CRÔNICAS

A ética na política: entre o anjo e o capiroto

Em: 17 de Julho de 2005 Visualizações: 8204
A ética na política: entre o anjo e o capiroto

O mensalão, o dizimão, o cuecão, malas, contas-fantasmas, é dinheiro que não acaba mais! Quem está perto da boca do cofre, se tem a chave, rouba. Se não tem, denuncia, quase sempre por inveja, às vezes por honestidade. O jogo é esse. Quem está longe, na arquibancada, só fica olhando, impotente, esperando as próximas eleições para “se vingar” e escolher o novo porteiro do cofre. Aí tudo recomeça.

Será que a desonestidade faz parte da natureza humana? Ou os homens estão divididos entre corruptos, de um lado, e incorruptíveis, de outro? Quer dizer que o mundo é assim, seu Serafim?

Não senhora, dona Aurora! Ninguém é incorruptível, mas nem por isso todo mundo é corrupto. O que acontece é que dentro de cada um de nós, enterrados como sapo de macumba convivem, lado a lado, ombro a ombro, a virtude e o vício. Cada um de nós traz dentro de si um Cristo e um Judas, um anjo e o capiroto. Esses dois personagens vivem aos tapas, como Tom e Jerry, travando, diariamente, uma guerra constante pra ver quem é que manda na consciência da gente e comanda os nossos atos. Às vezes ganha a virtude, às vezes, o vício.

O presidente da república, o governador do Estado, o senador, o deputado ou o prefeito, como qualquer um de nós, trazem dentro deles um anjo de cachinhos que lhe suplica para que sejam honrados. Mas trazem também um capiroto que estimula: “Vai, xará! Mete a mão”. Ninguém, nem as pessoas mais puras conseguem escapar dessa sina. A diferença é que o corrupto dá preferência à voz do capiroto, enquanto os honestos seguem a voz do anjo . Pelo menos até hoje tem sido assim. E amanhã, cunhantã? 

Porrada no Capiroto

Como será o amanhã? Responda quem puder. Na realidade ninguém pode se autodefinir: “sou honesto ”, como se isso valesse pra vida toda, como se fosse uma marca eterna e perene do seu caráter. O máximo que a gente pode dizer é: “venho lutando para ser honesto e até agora tenho mais vitórias que derrotas”. Cada dia a gente tem de matar um capiroto dentro de nós, mas o cadáver dele ressuscita no dia seguinte para continuar esse combate sem trégua, que só acaba com a morte do titular.

Nenhuma pessoa é imaculada, só a Conceição de Maria, e olhe lá, porque há controvérsias, diz a Igreja Universal do Reino de Deus. É preciso confessar, leitor (a), que todos nós já cometemos trambiques, trapaças, deslizes, ilícitos, ainda que pequenos ( por estarmos longe do cofre ?). Às vezes, o nosso capiroto interno passa a rasteira no anjo, dá-lhe uma gravata, sufocando-o, e aí a gente prevarica. O papaizinho aqui, por exemplo, quando joga dominó ou baralho, só escuta a voz do capeta. Confesso que adoro ‘passar gato'. Não tem dinheiro no jogo. É só brincadeira, mas é mais forte do que eu. Me dá inefável prazer passar a perna na dupla adversária tendo como parceiro meu primo Djwerry Power.

Será, leitor (a), que se tivéssemos a chave do cofre, construiríamos mansão no Tarumã? Compraríamos deputados? Colocaríamos dólares na cueca? Abiscoitaríamos o dízimo? Cada um responde por si. Quanto a mim, mansão no Tarumã não, mas – quem sabe? - uma casinha no Parque Dez pra minha irmã Ceuzinha, outra pro Júnior e, de quebra, uma mesada pro Pão Molhado, uma poupança pro Palmito. Por isso, todo domingo, tento me desencapetar,  rezando com minhas irmãs: Não me deixeis cair em tentação,  mas livrai-me do mal, amém.

