CRÔNICAS

Madinha e a taxa de lixo do Amazonino

Em: 03 de Janeiro de 2010 Visualizações: 12088
Madinha e a taxa de lixo do Amazonino
Mana, o 171² manipulou o zero à esquerda, fez 69 com Manaus e botou no nosso 24, cobrando por fora 82 do 171
Foi assim, enigmático, que Rolando Carlos, conhecido como Madinha Osa, se dirigiu à sua neta Elisângela – a Mana, nessa passagem de ano, semeando pânico na casa da Rua Tamoios, no Dom Pedro, em Manaus.
O vovô despirocou, chamem um médico - ela exclamou alarmada.
O avô continuou falando. Misturava palavras com números e se irritava porque ninguém entendia bulhufas. Nervoso, batia a cabeça na parede e insistia aos berros, aumentando a perplexidade da família:
- No reveillon, eu vou 4. Quem tem medo de 2, não 3. A 82 do 171 vai escondida para a 49 e a 51. Vão 5 de 15 para o 16 nas próximas eleições.
- Quando é que ele começou a falar assim? – perguntou o psiquiatra Rogélio Casado, chamado às pressas pela família para tratar o velho Madinha. A neta explicou: 
- Foi no natal, doutor. O vovô ficou traumatizado com a última sessão de 2009 da Câmara Municipal, quando os vereadores puxa-sacos aprovaram o projeto do prefeito Amazonino Mendes, criando a taxa de lixo, sem qualquer discussão. Ai ele ficou assim. Nem participou do Amigo Oculto. Pirou de vez. Deixou de falar coisa com coisa. Mistura números com palavras.
O psiquiatra indagou se o paciente, anteriormente, havia manifestado algum transtorno na fala. A família lembrou, então, do início de tudo, em 1955, quando o governador Plínio Coelho criou um imposto escorchante, através da Lei 5, que ficou conhecida como ‘Lei Cachorro’. Ao ouvir a notícia no rádio, o menino Rolando saiu correndo pelas ruas de Aparecida em busca de sua madrinha, dona Rosa, com quem vivia:
- “Madinha Osa, isso é um oubo, Madinha!”. 
- Desde essa época, meu avô ficou com esse apelido e quase nunca pronuncia o “r” – contou Elisângela, deixando o psiquiatra apreensivo, com o sobrolho franzido.
Franzindo o sobrolho
Em toda sua vida profissional, o doutor Rogélio jamais havia cofiado a barba e franzido o sobrolho. Desta vez, ao ouvir a história, franziu o sobrolho, para surpresa da nova geração que não sabe o que é franzir sobrolho. Com o sobrolho franzido, diante da gravidade do caso, reuniu uma junta médica via telefone celular. Confirmou seu diagnóstico com dois colegas: Joseph Oversea Toomuch, da Universidade de Oxford, autor de “Here for you” e Manoel Galvão, da UFAM, que escreveu “Delete o Del”.
Ainda com o sobrolho franzido, o psiquiatra explicou à família que o velho Madinha estava com DEL, termo clínico que designa o Distúrbio Específico de Linguagem. Havia contraído uma parafasia, que é a dificuldade em nomear objetos. O cara se atrapalha e substitui certas palavras por vocábulos desconexos ou números, causando confusão na fala.
Segundo a neurolinguística – diagnosticou o psiquiatra – a variedade conhecida como Parafasia Mutretarum se manifesta em pacientes que são assaltados ou que testemunham roubos. Cada vez que o psiquismo deles registra mutretas, reage trocando palavras por números, como forma de compensar a perda. Freud denominou de ‘compensatio vobiscum’. O filme da quadrilha do governador Arruda, de Brasília, com dinheiro na cueca e na meia, aumentou o número de parafásicos em todo o Brasil.
- Tem cura, doutor? – perguntou Mana, com a voz embargada.
Antes de responder, o psiquiatra fez uma vistoria pela casa. Percorreu com os olhos aquela Unidade Geradora de Resíduos Sólidos Domiciliares (UGR): o piso gasto, o sofá esburacado, o ventilador barulhento, a televisão comprada a crédito, o carro velho na garagem. Calculou com base na tabela da nova legislação - a coleta diária de um saco de 30 litros custa R$ 2,30, ou seja, R$ 70 por mês – e ficou assustado.
