CRÔNICAS

O Testamento de Judas (1987 - censurado)

Em: 22 de Abril de 1987 Visualizações: 13143
O Testamento de Judas (1987 - censurado)

Naquela semana santa de 1987, o ministro das Finanças do Inferno, Judas Iscariote, visitou o Brasil e encontrou um país em ebulição: alguns meses antes, o povo havia escolhido os deputados federais e senadores para a Assembléia Nacional Constituinte, os comícios pelas eleições diretas para presidente se alastravam com rapidez por todas as cidades, da mesma forma que um surto epidêmico de dengue. Sarney, o último presidente indireto, tinha como ministro da Fazenda o empresário Dilson Funaro, responsável pelo Plano Cruzado. Funaro acabara de renunciar ao cargo em abril, depois de anunciar, em fevereiro, a suspensão do pagamento dos juros da dívida externa.

No Amazonas, repercutia ainda a intervenção na SUFRAMA - Superintendência da Zona Franca de Manaus, decretada no ano anterior pelo Sarney, com base em informações da Polícia Federal sobre desvio de dinheiro através de importações fictícias - o crime do colarinho verde. O delegado responsável pela apuração era o Doutor Gominho. Os escândalos da CAPEMI, envolvendo o senador Di Carli também estavam na pauta da mídia.

Todos esses fatos acabaram interferindo no testamento do Judas, escrito em 1987, que só não foi publicado na época por contrariar a linha editorial do jornal. Sua publicação agora, na homepage, tem uma função de registro dos eventos daquele momento, nomeando alguns herdeiros que, inclusive, já desapareceram.

 

Ao presidente Sarney,
cometendo uma amputação,
deixo as diretas já!
Após a constituição.

Ao Dilson Funaro deixo,
a divida deste Brasil
e uma passagem de volta
prá TROL de onde saiu.

Com a grana do Estado,
saindo pelo ladrão,
deixo ao Roda do Destino,
um já surrado timão.

A Prefeitura em 88,
eu deixo ao boto Gilberto,
como foi para o Senado,
Ele vai no rumo certo?

Ao outro Gilberto, o Miranda
grande catita gulosa,
deixo o queijo SUFRAMA,
sobremesa apetitosa.

Ao Di Carli nada deixo,
pois ele já tudo tem:
fazendas, senado, capemi,
só falta vergonha, hein!

Para o teu Manoel Prefeito,
deixo o lixo e toda traça
mais o Pico da Neblina
para por em alguma praça.

Aos juizes, magistrados,
ante tanta parcimônia,
deixo para meditarem
um saco cheio de vergonha!

Pro Lucena senador,
vendaval de pororoca,
biritarum litrum lego
lá na Boca do Imboca.

Vivaldo Frota a ti deixo,
neste claro mês de abril,
para curar as hemorróidas,
tubinhos de Cola Mil.

Para aquele que quer,
um cargo de novo cristão,
deixo a vice-governança,
ao Mario Sussmann Tampão.

Deixo para o Chiqueiroz,
que não quis mais deputar,
um gordo e bem rechonchudo,
salário de marajá.

Ao Roberto Cohen deixo,
o meu verde colarinho,
pra apertar o seu pescoço
deixo também o Gominho.

 
Ao Paulo Manaca Freire,
colega do Di Carlão,
eu deixo como herança,
semente do repolhão.

Ao hai-kai Jofetopica,
dentadura de pneu,
deixo o 'Projeto Meu Filho'
pra educar o filho seu.

Ao dr. Gilson Moreira,
na SESAU bem instalado,
deixo febres, diarréias
e as bochechas do Dourado

Ao dr. Nonato Lopes,
antes que a moda pegue,
deixo a pista do Lustosa
e as mutretas da SESEG.

Ao João Thomé Tucuxi,
que chupa dindim com sal,
deixo os jetons da Assembléia.
Trabalho? Fiau, Babau.

Ao dr. Frank Abrahim,
Ex-PDS de fama,
eu deixo como presente
as amebas da COLAMA.

E ao Carrel Benevides,
a ele que é gente fina,
revolver, punhal, peixeira
e as preces da Etelvina.

Betty! Oh, Betty Suely!
Estou num grande dilema,
não sei se deixo pra ti,
os pobre ou os pobrema.

Meu talão de cheques deixo,
adivinhe para quem?
Para o Nonato Oliveira,
mas será que fundo tem?

Ao mano Evandro Carreira,
um artista na TV,
deixo a rrrrrodela maldita
e uma ficha do PT!

Meu amigo Osires Silva,
tenho um presente pra tu,
as multis lá do Distrito
e o petróleo do Urucu.

E tu, Ituassu Oyama,
Sabe o que te deixei?
As mordomias da SUNAB
e a tabela do Sarney.

Pau neles, companheiros!
A ti deixo a minha pele,
te enfia dentro dela,
camarada Botinelly.

 
Ao irmão Roque La Salle,
homem de tanta a usura,
deixo a escola pública
como sua sepultura.

E para o Djalma Passos,
coronel dos coronéis,
deixo o seu próprio retrato:
a múmia do Ramsés.

Para o Jacó Figueiredo,
(o senador balançante),
uma missão na medida:
a de pastor protestante.

Oh! Plinio Ramos Coelho,
não te quero nenhum mal,
tu queres a Prefeitura,
ou voltar lá pra COBAL?

Para o Jonga do DETRAN,
um moço do trato fino,
deixo as multas do Gurgel,
que empurrei para o Cyrino.

Deixo para o Jericar,
meu exemplo, uma lição;
nem por trinta moedas
se deve fazer traição.

Ao amigo Arthur Neto,
que ainda não se rendeu,
deixo-lhe nova eleição,
a outra o Boto comeu.

À antítese do De Carli,
ao Valois comunista,
não deixo dignidade,
pois ele mesmo conquista.

À Beth, turca dos quibes,
com toda admiração,
deixo-lhe este recado:
Bota quente no timão,
(que eu acabo me transformando,
no teu Lucimar Mamão).

Pra dona Elisa eu deixo,
sua experiência vivida,
na casa do beco da bosta,
no bairro de Aparecida.

E pro autor da coluna,
pra curar sua tripa fina,
eu deixo o grosso mingau,
da vereadora Otalina.

Ao povo Amazonense
que não vive de herança
deixo muitos paneiros,
carregados de esperança.

E a mim, Judas, eu deixo,
mas será que vai dar pé?
Um caixão fabricado
Por José de Nazaré.

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3 Comentário(s)

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Tania Maria Carvalho Netto comentou:
09/04/2023
Fantástico! Parabéns à autoria. Feliz Páscoa
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Falcão Vasconcellos comentou:
14/11/2010
Quanto avivamento de memória, história, geografia e muito mais, com gente destemida e "desvairada" fazendo o dever de casa das aulas do Botina: "Pau neles, companheiros! A ti deixo a minha pele, te enfia dentro dela.. " camarada Botinelly.
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Libiane Loureiro comentou:
01/09/2010
Preciso de sua ajuda! Quero saber onde posso encontrar mais informações sobre o "escandalo do colarinho verde" é o tema da minha monografia.Obrigado pela atenção
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