CRÔNICAS

O contínuo, o ministro de Transportes e o corrupto

Em: 10 de Julho de 2011 Visualizações: 37493
O contínuo, o ministro de Transportes e o corrupto

No Ministério dos Transportes trabalhava um funcionário, um contínuo, que era lotado na Assessoria de Comunicação. Seu nome, não lembro mais. Ele tinha o quê? Uns 60 anos? Era por ai, um sexagenário. Trajava sempre um paletó surrado, gravata estampada, cultivava um bigodinho tipo “tô na roça”e penteava o cabelo ondulado para trás, ensopado com muita brilhantina ou endurecido pelo gel. Seu jeito de andar era meio saltitante, que nem papagaio na areia quente.

Numa época em que não existia internet, sua função era percorrer diariamente as redações dos jornais do Rio de Janeiro. Entregava os press-releases e o material jornalístico de duvidoso conteúdo informativo, fotos e propaganda, muita propaganda, às vezes acompanhada de brindes promocionais, exaltando a figura de um eterno aspirante ao cargo de presidente da República, o ministro dos Transportes, Mário Andreazza, a quem ele só chamava de “Garoto”. 

O contínuo defendia uma causa inglória, é verdade, mas a gente simpatizava com seu jeitão folclórico, com sua cara de fome. Quando entrava na redação, sempre cerimonioso, com o malote na mão, ia de mesa em mesa cumprimentando os jornalistas presentes, a quem dava tratamento personalizado. Fazia questão de apertar a mão de cada um de nós, dizendo: “O Garoto está entusiasmado com tua atuação”. Ou “o Garoto mandou te parabenizar”. Ou ainda “o Garoto gosta do que você escreve”.

De repente, para provocá-lo, alguém gritava às suas costas:

- O Garoto é corrupto.

Ele se virava com agilidade e defendia o patrão: - “Não diga isso! O Garoto é honrado”. Detrás dele, outro repetia: - “O Garoto é ladrão”. Ele, saltitante, girava nos calcanhares: - “O Garoto não rouba nem um centavo”. A brincadeira prosseguia por alguns minutos, divertindo a redação e deixando o contínuo louco da vida.

Ele era um espécime raro. Talvez fosse o único ser vivo no planeta que acreditava na honestidade do ministro. Mais: estava absolutamente convencido de que sua forma simpática de tratar os jornalistas e o malote que entregava religiosamente aos jornais eram responsáveis pela cobertura favorável a Andreazza. E não as verbas publicitárias.

Vale um andreazza

Testemunhei o fato em dois jornais, nos quais fui repórter: O Paiz, em 1968, e o Correio da Manhã, em 1969, ambos comprometidos com o Garoto, o coronel Mário David Andreazza, ministro dos Transportes por oito anos (1967 a 1974), em dois governos: do marechal Costa e Silva e do general Médici. Seria interessante conferir a cobertura jornalística dada às várias obras faraônicas da época: o asfaltamento da Belém-Brasília, a abertura da Transamazônica e da Cuiabá-Santarém, a construção da ponte Rio-Niterói e a recuperação de ferrovias, tudo cheirando a press release.

O que os jornalistas falavam nas redações não se escrevia nos jornais. A corrupção no Ministério dos Transportes denunciada, entre outros, por Carlos Lacerda, não era fiscalizada. O PAIZ, ressuscitado pelo jornalista Hedyl Rodrigues Vale, em 1968, fazia oposição à ditadura em suas páginas internas, mas dedicava a manchete quase sempre ao sorridente Andreazza, que aparecia em fotos cortando fitas, inaugurando obras. O combativo Correio da Manhã, já decadente, arrendado pelos empreiteiros, também fingia que o Garoto era probo.

