CRÔNICAS

A Lucta Social: 70 anos depois

Em: 20 de Julho de 1984 Visualizações: 9157
A Lucta Social: 70 anos depois
Há 70 anos, em março de 1914, um grupo de trabalhadores gráficos, dirigidos por Tércio Miranda, editava em Manaus o jornal mensal “A Lucta Social – orgam operário livre”. O seu conteúdo – as lutas do passado – foi apagado da memória dos trabalhadores da Zona Franca de Manaus, mas vários exemplares podem ser consultados ainda hoje no Instituto de História Social de Amsterdã, na Holanda.
Quando o jornal surgiu, “o milagre” da borracha chegava ao seu fim. Das seringueiras, não saía mais leite. O sangue e o suor dos cabocos, dos arigós e dos índios haviam sido sugados até a sua última gota. Seringueiros esfarrapados e molambentos começavam a via-sacra febril, migrando do interior para a capital, por cujas ruas perambulavam pedindo esmolas. O fantasma do desemprego aterrorizava a classe trabalhadora. A crise apenas começava. No plano internacional, o imperialismo cozinhava a 1ª. Guerra mundial.
Socorro Mútuo

Os trabalhadores do Amazonas se uniram para resistir contra esta situação. Organizados até então em sociedades de socorro mútuo ou em caixas de beneficência, eles decidiram denunciar essas associações “porque ellas são a negação absoluta das ideias reivindicatórias” (A Lucta Social, no. 2).
Os trabalhadores não acreditavam mais nem em assistencialismo de sociedades caritativas, nem no paternalismo, porque “precisamente aqui no Amazonas os poderes públicos – o Governo, a Câmara, o Município – pouco ou quase nada se incomodam ante a triste situação pela qual atravessamos”. Para a Lucta Social, o Governo representava os interesses do “carrasco que se chama capitalista, proprietário ou coisa que o valha” (LS, no. 3).
Sindicatos
Diante de tal quadro, os trabalhadores só tinham uma alternativa: confiar nas próprias forças. Foi o que fizeram. No seu primeiro número, A LUCTA SOCIAL, numa linguagem às vezes ingênua, mas sempre contundente, divulgava um “APPELLO AOS TRABALHADORES DE MANAOS”, onde propunha claramente novas formas de organização e onde aparece pela primeira vez a palavra socialismo.
Segundo o apelo, “a situação precária em que se encontra a vida de Manáos demonstra à evidência a necessidade da organização operária. A constituição de syndicatos de classe é um dever que se impõe ao trabalhador do mundo culto, fortalecendo-se com a solidariedade de todos, debaixo da sacrossanta ideia do socialismo. É com o movimento de classe, com o nome significativo de syndicalismo, que o operário se tem mancomunado na conquista de melhores salários e de menos horas de trabalho”.
O apelo chamava para se organizar em sindicatos as diferentes categorias da época: boleeiros, carroceiros, cigarreiros, barbeiros, alfaiates, sapateiros, estivadores, gráficos, comerciários, operários da construção civil, empregados da limpeza pública, padeiros, marítimos, etc.
No meio da luta
São organizados, então, os primeiros sindicatos no Amazonas: Sindicato dos Gráficos, dos Operários Manipuladores de Pão e tantos outros. Os marítimos, divididos em três associações – Sociedade dos Práticos, União dos Foguistas e Sociedades dos Mestres de Pequena Cabotagem – criaram uma organização única: a Federação dos Marítimos, tentando organizar pelas bases os seus associados: moços, marinheiros, criados da copa, taifeiros, maquinistas, pilotos, práticos e foguistas. 
Todo mundo participava da briga, até mesmo a antiga ortografia que conservava um “c” bem no meio da luta. O jornal A LUCTA SOCIAL multiplicava os seus apelos (com dois “pp” e dois “ll”) para a formação de sindicatos autônomos, independentes, democráticos e combativos. Federação e COB 
No seu número 2, de maio de 1914, o jornal avançava uma proposta para unir todos os sindicatos em uma entidade única, considerada como “uma instituição mãe do operariado nesta região”. E justificava a sua necessidade com o seguinte argumento: 
