CRÔNICAS

O Canto do Batará

Em: 30 de Dezembro de 2023 Visualizações: 2233
O Canto do Batará

Conheci pessoalmente Cassiano Cirilo Anunciação, o Batará, em 1985, logo depois da fundação do Diário do Amazonas, que começou a circular com exemplares coloridos, portadores de novas tonalidades e matizes para a imprensa local. Era o encontro de dois mundos diferentes: o da academia e o da empresa.

Naquele ano, terminamos o levantamento sobre os jornais locais na hemeroteca do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), por mim coordenado, com uma equipe de alunos dos cursos de Jornalismo e de História da UFAM. Precisávamos de uma empresa, de uma editora. Marcamos uma reunião e exibimos os originais do catálogo de jornais ao Batará, que compreendeu imediatamente sua relevância social e aceitou imprimi-lo na Gráfica do Diário do Amazonas.

Desta forma, graças à visão do Batará, o livro “Cem anos de Imprensa do Amazonas (1851-1951)” teve sua primeira edição em 1987, com fichas de 640 títulos de jornais editados durante um século, trazendo informações valiosas ao pesquisador: título do jornal, subtítulo, período de duração, número de páginas, colunas e cadernos, periodicidade, lugar de publicação, proprietários, diretores, redatores, colaboradores, preço, tiragem e observações adicionais.

O livro, que surpreendentemente se esgotou, teve uma segunda edição, em 1990, pela Editora Calderaro, mas ficou registrado o pioneirismo de Cassiano Anunciação. Posteriormente, os historiadores Luís Balkar Pinheiro e Maria Luíza Ugarte Pinheiro deram continuidade ao trabalho, em outro patamar, com o Laboratório de História da Imprensa no Amazonas (LHIA – UFAM).

Esse era o Batará, que deixa assim suas marcas na imprensa do Amazonas. Em alguns outros encontros que mantivemos até ser convidado para manter a coluna dominical do Taquiprati neste Diário, anotei algumas de suas tiradas, que resumiam como ninguém a sabedoria popular. Certa feita, criticando um governador gastador do dinheiro público, ele me disse:

- Meu filho, dinheiro não aguenta desaforo. Ninguém pode comer como pinto e cagar como pato.  

A família deve saber, mas ignoro a origem do seu apelido com o qual ficou conhecido em todo Amazonas. De qualquer forma, como o Nheengatu foi língua dominante na nossa região, busquei o verbete Batará em vários dicionários, entre os quais o de E. Stradelli – Vocabulário Português-Nheengatu/Nheengatu-Português de 1929, publicado pelo IHGB e reeditado em 2014. Lá encontrei, na pg. 409 a informação de que Batará é o nome de um pássaro.

Outros dicionários (Montoya – 1640 e Guasch - 1948) confirmam que os Guarani chamam de M´Batará em sua língua uma ave gigante conhecida por esse nome também na Argentina e no Paraguai. De muito longe, é possível escutar seu canto sonoro, que consiste em emitir uma série rápida de notas musicais, começando com um trinado “tri-di-di-di-diu-diu-diu-diu-diu-chiu-chiu”, que se prolonga pelo ar.

À família enlutada e aos amigos, os sentimentos da coluna Taquiprati. Que Batará descanse em paz! Mas que possamos continuar escutando o eco do seu trinado, onde quer que ele esteja.

 

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4 Comentário(s)

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rodrigo comentou:
31/12/2023
Meus sentimentos a todos os familiares do senhor Cassiano Cirilo, apelido Batará; Ao ler esse bela crônica, destaco aqui a bonita iniciativa dele em auxiliar na impressão da obra, "Cem anos de imprensa do Amazonas (1851-1951)" que foi e é um sucesso de vendas, ajudando a imortalizar uma obra e isso não tem preço, mostrando uma atitude altruísta que nunca será esquecida. Mais uma vez deixo aqui meus sentimentos a todos os familiares e amigos dos senhor Batará. Um abraço querido professor.
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João Dantas Cigano comentou:
31/12/2023
Ele tinha o costume de andar com os dois braços estirados ao lado do corpo, inclinados um pouco para trás, enquanto fazia movimentos nos dedos de ambas as mãos, como duas asas batendo em ritmo lento, enquanto assobiava baixinho, como um passarinho, um batará...costume herdado pelo Cirilo, filho dele.
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Amaro Junior comentou:
30/12/2023
Legal a crônica e a ideia de ligar o Batará ao pássaro do mesmo nome.
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Gleice Antonia. comentou:
30/12/2023
Babá, eu também o conheci. Estudei no Patronato Santa Teresinha e depois no Dom Bosco com as 3 filhas mulheres, mas era amiga mesmo era da Demétria. Ele sempre me pareceu super cuidadoso com as meninas e recebia as amigas muito bem. Compreendia a importância da Educação dos filhos e isso tem um valor tremendo.
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