Andreazza contava com o apoio de vários jornais e de quase todas as construtoras. Não desistiu de ser presidente nem no governo Figueiredo (1979-1985), quando foi ministro do Interior e manejava recursos bilionários dos programas habitacionais como o Promorar. Era tão guloso por verbas que o então ministro da Fazenda, seu colega Mário Henrique Simonsen, chegou a propor a criação de uma nova moeda:

-“Ele pede tanto dinheiro, com tanta insistência e com tanta freqüência, que sugeri a criação de uma unidade monetária chamada andreazza.Um andreazza (A$1,00) valeria um trilhão de cruzeiros (Cr$ 1.000.000.000.000). Não muda nada, mas pelo menos a gente lida com menos zeros”. 

O Ministério dos Transportes sempre foi uma mina de ouro e, ao mesmo tempo, um covil de Ali Baba. Foi assim desde o Barão de Mauá, no Império, quando ainda nem sequer existia com esse nome. Permaneceu fiel a essa tradição o ministro Alfredo Pereira Nascimento, mais conhecido no Amazonas como Cabo Pereira, nome que tinha no quartel, quando fez o serviço militar. Um andreazza valia um trilhão de cruzeiros. E hoje, um pereira vale quantos reais?

O Garoto é corrupto

O ex-cabo da Aeronáutica, nascido em Pau-dos-Ferros (RN), fez sua carreira artística no Amazonas. Aprendeu seu ofício com Amazonino Mendes (PTB vixe, vixe), de quem foi tesoureiro de campanha, uma versão regional de PC Farias. Quando descobriu que o chefe adorava café regional, passou a servi-lo, pessoalmente, com tucumãs que ele mesmo descascava, pupunhas e tapioquinhas. Ganhou sua confiança. “Amazonino é um descobridor de novos talentos” – escreveu na época o então senador João Braga Junior, referindo-se a Alfredo Nascimento e a Eduardo Braga, que pertenciam ao mesmo grupo.

Ex-interventor na Prefeitura de Manaus, ex-superintendente da Suframa, duas vezes secretário de Fazenda, o Cabo Pereira nunca chegou a tecer laços afetivos com a cidade que para ele não passava de um imenso canteiro de obras loteado entre as empreiteiras. Foi lá que Lula o buscou, no final de 2003, para ser ministro dos Transportes, não necessariamente pelo seu talento, mas pela bancada de seu partido (PL vixe, vixe e depois PR - vixe, vixe) no Congresso Nacional.

- “Tenho certeza que nem mereço este lugar que vou ocupar. Deus tem me dado muito mais do que eu preciso em todos os segmentos de minha vida” – disse lucidamente o Cabo Pereira no seu discurso de despedida, em Manaus, antes de ir tomar posse em Brasília, à frente de um Ministério, que para 2011 previu investimentos de R$ 17 bilhões nas rodovias federais. No ano anterior, o orçamento foi de 12,5 bilhões. Realmente Deus lhe deu mais do que precisava.

Agora, depois de oito anos, com as estradas esburacadas causando acidentes mortais, o patrimônio rodoviário e hidroviário sucateados, o Cabo Pereira deixa o Ministério envolvido em denúncias de corrupção, superfaturamento de obras e cobrança de comissões para o caixa dois. O Ministério Público Federal no Amazonas investiga pistas de enriquecimento ilícito de seu filho, Gustavo Morais Pereira, de 27 anos, cuja empresa criada em 2005 com capital de R$ 60 mil, teve seu patrimônio elevado para R$ 52 milhões em cinco anos. Tal pai, tal filho.

Com a correção monetária da moeda andreazza proposta por Simonsen, vale perguntar: quantos reais vale um pereira hoje? Os centavos podem ser contabilizados em pereirinhas. Podemos especular ainda quantos maggis valerão os reais de amanhã, se mudarem os nomes no Ministério, mas permanecerem os mesmos esquemas.

