Autor: JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE E CONSUELO ALFARO LAGORIO
Local da Publicação: RIO. DEPEXT/UERJ/ 1992.62 PGS.
Catálogo da Exposição AS PRIMEIRAS IMAGENS DA CONQUISTA: FELIPE GUAMAN POMA DE AYALA. 1526 (1533?) - 1615. Rio de Janeiro. Depext/Uerj, 1992.62 pgs.
As imagens parecem em movimento, como num filme de desenho animado: o Inca Atahualpa está cercado na praça de Cajamarca por soldados espanhóis fortemente armados. O capelão militar avança e entrega-lhe a bíblia, exigindo que ele ouça a palavra de Deus e se converta. Atahualpa tenta ouvir, sem sucesso, e não escutando as palavras das escrituras, joga fora o livro sagrado. Em conseqüência, é preso e, depois, morto. Uma frase dentro do desenho anuncia ironicamente que Francisco Pizarro, o conquistador espanhol, não sabe ler.
Este é um dos quadros da exposição montada em 1992, com desenhos feitos por um índio peruano do século XVI, Felipe Guamán Poma de Ayala, que deixou seu testemunho numa crônica de mais de mil páginas, contendo a tradição oral do mundo andino pré-hispânico, os embates iniciais entre índios e europeus e o funcionamento do sistema colonial. Os originais, ilustrados com 398 desenhos carregados de informação, só foram encontrados em 1908 na Biblioteca Real da Dinamarca. O Pro-Indio selecionou e ampliou 30 dessas imagens, de caráter narrativo, para figurarem na exposição, das quais nove cobrem o período anterior à chegada dos espanhóis, e as demais se referem à conquista.
Os desenhos seguem a tradição iconográfica andina de pintores incaicos e pré-incaicos, mas a sua apresentação obedece a uma estratégia comunicativa influenciada pela formação religiosa do autor, recém-convertido ao catolicismo. Ele lança mão da tradição retórica dominante à época, cujas técnicas persuasivas e proselitistas se organizavam em torno da narrativa de um caso particular para dele tirar lições exemplares. Por isso, as ilustrações procuram registrar e narrar tudo o que é novo, diferente e singular, descrevendo fatos relacionados ao sistema colonial, com denúncias sobre a violência cotidiana cometida pelas autoridades espanholas contra os índios, como é o caso do próprio avô do autor, que foi queimado vivo. Desta forma, o desenho funciona como se fosse uma foto, uma prova capaz de eliminar a incredulidade sobre os acontecimentos insólitos.