Quem está no poder, recebe frequentes apelos para enriquecer com o dinheiro público. A tentação é grande, as facilidades são extraordinárias. O nosso Sarafa, por exemplo, prefeito de Manaus, todo dia esfola e mata um capeta. Mas até quando vai resistir ? A questão financeira é o de menos. Se Sarafa, Vanessa ou Lula não resistirem à tentação, o crime é maior do que o de governantes reconhecidamente corruptos, porque além do assalto aos cofres públicos, estariam roubando nossas esperanças. O governante corrupto não, porque pra isso ninguém jamais confiou nele, nem seus próprios eleitores adeptos do “ rouba, mas faz”. 

Desculpas esfarrapadas

O capiroto estimula subornos, mas se houver flagrante, não dá argumentos para explicá-los. Vocês lembram do finado deputado João Alves? Ele disse na CPI dos anões do orçamento que adquiriu patrimônio fabuloso em cinco anos, ganhando mais de 200 vezes na Sena “com a ajuda de Deus ”. Não colou. Mas acabou dando cola depois, para o meu, o seu, o nosso deputado federal Chiquinho Garcia (PP/AM – viche), que em três anos ganhou 43 vezes na loteria esportiva, embolsando R$ 811.000,00. Isso foi possível – segundo Chiquinho - porque ele entendia pra cacete de futebol e podia prever os resultados dos jogos.

Jader Barbalho, acusado de fraudes na extinta SUDAM, inventou que R$ 2 milhões foram destinados à criação de rãs de sua ex-mulher. Já o juiz Lalau, que comprou apartamento de US$ 1 milhão em Miami, jóias, mansão, carros importados, com dinheiro do TRT de São Paulo, justificou: “Herança. Herdei do meu pai ”. Seu pai era um pobretão, não tinha onde cair morto. Collor, para justificar dinheiro em contas-fantasmas, inventou empréstimo de US$ 5 milhões no Uruguai.

Ninguém confessa: eu roubei. O careca Marcos Valério atribuiu o salto astronômico do seu patrimônio ao trabalho, “muito trabalho”. Mauricio Marinho, chefe dos Correios, filmado recebendo 3 mil reais, falou que aquilo era “para pagamento de consultoria”. Zé Adalberto, secretário do PT-Ceará, preso com meio milhão de reais dentro da cueca, explicou: “Esse dinheiro é dos legumes que eu vendi no CEAGESP”, ele que nunca plantou um pepino. Delúbio Soares, tesoureiro do PT, nem entrou no mérito da questão. Chorou:

- É tudo invenção da direita que quer dar um golpe no Lula.

O deputado João Batista (PFL – viche, viche!), pastor da Igreja Universal, preso com sete malas com 10 milhões de reais, justificou: “É o dízimo, doado pelos fiéis. Não foi depositado, porque os bancos do norte não aceitam grandes somas de dinheiro por tempo tão curto”. Muitas notas estalavam de nova, e tinham números em série . Outras eram falsas. Boris Casoy, âncora do jornal da TV de propriedade da seita, comentou que até onde sabia seu patrão era honesto, em vez de fazer biquinho e dizer: é u-ma-ver-go-nha! Quer dizer , o corrupto dos outros é patife, o que está do nosso lado é sempre um corrupto bom.

As frequentes vitórias do capiroto sobre o anjo só acontecem porque o sistema favorece o capeta. O antropólogo Marcos Bezerra provou isso no livro “Em nome das ‘bases'': política , clientelismo e corrupção”, em 1998, onde explica os mecanismos da corrupção no Brasil e conclui que não adianta prender o corrupto se o sistema continua o mesmo, porque outro haverá de substituí-lo. Como escreveu o jornalista Jorge Moreno: “Do PT prendem a cueca; do PFL, as malas, e do PSDB, o guarda-roupa inteiro, já que o alto tucanato se abastece na Daslu”.

Sei lá. Acho que acabei mandando pras cucuias meu materialismo histórico e dialético. Misturei os manuais do Geoges Politzer e da Marta Hannecker com o catecismo da Cruzada Infantil da Paróquia de Aparecida e deu no que deu. Eu hein!

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1 Comentário(s)

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Isabel Castrp comentou:
25/07/2017
Meu ex-professor José Bessa conseguiu escrever, e escreve muito bem, exatamente o que também penso sobre isso tudo...e a propósito...FORA TEMER/FORA PEZÃO/FORA STF.
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