No caso do seu avô, minha filha, a tendência é se agravar. Essa taxa tira o couro de quem mora em casa com valor acima de R$ 50 mil. Aí, depende do volume de lixo da família. Tem gente que vai pagar até R$ 1.680 por ano, além do IPTU. A Lei Orçamentária destinou R$ 94 milhões para o lixo, mas Amazonino quer arrancar mais R$ 150 milhões do bolso do contribuinte. Sem contar o lixo hospitalar e o ESTRESS – o Excedente da Sobretaxa de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde. Por isso, criou a ‘Lei Ratazana’.
Lex Ratorum
Essa ‘Lei Ratazana de Esgoto’, do Amazonino, é pior do que a ‘Lei Cachorro’, do Plínio Coelho, porque come todas as economias do pobre, com voracidade de rato faminto. Ela vai transformar Manaus num hospital do DEL. Muita gente vai ficar com a Síndrome de Hortelino Troca Letras, personagem de desenho animado que persegue o coelho Pernalonga. Alguns contrairão logorréia, típica dos maníacos que falam sem parar. Outros a oligolalia, situação de quase mutismo – prognosticou o médico.
A família ficou arrasada. Se a doença não tinha cura, como se comunicar com o paciente? O psiquiatra argumentou que é possível entendê-lo, enquanto a doença não atingir a etapa da jargonofasia, caracterizada pela desorganização da sintaxe. Por enquanto, o velho encadeia o pensamento, narra eventos, seu discurso é coerente, a ordem dos elementos na frase é correta, basta apenas fazer uma tabela de correspondência entre números e palavras.
Foi o que a família fez. Madinha falava um número, apontava o objeto ou a foto e a neta anotava num caderno. Pouco a pouco a tabela foi sendo construída (confira tabela do madinha no final da crônica). 
Dessa forma, o discurso do Madinha foi decodificado. O problema dele não é pagar imposto, mas saber que quem vai aplicá-lo é Amazonino (PTB – vixe, vixe), cassado em novembro pela juíza Maria Eunice, em primeira instância, sob acusação de comprar votos, ou seu vice, Carlos Souza, recém-saído da cadeia. O currículo de ambos permite desconfiar que o lixo pode comprar gasolina para eleitores em futura eleição.
Se o prefeito fosse um arcanjo ou um querubim, se a Justiça punisse os corruptos, todo mundo pagava o imposto alegremente, por confiar no uso dos recursos em prol do bem público. Mas não é assim. O velho Madinha lembrou entrevista à Rádio Nova Onda FM, de Benjamin Constant, em 2006, quando Amazonino afirmou, talvez falando por experiência própria: 
- “No Amazonas, compra-se consciência de político, compra-se juiz, desembargador, compra-se tribunais de um modo geral”.
- A 10 não tem 8. Ninguém 5 a 10 – concluiu o velho Madinha, enquanto seu vizinho ‘Pão Molhado’, sem respeitar a dor da família, copiava os números para arriscar na Mega-sena.
Leitor (a)! Feliz ano 20-10 (pela tabela do Madinha).
TABELA DO MADINHA: 
0 - vereador puxa-saco (zero à esquerda)
2 - defecar 
3 - comer
4 - beber 
5 - comprar
8 - preço
10 - juíza Eunice 
15 - gasolina
16 - eleitor 
20 - Justiça
24 - orifício 
49 - cueca 
51 - meia
69 - sacanagem 
82 - taxa
171 - lixo 
171² - Amazonino

 

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3 Comentário(s)

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Haroldo (blog da Amazonia) comentou:
18/04/2010
É, parece que pouca entendeu. Será que se trata do famoso analfabetismo funcional?
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Cláudio Marques comentou:
18/04/2010
Fora de série, nota 10 , embora muita gente não tenha entendido.O artigo é sensacional , pela qualidade e também pelos comentários ácidos.Pena que nosso amigo Rogélio Casado , não tenha solucionado o problema . Visto que a solução não dependia dele.Vou fazer questão de divulgar e mostrar para muita gente.Tenho certeza que a comunidade da UFAM vai adorar.
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Igor (blog da Amazônia) comentou:
18/04/2010