CRÔNICAS

Babe, o Porquinho Atrapalhado

Em: 12 de Janeiro de 1996 Visualizações: 2732
Babe, o Porquinho Atrapalhado

- A ceia de Natal, para nós, não passa de uma carnificina, de um massacre, quando milhares de nossos irmãos são assassinados e servidos em banquete salpicado de sangue inocente.

Este é, mais ou menos, o discurso de um pato, “ator” coadjuvante do filme australiano “Babe, o Porquinho Atrapalhado”, exibido atualmente em todas as capitais brasileiras, incluindo Manaus, num dos cinemas do Amazonas Shopping.

O filme conta a história de um porquinho, cuja mãe, depois de engordada, vai para o matadouro. Sorteado numa rifa, ele é levado para uma fazenda, aonde conhece animais de espécies distintas: patos, perus, gansos, galos, galinhas, gatos, ovelhas e cachorros, com quem convive. Órfão, ele é adotado por uma cadela, a quem passa a chamar de mãe.

O porquinho é ingênuo e alienado. O pato procura conscientizá-lo com um discurso inflamado, politicamente correto, mas nem sempre seguido de uma ação adequada consequente. O seu raciocínio é simples:

- Um cachorro serve para pastorear ovelhas. A ovelha serve para fornecer lã. O galo ajuda a despertar toda a fazenda com o seu cocoricó. O gato preenche necessidades afetivas do ser humano. Mas um pato e um porco, para que servem? Para serem comidos pelo homem. Nada mais. Portanto, sua sina é engordar e morrer assassinado.

Diante de tal realidade, o pato subversivo tenta fugir ao seu destino e questiona seu lugar no mundo. Propõe a união dos dois e prega a revolta. Tenta, em primeiro lugar, mudar sua função e exercer outro papel social. Todos os dias, antes que o próprio galo se desperte, o pato sobe ao poleiro e ensaia um cocoricó. Fracasso total. E ainda por cima descobre que os donos da fazenda possuem um relógio despertador, o que torna inútil todo o seu esforço.

Mas quem acaba roubando a cena é o personagem principal, o porquinho Babe, que também tenta mudar o seu destino, procurando ser útil como pastor de ovelhas. Educado pela cadela Fly, sua mãe adotiva, ele aprende que as ovelhas são estúpidas e imbecis e devem ser tratadas no grito, com autoritarismo. No primeiro treinamento, o porquinho dá uns berros para obrigar as ovelhas a entrar no curral. Elas debocham dele: acontece que porco não late e “porco que não late, não morde”.

Desmoralizado com o insucesso, o porquinho atrapalhado apela para outros métodos. Com fala macia e muita docilidade, conquista a simpatia das ovelhas. Em vez de ordenar de forma arbitrária o que elas devem fazer, usa argumentos sólidos para convencê-las, envolvendo-as numa rede afetiva. Maa – uma ovelha velha e doente – convence o rebanho a cooperar com Babe, que acaba se transformando num competente pastor de ovelhas, ganhando um concurso nacional, onde derrota cães de todas as regiões da Austrália.

O filme, dirigido pelo cineasta australiano Chris Noonan se baseia no romance The Sheep-Pig do autor britânico Dick King-Smith, um ex-fazendeiro que escreveu muitas histórias para crianças. Traz muitos efeitos especiais. Os atores de quatro patas falam e atuam como gente, contracenando com atores de verdade. As crianças se divertem. Os adultos também, podendo fazer diferentes leituras das alegorias e metáforas que o filme propõe.

Lá estão presentes muitas questões. O preconceito é uma delas: o Porquinho é discriminado por não aceitar desempenhar o papel pré-definido e tentar fugir de sua condição. Sofre agressões repetidas por escapar daquilo que é socialmente aceito.  O filme permite discutir os papéis atribuídos a cada um de nós, o processo educativo, o autoritarismo, a construção de liderança, as alianças, a velha oposição entre natureza e cultura e, sobretudo, a possibilidade de cada um construir historicamente o seu próprio destino. Enfim, uma possibilidade de fugir da Disneylândia.  

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