CRÔNICAS

O juiz, o padre e a jornalista

Em: 03 de Dezembro de 1996 Visualizações: 6794
O juiz, o padre e a jornalista
Buscando um tema para o nosso bate-papo de hoje, faço uma ligação interurbana para Manaus:
- Maninha, me conta! Como é que foi a agressão dos Tiradentes contra a Beth Azize?
Do outro lado da linha, está Preta, a contestatária. Ouço apenas a sua respiração ofegante, com uma nitidez extraordinária, como se estivesse a meio metro de distância. Insisto, solidário e ameaçador:
- O Robson “Boticão” e o Alferes que não se façam de bestas. A Beth é patrimônio da oposição!  É nossa irmã.  Se eles tocarem num fio de cabelo dela, a gente vai ai e dá uma chapuletada nos dois. Quem avisa amigo é! Agora, me diz: o que é que está acontecendo?
O silêncio só é rompido pelo chiado asmático do peito da Preta, acompanhado de um assobio dispnéico agudo:
- Não sei de nada. Jararaca não fala. Jararaca assobia.
Plaft! Ela desliga o telefone na minha cara.
O que está acontecendo? Tento nova ligação, desta vez prá Teca.  A “Caboquinha” tem sensibilidade para o sofrimento e a dor alheia. Com 10 anos, o doutor Romcy arrancou-lhe duas grossas lágrimas junto com um dente, sem anestesia, e ela não deu um “ai Jesus”. Além disso, está sempre antenada. Tem uma enorme capacidade de escuta e de observação, é dotada de boa memória e acompanha a ação do CDDH. Certamente, vai me dar as informações que preciso. Ela atende o telefone. Eu falo:
- Queria detalhes sobre a prisão ilegal e arbitrária de sete adolescentes, no Zumbi II. É verdade que eles foram mantidos em cárcere privado e torturados durante quatro dias? Dizem que foram espancados por policiais encapuzados.
Apertando o nariz com os dedos para disfarçar, a Teca responde com uma voz anasalada:
- Aqui é a Terezuda, a empregada. A dona Stella não está. Viajou em segunda lua-de-mel para a Ilha das Cobras, no Careiro. Só volta no ano que vem. Ela avisa para o sr. ler a nota do padre Umberto Guidotti denunciando os crimes cometidos contra a população pobre. Passar bem.
Pela segunda vez, desligam o telefone nos meus cornos. Ligo para mãe de todas elas e peço explicações. Dona Elisa informa que as meninas estão chateadas, porque foram chamadas publicamente de “jararacas”. Fizeram uma reunião e decidiram que não me abastecerão mais com informações.
Desinformado, sem fontes fidedignas, fico sem tema para a crônica de hoje. Minha última esperança é a Bambi, “La Pasionária”. Herdou da mãe uma exacerbada fome e sede de justiça. Quando submetida a fortes emoções, age duas vezes antes de pensar. Uma vez deixou os sapatos novinhos no Asilo Dr. Thomas, com uma velhinha, e voltou descalça para casa. Para ela vai minha terceira chamada:
- Ôi, mana, tudo bem! Tou pensando em escrever sobre a decisão do juiz da 1º Vara da Fazenda Pública Estadual, João Mauro Bessa, que bloqueou os bens dos Tribulins.
Não havia dúvida. A voz inconfundível do outro lado era da Bambi:
- Isto é uma gravação. Você chamou para a mansão dos Lins. No momento, não podemos atendê-lo. Depois do bip, deixe sua mensagem gravada, com seu nome, cpf e carteira de identidade, que nós o empregaremos em qualquer repartição pública, se você pertencer à nossa Tribo ou for a ela agregado. Caso contrário, não insista.
E aqui estamos nós, leitor (a), na metade da crônica, sem um tema definido. A greve das jararacas bloqueou o fluxo de informação. O que eu queria era tão pouco. Apenas registrar que nesta semana que passou, uma jornalista, um juiz e um padre renovaram nossas esperanças na construção de um mundo melhor, posicionando-se com coragem ao lado dos fracos e dos lascados.
Diariamente a população dos bairros pobres de Manaus é violentada por quem é pago para dar-lhe segurança. Prisões, espancamentos, torturas estão se tornando uma rotina, minando a nossa própria capacidade de indignação. Uma voz, muitas vezes solitária, mas firme, se ergue sistematicamente contra tais arbitrariedades: a do padre Umberto Guidotti. Todas as pessoas de bem desta terra devem apoiá-lo. O Klinger e sua curriola fascista precisam saber que o padre Guidotti nos representa, quando exige punição para os crimes cometidos contra os direitos humanos.
A nota intitulada “Não nos deixeis cair em omissão” exige a apuração e cobra as responsabilidades do Secretário responsável pela Justiça, Segurança e Cidadania no Estado do Amazonas, bem como do próprio governador Amazonino Mendes, “primeiro responsável pela vida e pelo bem-estar dos cidadãos residentes no Amazonas”.
A Beth Azize dignifica a profissão de jornalista, com sua coluna publicada aos sábados no jornal “A Crítica”. Destemida, ela é a nossa Quixote de saias. Ali onde tem uma briga, ela empunha sua espada do lado justo que é, quase sempre, o lado do mais fraco. Por isso, está sendo ameaçada. Tiradentes, o do diploma falsificado, o dos “gatos” da Eletronorte, pode gritar. O irmão do Alferes, o do cheque sem fundos, o da agressão covarde ao frentista do posto de gasolina, pode roubar o som e berrar. Nossa voz, apoiando a ação de Beth Aziz, soará mais alto que qualquer trio elétrico.
Finalmente, o juiz João Mauro Bessa, ao bloquear os bens dos Lins e de todos aqueles comprometidos com as falcatruas no Tribulins começa a resgatar a credibilidade da população no Poder Judiciário. Durante anos, os Lins reinaram impunes, usando as instituições públicas e os aparelhos de Estado em benefício próprio. Os cofres públicos serviram para que exercitassem a generosidade com os irmãos, primos, sobrinhos, netos, amigos, agregados e xerimbabos.
Agora, uma decisão judicial reconhece que eles praticaram improbidade administrativa, usando abusivamente do prestígio e influência de seus cargos junto à Assembleia Legislativa, o Ipasea e o Tribunal de Contas dos Municípios para realizar gastos ilegais e pagar vantagens pecuniárias a servidores que ingressaram por meio de fraude no Tribulins. .

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