CRÔNICAS

Bicho papão: o SIVAM e a soberania da Amazônia

Bicho papão: o SIVAM e a soberania da Amazônia

.Certos pais irresponsáveis e preguiçosos apelam para o bicho papão todas as vezes que querem obrigar seus filhos a se comportarem de uma determinada forma. Aproveitam-se da ingenuidade infantil para aterrorizar as crianças com ameaças:

- Vai dormir, senão o bicho papão te pega!

O bicho papão usado por certos políticos é o fantasma da “cobiça internacional da Amazônia”. Toda vez que querem forçar a opinião pública a aceitar suas ideias, eles manipulam o fantasma da internacionalização da Amazônia para justificar projetos de interesse pessoal. Dessa forma, devotam um profundo desprezo à verdade e aos seus eleitores, a quem consideram bobos e ignorantes.

Nos últimos anos, eles usaram e abusaram deste “capiroto internacional” para assustar os desinformados e evitar o debate com argumentos. Os Yanomami tiveram suas terras demarcadas? O deputado Átila Lins (PFL, vixe vixe), que nunca se destacou como defensor dos reais interesses regionais ou nacionais, sob o “argumento” de que é muita terra pra pouco índio, apressa-se em “denunciar” que se trata de uma estratégia de grupos estrangeiros para ocuparem a área. Não dá sequer o nome de um único grupo.

Os Makuxi reivindicam o seu território da Raposa/Serra do Sol invadido por fazendeiros? O deputado Euler Ribeiro (PMDB, vixe, vixe) – que também pode ser acusado de tudo, menos de nacionalista – manipula a assombração dos grupos estrangeiros que estariam agindo por trás dos índios. Não cita também nenhum grupo.

O próprio Gilberto Mestrinho, quando governador, acusou grupos de ecologistas de estarem a serviço de potências estrangeiras para contestar a posse dos índios sobre seus território.

Quem acusa “grupos estrangeiros”, sem nominá-los, como pretexto para atacar os direitos indígenas, está defendendo na realidade interesses escusos. Nenhum deles teve a coragem de dizer abertamente: “Eu estou defendendo os interesses dos latifundiários, dos madeireiros, dos pecuaristas, dos empresários e do agronegócio que financiaram minha campanha eleitora e se sentem prejudicados pelos índios.

O ex-governador Arthur César Ferreira Reis, que participou de lutas “nacionalistas”, pelo menos manifestava certa coerência, ao contrário dos políticos citados que reclamam, quando lhes é conveniente, de uma ameaça hipotética de potências estrangeiras não nomeadas, mas não têm escrúpulos em escancarar as portas para empresas multinacionais.

Agora, o “satanás internacional” é usado tanto pelos que defendem, como pelos que atacam o SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia – um projeto elaborado pelos órgãos de defesa do Brasil, com a finalidade de controlar o espaço aéreo da região. O presidente da República, Fernando Henrique, entre a eleição e a posse, forçou a barra para cancelar a concorrência do SIVAM e entrega-lo, sem licitação, à Raytheon, por pedido explícito de Bill Clinton.

O brigadeiro Ivan Frota se manifestou contra porque “o projeto fere os princípios da soberania nacional”. O superintendente regional do Sivam, coronel Carlos José Polhuber, acaba de defender o Sivam com o mesmo argumento de que é a única forma de evitar que o nióbio, mineral existente em terra indígena de São Gabriel da Cachoeira, fique exposto à exploração internacional. Segundo o coronel, “A Amazônia será internacionalizada em breve, porque as grandes potências sabem da importância desse minério no próximo milênio”.

Tudo conversa fiada. Lero-lero!

No século XIX, quando Tavares Bastos lutava pela abertura do rio Amazonas à navegação internacional, foi acusado de “defender medida cujo resultado será a ocupação da Amazônia por potências estrangeiras, notadamente os Estados Unidos da América do Norte”.  Os barcos estrangeiros, dentro das normas legais, singraram nossos rios e a Amazônia brasileira continua a fazer parte do país.

Ninguém deve acreditar num argumento que é usado tanto para defender como para atacar o mesmo projeto. A questão do Sivam é outra: a suspeita de corrupção, a falta de transparência, a definição de prioridades para o uso de recursos tão significativos e a invasão de terras indígenas.

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