- O Garoto é corrupto – ecoam as manchetes dos jornais. As denúncias da mídia - e não a fiscalização dos órgãos controladores do governo, como devia ser – identificam quem é subornado, mas protegem os nomes de quem suborna. As empreiteiras e construtoras são poupadas como na época de Andreazza. Se o Ministério dos Transportes reintegrar o contínuo aposentado da Assessoria de Comunicação, quem sabe, os próximos escândalos não virão à tona.   

Obs: Cronicas passadas sobre o Cabo Pereira

 Cabo Pereira, a Mona Lisa de igarapé - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=297

O cabo da vassoura  http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=326

Carta aberta ao General Pereira - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=331

O Cabo do Cabo - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=388

Fred, o Jacamin Imortal - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=500

 

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21 Comentário(s)

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Ricardo Cruz comentou:
24/07/2011
É, o Amazonas sempre foi e continua sendo "terra pra enriquecer arrivistas". Alfredo Nascimento é só mais um de longa série de aventureiros que, como antanho, aqui chegavam e "enchiam os olhos das moçoilas da terra"...
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Carlito comentou:
13/07/2011
Seremos sempre o País do Jeito , é cultural , o jeitão éh : só matando! A máfia funciona pelo sangue!
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vania tadros comentou:
12/07/2011
se o vt sou eu solange eu vejo diferença enyre o Amazonino e alfredo e muita...........quando a esquerda apresentar um honestíssimo que saiba governar eu voto nela ou nele
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VANIA TADROS comentou:
12/07/2011
NA MOSCA PAULO BEZERRAAAAAAAAAAAAAAA! ESTOU CONTIGO.E MUITA GENTE METIDO A HONESTO ACEITA E DÁ.
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PAULO NETO comentou:
12/07/2011
Quanto será que vale um Amazonino? E um Duduzinho? Senhores! façam seus lances.
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Paulo Bezerra comentou:
12/07/2011
A Raiz da roubalheira é muito mais profunda. Começa com "o querer levar vantagem em tudo". Passa pelas eleições, na compra de votos onde tanto é desonesto o que compra como o que vende. Nas doações de campanha, onde o doador doa com interesses escusos e o "doado" empenha até a alma. Nas escolhas dos suplentes milionários que "compram" os mandatos dos titulares. E, por aí vai...
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Solange Torres comentou:
12/07/2011
Alfrado, Gustavo, Eduardo, Amazonino. Empresas, contas milionárias, castelos. Qual a diferença? São corruptos e ainda encontram apoio da população. Não é VT?
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Maria Lopes (Blog Amazonia) comentou:
11/07/2011
São tantos descalabros que parecemos estar neutralizados.Resta saber, até quando viveremos nesse “mundo de faz de conta”. Tenho 54 anos, sou professora e minha vida inteira, viví acreditando que a educação seria a única forma de mudar toda essa situação de escândalos, cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Me sinto enojada de tantas cafajestices, não consigo ver muitas diferenças entre os vários “bandidos” que fazem parte dessa nação.Boa noite
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Rodrigo (Blog da Amazonia) comentou:
11/07/2011
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Ana Stanislaw comentou:
11/07/2011
Parabéns Bessa pela excelente crônica e pelas denúncias. Esses garotos só sabem encher o bolso com dinheiro público.
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José Calixto (1) comentou:
10/07/2011
Nós somos os verdadeiros culpados.Enquanto não mudarmos o foco de nossas discussões, não haverá mudanças.O povo brasileiro só sabe discutir futebol e novela.Hoje, nos jornais está a matéria que o Deputado Romário teve a CNH apreendida por estar dirigindo embriagado.Outro dia foi o Senador Aécio, e assim vamos levando. Há quantos anos a família Sarney está envolvida em escândalos escabrosos e ele continua dando as cartas. Agora esse senhor volta a ser Senador, ao invés de ir direto para a prisão.
