.De Bielefeld, Alemanha)
Bielefeld, 24 de junho de 2007
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas - ALEAM
Deputado Belarmino Lins
Saudações
Escrevo essa carta, mas não repare os senões, para dizer que me sinto culpado por haver debochado de sua autopropalada ascendência germânica. Pensava que era pura invenção sua. Mas nessa semana, pesquisando nos arquivos da cidade de Bielefeld, onde me encontro, achei a prova de que V. Ex. descende efetivamente de alemães como declarou, orgulhosamente, repetidas vezes. Por isso, quero apresentar-lhe publicamente minhas desculpas, contando-lhe o que vi no arquivo do Castelo de Sparrenburgo.
Lá, consultei um documento intitulado Allgemeine und aktuelle Informationen zum Lenz, que registra a genealogia da família Lenz desde o século V até hoje. Como não entendo bulhufas de alemão e só sei falar Ja, Nein, Guten Morgen e Auf Wiedersehen, pedi ajuda ao eminente professor Roland Reich, quem me traduziu o seu conteúdo. Tudo, então, ficou esclarecido.
Não há mais dúvidas: sua família, deputado Belão, é de origem nobre e teutônica. Descende do último e poderoso rei dos hunos, chamado Átila, “o flagelo de Deus”, nascido no ano 406 da nossa era. Ele invadiu Roma, sitiou Constantinopla, deu porrada nos visigodos de Toulouse e, com seu exército de meio milhão de soldados, cruzou o território que constitui hoje a França e a Alemanha. Dizem que por onde suas tropas passavam, a grama nunca mais crescia.
O que crescia mesmo era a população local, com o nascimento de inúmeros filhos bastardos que Átila fazia em cada lugar que acampava. Entre outras, ele embuchou a Hildica, uma visigoda gostosinha e a Honória, uma irmã bunduda do imperador Valentiano III. No entanto, casamento de papel passado, no padre e no juiz, com véu e grinalda, Átila só teve um. Foi com uma honrada dama alemã de Westfália, chamada Siegfried Lenz, com quem teve onze filhos: Friedrich, Hilderich, Rodrick, Ellah, Dengiyik, Emak, Brunihild, Gertrud, Wiltrud, Grosse-Schön e Átila Júnior.
Todos eles, desde que nasciam, eram nomeados funcionários do Paço Imperial, com altos salários. O rei dos hunos, antes de morrer de sífilis no ano 453, aos 47 anos de idade, empregou filhos, netos, noras, genros, que entraram pela janela, sem concurso. Dizem que por onde Átila passava, não sobrava mais emprego pra ninguém. O TCH - Tribunal de Contas dos Hunos estava repleto de seus familiares. Por isso, em sua homenagem, cada geração dos Lenz batiza uma criança com o nome do seu patriarca. E no brazão familiar aparece a frase Jedem das Pharinen, mir das Pirationen, que trocado em miúdos quer dizer: farinha pouca, meu pirão primeiro.
Seria enfadonho detalhar tudo o que contém o documento. Destaco aqui apenas dois momentos cruciais. No ano 1240, um tal Bahnhof Lenz construiu o Castelo de Sparrenburgo, no alto de uma colina, de cuja torre podia dominar toda a cidade de Bielefeld. Esse ramo familiar, seis séculos depois, deu origem a um certo Achtung Lenz, desenhista da Comissão Científica que veio ao Brasil com a Imperatriz Leopoldina. Esse cara é peça-chave para explicar com os Lenz da Alemanha se transformaram nos Lins do Brasil.
A coisa aconteceu assim: em 1819-1820, Achtung Lenz subiu o rio Solimões, acompanhando o botânico Martius e o zoólogo Spix. Abandonou, porém, a expedição em Fonte Boa, onde ficou morando, porque se apaixonou loucamente por uma bela ticuna, de linhagem nobre, chamada Tchaãcüma, com quem casou e teve filhos, todos com o sobrenome do pai. Porém, na hora de registrá-los no cartório, o escrivão, um caboquinho de Tefé, entendeu Lins e assim grafou. Ficou, portanto, Lins. O que vale é o que está escrito.
Os documentos provam, portanto, que V. Ex. descende de alemão, de quem se orgulha, mas é bisneto de índios, de quem se envergonha, a ponto de ter usada a palava “índio” para xingar seu colega Balieiro em uma sessão pública no plenário da ALEAM. . Será que a cultura que ergue um castelo de pedra é superior à que constrói uma maloca de palha, só porque o castelo dura milênios e a maloca acaba em dez anos?
