CRÔNICAS

Atentado ao Taquiprati: o leitor anti-Negão

Em: 18 de Fevereiro de 1997 Visualizações: 6455
Atentado ao Taquiprati: o leitor anti-Negão
Esta entidade chamada “leitor”, embora sem um rosto definido, possui um poder do qual, às vezes, nem desconfia. O leitor pode escolher aquilo que vai ler. Pode condenar à lata do lixo o que não lhe interessa. Desta forma, pode fortalecer ou acabar com jornais. Mais ainda: mobilizado coletivamente torna-se força política, capaz de defender seu direito à informação.
Nas últimas semanas, o leitor amazonense vêm assistindo, da arquibancada, uma escalada de violência destinada a calar jornalistas. Primeiro, foram atos de banditismo contra Beth Azize. Depois, ataques a este Jornal do Norte, seguidos de ameaças ao articulista Paulo Figueiredo. Por último, o episódio do qual fui vítima, além de intimidações cotidianas a outros colegas.
Diante de tal escalada, o leitor abandonou a apatia e decidiu participar do jogo. Vestiu a camisa 12, invadiu o gramado e manifestou sua indignação e revolta. Uma torcida não leva seu time prá frente? Leva sim. Foi o que aconteceu. É o que está acontecendo. Leitores e setores representativos da sociedade amazonense expressaram sua reprovação à violência, dizendo que querem um jornalismo informativo e crítico.
No dia da divulgação do atentado, cedinho, recebi o primeiro telefonema de Manaus. “Estou limpando minha espingarda”, falou-me - no sentido metafórico, espero - um amigo. No início, foram familiares, cupinchas, vizinhos de bairro, ex-alunos e antigos colegas de trabalho, dizendo-me que eu não estava sozinho. Exorcizei o medo e respirei.
Diferentes partidos políticos também se manifestaram através de seus parlamentares, entre eles PT, PCdoB, PSB, PSDB e PMDB. Um pronunciamento lúcido do vereador Francisco Praciano, manifestações de solidariedade de Serafim Correa, do senador Jefferson Peres e dos deputados Arthur Neto, Luiz Fernando Nicolau e Alzira Ewerton.
Nota manuscrita, assinada pela vereadora mais votada na cidade, Vanessa Graziottin, me chegou via fax, junto com palavras de apoio do deputado Eron Bezerra,  manifestando irrestrita solidariedade.
O líder do PMDB na Assembleia Legislativa Miguel Biango também mandou-me ofício, declarando: “a autoria da torpe trama cabe a pessoas pouco dignas, que ainda não aprenderam que o regime democrático exige, sobretudo, convivência de contrários”.
O padre Humberto Guidotti, coordenador do CDDH; Álvaro Gaia Nina, coordenador do Forum pela Ética na Política; Alberto Simonetti, presidente da OAB/Am. e o desembargador Neuzimar Pinheiro, presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas condenaram com firmeza o atentado.
O secretário municipal de Comunicação, Jefferson Coronel, qualificou a agressão e as ameaças como “um bárbaro retrocesso”. Até mesmo o vice-prefeito Omar Aziz (PPB), de quem sou - e pretendo continuar - crítico ferrenho, ficou horrorizado com a agressão covarde, condenando o gangsterismo como método de luta. 
O mandante deste criminoso atentado, cuja identidade será descoberta (não tenho dúvidas) ficou, portanto, politicamente isolado. É um fora-da-lei, alguém que quer silenciar a imprensa, porque tem muita coisa a esconder. Mas não terá êxito. De São Paulo, o jornalista Narciso Lobo me escreve, dizendo:            
“Na verdade, esse tipo de intimidação dá um medo que vem do intestino. Dá cagaço mesmo, porque somos humanos e nosso instinto de vida fala bem mais alto. Mas como não somos cínicos individualistas, nosso destino, ao mesmo tempo, está colado ao destino da humanidade. É isso que torna você, e tantos outros, tão incômodos. É isso, também, que faz da nossa fragilidade uma fortaleza”. 
Quem escreve, retira sua força, da cumplicidade com o leitor. Da dona de casa que recorta a crônica, guarda-a para reler, impedindo que se transforme em papel de embrulho. De muitos leitores anônimos, cujas palavras encorajadoras me chegam por diferentes vias, inclusive nas cartas publicadas pelos jornais.
De repente, trocamos de posição. O leitor, agora, sou eu. Leio, emocionado, as cartas da bancária Gerusa Cardoso, do publicitário Nelson Bruno Antunes, do professor Sócrates Batista Filho e do índio Manoel Tucano que promete, se a justiça humana falhar, o caldeirão fumegante do inferno para os agressores. De repente, diante de todas essas manifestações, me sinto forte. De repente, não tenho medo de nada. De nada. O leitor é o anti-negão..

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