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José Calixto (2) comentou:
10/07/2011
Agora me digam, quantas pessoas no Brasil sabem o que está acontecendo? A maioria está preocupada com o desempenho da seleção de futebol. Não está preocupada com a roubalheira do presidente da CBF. Está preocupada com as reformas ou construções dos estádios para os jogos da Copa. Reclamam do mau atendimento da saúde, mas não reclamam das vultosas quantias que serão “empregadas” nesses empreendimentos que poderiam ser canalizados para outras finalidades.
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Marco Aurélio (Blog da Amazonia) comentou:
10/07/2011
Copiei do seu texto:”Seria interessante conferir a cobertura jornalística dada às várias obras faraônicas da época: o asfaltamento da Belém-Brasília, a abertura da Transamazônica e da Cuiabá-Santarém, a construção da ponte Rio-Niterói e a recuperação de ferrovias”; E hoje, quais as obras??????
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Suelen viana comentou:
10/07/2011
Uma belíssima crônica baseada em uma vergonhosa história brasileira...mais uma que vai para as prateleiras...
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Vera Nilce comentou:
10/07/2011
PUTIEBA!, ARREÉGUA! VIXE MANINHA! Estou aqui me deliciando com as cronicas do TAQUI PRA TI , que conta aventuras do cabo nascimento e sua meteórica ascensão, nao ao macheralato mas, à bufunfa mamada nas tetas do Amazonas e do Ministério dos transportes. Vou citá-las abaixo pq estas coisas devemos saber para que possamos defenestrar (adoro esta palavra) estes tipos de nossa política.
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Joao Luiz comentou:
10/07/2011
Gualter, fala nada nao, espera alguns anos, se a dignissima entrar na vida política ou for empresaria, com toda certeza, aparecerá na imprensa nacional ou talvez até internacional. Calma, muita calma nessa hora!
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Joao Luiz comentou:
10/07/2011
NO RETORNO DE ALFREDO AO SENADO FEDERAL, DEVERIAM IMEDIATAMENTE ABRIR UM PROCESSO E ESTE COM CERTEZA RENUNCIARIA AO MANDATO, MAS COMO O CONSELHO DE ÉTICA DO SENADO NAO TEM ÉTICA, ELE PERMANCERÁ, ALIÁS O CORPORATIVISMO É UM MANDATO A MAIS. MAS ENTRE AMAZONIO E ALFREDO QUAL A DIFERENÇA? SIMPLESMENTE NENHUMA!
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André Ricardo comentou:
09/07/2011
Alfredo é um genio, um visionario. Fiel ao Amazonino até o momento certo. 1º político fora do núcleo esquerdista a apoiar Lula no estado que mais iria adorar o molusco. Ganhou gratidão eterna. O Ministerio foi uma boquinha que garantiu um pé-de-meia pra toda. vida. Ninguém vai recuperar os 52 andreazzas. Aposentadoria para 5 gerações.
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Gualter Beltrao comentou:
09/07/2011
Fico pensando neste texto imaginando se poderia falar ou comentar sobre o lixo que é o ministério do transporte e a comparação com o passado. Mas o maior problema é a coceira que dá na lingua com vontade de falar na sala de aula em que a sobrinha do ministro é minha aluna. Ai que vontade.
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Ana Paula Artaxo comentou:
09/07/2011
Ótimo! Finalmente alguém da mídia baré se posiciona diante desse episódio. Vi um bando de "corajosos" pra xingar um ilustre desconhecido mal educado que "falou mal" de Manaus, mas que são coniventes, por meio do silêncio, com essa corrupção toda! Valeu, José Bessa. Orgulho da sua independência e coragem!
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vania tadros comentou:
09/07/2011
E FOI ESSE MESMO ALFREDO NASCIMENTO QUE O LULA, AINDA PRESIDENTE DO BRASIL, ENTREVISTOU NA TV, NO HORÁRIO ELEITORAL,RECOMENDANDO-O PARA PREFEITO DE MANAUS. NESSA ÉPOCA A HISTÓRIA DA EMPRESA DO GUSTAVO JÁ CORRIA PELO BRASIL.
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