.
O general Will
A pergunta que o tradutor deve sempre fazer não é o que quer dizer essa palavra, mas o que o falante está querendo dizer com essa palavra. Foi isso que fez o cantor uruguaio Daniel Viglieti, com o disco que gravou contendo uma versão em espanhol de `Construção` do Chico Buarque. Na parte que diz “comeu feijão com arroz como se fosse o máximo”, em vez de `frejol con arroz`, ele usou apropriadamente `pan con queso`, porque o pão com queijo é, na realidade, o feijão com arroz cotidiano do trabalhador uruguaio.
Algumas vezes, erro de tradução pode gerar tragédia. Foi o que quase aconteceu na última quarta-feira, em Manaus, durante apresentação da banda “The White Stripes”. O Teatro Amazonas estava lotado até o tucupi. Lá fora, na praça São Sebastião, uma multidão de mais de 4 mil pessoas acompanhava o show através de um telão. Jack White tocou guitarra, marimba, piano, e puxou um coro emocionante para a versão “I just don't know what to do with myself”. Em seguida, pulou do palco e saiu correndo como um doido pela plateia. O público, enlouquecido, se levantou e quis correr atrás. Prevendo um quebra-quebra, o secretário de cultura, Robério Braga, barrou a passagem do gringo, perguntando em seu inglês macarrônico aprendido com a miss Bell:
- Mister, mister, quem mandou o senhor fazer isso?
O guitarrista americano respondeu várias vezes:
- “The general will, the general will”.
Diante da resposta, o secretário Berinho ficou intimidado e abriu caminho para Jack White, que foi até a sacada e cantou para o público na praça. Ai tocou o celular, era o governador Eduardo Braga querendo saber o que estava acontecendo:
- Quem deu ordem pra esse cara fazer isso?
Berinho: - Ele disse que foi o general Will.
Governador – Quem é a porra desse general?
Berinho – Não sei. Parece que é um tal de general Guilherme, do Comando Militar da Amazônia.
É fácil explicar as presepadas do Berinho. O bicho é bacabeiro e vive empinando o nariz, com uma pinta de quem fala vários idiomas. Mas na realidade, ele é monoglota, só que enquanto o Alferes é monoglota em português, Berinho é um caso único de monoglota em várias línguas. Por isso, não entendeu quando o guitarrista falou “the general will”, para dizer que era “a vontade geral” do público que exigia sua presença lá fora. Bastou Berinho ouvir a palavra general para bater continência e se enquadrar, como na época da ditadura militar, a quem sempre serviu docilmente, desde a época do gabinete do vice-governador, o finado Paul Nery.
A linguagem gestual
Da mesma forma que palavras, gestos também não são universais e, por isso, necessitam ser traduzidos de uma cultura para outra. Em agosto de 1991, o grego Kairakos Christodoulou, comandante do navio Seabovi, foi acusado pela Polícia Federal de Paranaguá, a 100 quilômetros de Curitiba, por desacato à autoridade. Ele teria chamado um policial de escondedor de croquete e de entubador de brachola, tudo isso apenas com gestos obscenos. Segundo o policial do setor de passaportes, o grego juntou o indicador e o polegar da mão direita em circulo, fazendo uma rosquinha, e depois acenou para ele, sorrindo cinicamente. Preso em flagrante, o grego teve uma crise nervosa e uma disfunção cardíaca que o levaram a internar-se num hospital. Lá, falando aos jornalistas, jurou que apenas usou um gesto internacional que quer dizer OK.
Quinhentos anos antes, Cristóvão Colombo quase é trucidado em Santo Domingo , por causa de um erro de tradução. Os índios Aruak haviam recebido os espanhóis pacificamente, trocaram presentes com eles, deram comida, até que num gesto de agradecimento, para comemorar festivamente o encontro, Colombo mandou tocar os tambores. Aquilo, para os índios, soou como um grito de guerra, anunciando um ataque, Os espanhóis suaram bastante para se explicar.
Aqui no Amazonas, os portugueses mataram muitos índios Parintintin, considerados violentos, belicosos, malvados e antropófagos. Quando o etnógrafo alemão Curt Nimuendaju conseguiu estabelecer um contato pacífico, nos anos 1920, descobriu que os Parintintin não eram nada daquilo que a documentação histórica julgava. Acontece que a forma amigável de saudação deles, era levantar a borduna e correr em direção ao visitante estrangeiro, soltando um grito medonho. Ninguém nunca esperou para conferir o abraço amistoso que vinha depois.
O saco do Lula, as bolas argentinas, o between do Tiradentes e o general Will do Berinho comprovam que tradução não pode ser apenas troca de significados pré-estabelecidos em dicionários, mas transposição, de uma língua para outra, das intenções e dos sentimentos dos falantes expressos através de palavras, com toda sua carga simbólica e cultural. É isso aí. Taquiprati não é só sacanagem, também é cultura.
P.S. – As informações sobre o saco do Lula foram retiradas da matéria publicada no dia 31 de maio de 2005 pela Folha de São Paulo, com o título “Jornal argentino muda sentido de frase de Lula e quase abre nova crise”, assinada por Maeli Prado, de Buenos Aires. Os dados sobre Berinho e o General Will foram apurados pelo repórter Tambaqui e pelo estagiário Pão Molhado, dois profissionais dignos de fé. Pão Molhado conseguiu a façanha de fotografar a voz do Berinho.

 

 

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1 Comentário(s)

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Mariella comentou:
30/01/2013
Jose es como decirle a una sra. FOFA, es fatal !! osea gorda y aguada... jajajj mientras que "fofinha" o como se escriba es bueno en portugues jajajaja ..... asi que cuidado con las similitudes... .jijijji O pasame la borracha osea la hebria !!! jajajaja y no un borrador. jajajaja asi que sigamos con el cuidaaaaadooo. jajajaja
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