Não passa de um equívoco burro desprezar a maloca, achando que ela é perecível, e se identificar com o castelo, acreditando que é duradouro. Quer ver só? O Forte de São José da Barra do Rio Negro, que deu origem a Manaus, foi feito de pedra e cal, em 1669, pelos portugueses. Cadê o Forte? Nem marcas restam no chão, sequer uma pedrinha sobrou.
No entanto, as malocas Tuyuka, construídas no alto Rio Negro, ainda estão lá há mais de mil anos. Cada vez que a palha apodrece, eles erguem outra novinha em folha, porque dominam as sofisticadas técnicas de construção que são transmitidas oralmente, de geração à geração. A maloca existe dentro da cabeça dos Tuyuka. Quando eles querem, tiram lá de dentro e botam pra fora. Por isso, ela resiste mais do que a pedra.
Deputado Belão, tenho uma última informação a dar e uma proposta a lhe fazer. Olhe só: a cidade de Bielefeld, de onde vem os Lenz, já foi uma grande produtora de linho, conservando em seus museus as máquinas a vapor e os teares daquela época. Hoje, é uma cidade comercial e está entre as vintes maiores da Alemanha. Apesar de moderna, é conhecida com o “a cidade na floresta”, porque 60% do seu espaço urbano – eu falei URBANO – é todo verde, com parques, jardins, bosques e, sobretudo, os grandes fragmentos da floresta de Teutoburgo, que se estende por uma fileira de colinas.
Os seus parentes da Alemanha, deputado, preservaram a floresta dentro da cidade, cultivaram outras árvores e hoje podem desfrutar de uma espaço saudável para andar, correr, brincar, passear, conversar, descansar, respirar, fazer piquenique, namorar, praticar esporte, com alto nível de qualidade de vida. Os seus parentes de Manaus – uma cidade cercada por floresta – vivem num espaço urbano sem verde. Um dos últimos fragmentos de floresta está sendo assassinado para dar lugar à construção de um shopping.
Deputado Belão, como presidente da Assembléia Legislativa do Amazonas, faça pronunciamento contundente contra essa destruição. Mostre que V. Ex. representa a síntese da maloca amazonense e do castelo alemão. Estou louco para escrever um artigo elogiando um discurso seu. Prometo, publicamente, aqui na coluna, que se V.Ex. apoiar a luta dos ambientalistas amazonenses pela preservação do fragmento de floresta, será o nosso líder. A gente esquece todo o seu passado para tê-lo ao nosso lado nessa luta presente.
P.S.1 – Fui convidado para participar de 20 a 22 de Junho, da "V International Conference Colonial Rule and the Culture of Writing: language and cultural contact in Colonial Discourse Traditions" organizado pelo Centro Interdisciplinar de Pesquisas (ZIF) da Universidade de Bielefeld e coordenado por Barbara Job, Sebastian Thies, Rosa Yañes Rosales. Proferi a conferencia sobre "Políticas de Linguas e mudança social das línguas na Amazônia Brasileira".
A lista dos Participantes: José R. Bessa Freire (Rio de Janeiro), Vittoria Borsò (Düsseldorf), David Boruchoff (Montreal), Christian Büschges (Bielefeld), Paul Cohen (Toronto), Carlos Garatea Grau (Lima), Stephan Gramley (Bielefeld), Marc André Grebe (Bielefeld), Jonathan Hart (Edmonton), Olaf Kaltmeier (Bielefeld), Werner Kummer (Bielefeld), Carol Ann Lornez (Hamilton, NY), Wiltrud Mihatsch (Bielefeld), Rosío Molina Landeros (München), Franz Obermeier (Kiel), Josef Raab (Essen), José Rabasa (Berkeley, CA), Lucía Araceli Rodríguez Gutiérrez (München), Roland Schmidt-Riese (München), Harald Thun (Kiel), Alfonso de Toro (Leipzig), Christopher Vecsey (Hamilton, NY), Otto Zwartjes (Amsterdam)
P.S. 2 - P.S. 2 - Convidado outra vez pelo Centro Interdisciplinar de Pesquisa (ZIF) da Universidade de Bielefeld, participei do 8 ao 11 de Outubro da Conferencia "E Pluribus Unum? Ethnic identities in Processes of Transational Integration in the Americas" coordenado por Sebastian Thies, Olaf Kaltmeier e Josef Raab. A conferencia proferida versou sobre "Identidad, Memoria y Patrimonio: Desplazamiento Linguístico en la Amazonia del Siglo XIX", numa mesa com Leo Chávez (University of California, Irvine), Anne Magnussen (Syddansk Universitet, Odense): Conflicts about Public Space and Ethno-Racial Identities: Historical Narratives and Uses of Space in Gonzales, Texas e Cornelia Giebeler (FH Bielefeld): Las mujeres de Juchitán: Construcciones de una identidad étnica por la cultura festiva y su enlace económico, cultural y espiritual