“Considerando que a solidariedade é indispensável a todos os que trabalham para garantia e bom êxito de suas reivindicações, o grupo operário A LUCTA SOCIAL resolve apresentar aos syndicatos organizados no Amazonas as bases de um agrupamento federativo”. 
Os sindicatos responderam criando a Federação do Trabalho no Amazonas, que se filia imediatamente à Confederação Operária Brasileira (COB), fundada em 1908 por deliberação do Congresso Operário realizado dois anos antes no Rio de Janeiro. 
O destino desta Federação estava ligado ao da própria COB. De 1914 para cá muita água correu por debaixo da ponte Eduardo Ribeiro: repressão contra as organizações operárias, o corporativismo, o bedelho do Estado metido onde não devia, o peleguismo, joaquinzões e chiquinhos. No entanto, ficou a semente de uma organização combativa, independente do Estado e do Governo. Agora, ela começa a germinar, com raízes na terra.
O 1º CECLAT
 Em agosto de 1983, mais de 5 mil delegados, representantes de cerca de 12 milhões de trabalhadores  do campo e da cidade e filiados a 912 entidades sindicais ou para-sindicais de todo o país, se  reuniram em São Bernardo do Campo (SP) no 1º Congresso Nacional da Classe Trabalhadora  (CONCLAT) e criaram a CUT – Central Única dos Trabalhadores, como forma de reunificar a luta  de todos os trabalhadores brasileiros. Os trabalhadores do Amazonas estiveram representados neste  Congresso por 29 delegados de 8 diferentes entidades. 
  Nestes últimos meses, os quatro membros do Amazonas que pertencem à direção nacional da CUT  assistiram assembleias em muitos municípios do Amazonas, discutiram o que é a CUT e  acompanharam a eleição dos delegados que participarão do 1º Congresso Estadual das Classes    Trabalhadoras do Amazonas (CECLAT), a ser realizado nos dias 27, 28 e 29 de julho de 1984 em      Manaus. 
 Desta forma, cerca de 300 trabalhadores amazonenses, delegados de suas bases e atuando em  dezenas de sindicatos, estarão em Manaus no final do mês de julho, a fim de discutir um plano de  lutas para o Estado do Amazonas e fundar a CUT estadual, sem dúvida alguma um acontecimento  carregado de significado histórico, que só tem precedentes em 1914. 
 CUT pela base
 No entanto, o quadro hoje se apresenta muito diferente do de 1914. O “c” saiu do meio da luta e com ele algumas profissões d’antanho que desapareceram como os boleeiros e carroceiros. Porém, este “c” que se perdeu, agora está sendo recuperado e reaparece em CUT, no início da luta, em CECLAT – início e meio, e nas bases do combate dos trabalhadores.
Com a CUT, novas categorias, antes inexistentes, injetam sangue novo no sindicalismo amazonense e resgatam a memória e a consciência do passado.
Neste 1º. CECLAT estarão presentes – todos eles eleitos por suas bases em assembleias gerais – os metalúrgicos e trabalhadores de material elétrico do Distrito Industrial de Manaus, juntamente com os professores, bancários, urbanitários, médicos, comerciários, portuários, marítimos, madereiros, pescadores, operários da construção civil e trabalhadores rurais de diferentes municípios como Careiro, Itacoatiara, Coari, Borba, Novo Aripuanã, Parintins, Urucurituba e até mesmo do município recém-criado denominado Presidente Figueiredo. 
Por representar uma grande esperança para os trabalhadores e um apelo formulado há 70 anos, podemos desejar à CUT Estadual a ser criada brevemente os mesmos votos do jornal A LUCTA SOCIAL, dirigidos à Federação antes de sua fundação:
“A Federação das Sociedades Operárias que fica dentro em poucos dias organizadas, damos a nossa adesão. Aucilliemos este organismo com todas as nossas forças, para que sejam produtivos os seus trabalhos. Avante! Avante!” (LS no. 3). 
 
 
 

 

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1 Comentário(s)

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Falcão Vasconcellos comentou:
14/11/2010
Essa "CUT" de 1974, é a mesma de 2010, ou apenas a s mesmas iniciais? Quanta pauleira e trabalheira, e hoje pasmaceira(?) nessa história, meu caro Bessa.
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