“Teve um tempo que nós, para viver, precisamos nos calar. Hoje, nós, para viver, precisamos falar”. (Pajé Luiz Caboclo – índio Tremembé do Ceará) Se eu fosse os índios – não UM índio, mas OS ÍNDIOS que vivem nesse chão que é hoje o Brasil - aproveitaria a Conferência...
No princípio, o mundo era desabitado. Na face da terra, não havia ninguém. Vituka, o Bem-te-vi, descobriu, porém, que debaixo do brejo, numa imensa cratera, havia gente. Indicou o lugar para Orekajuvakai, um ser mitológico dividido em dois por sua mãe. Ele foi lá e tir...
Na sexta-feira, O Globo publicou duas notinhas. Numa delas - Velinha ou velhinha? - Ancelmo Góis informa que no programa partidário na TV, quando a senadora Marina Silva falou da avó dela, colocaram legenda com a palavra: ‘uma velinha’. Na outra nota – Descredencia - Jo...
“Quiero escribir, pero me sale espuma / quiero decir muchisimo y me atollo”. Esses versos do poeta peruano César Vallejo martelam minha cabeça, enquanto procuro um tema para a conversa de hoje. Tem que ser algo do meu e do teu interesse, exigente leitor (a). Acontece qu...
Chove forte na fronteira do Brasil, Peru e Colômbia. No hospital de Benjamin Constant (AM), no rio Javari, o vigia cochila. Seu radinho de pilha sintonizado na Nova Onda FM 104.9 anuncia a logomarca da emissora: “Aqui começa o Brasil”. Um relâmpago risca o céu escuro. O...
. Cidade de Manaus, capital do Amazonas. Última semana de março de 2006. O I Encontro de Professores Indígenas de Manaus está terminando. Numa sala do Centro de Formação Permanente do Magistério (CFPM), cerca de trinta índios de diferentes etnias fazem apresentações em ...
Foi vestido com meu paletó 'abafa-banana'ainda cheirando à naftalina que compareci à Câmara dos Deputados em Brasília, para participar de dois eventos:audiência pública no auditório da Comissão da Amazônia e lançamento no salão nobre da Câmara do livro “Rio Babel – a hi...
.“O papagaio é um bicho inteligente, ele fala toda língua, até a língua amazonense”. (Letra de uma música de carimbó). A Unesco recomendou recentemente a todos os países do mundo que 21 de fevereiro seja considerado o dia internacional da língua materna. Não sei se am...
Deitado na rede de fibra de tucum, cada um dos dois se embalava, sozinho, nas noites quentes de Rondônia. Já sonhavam um com outro? Quem sabe? O certo é que nunca tinham se visto. Estavam separados por rios e florestas, numa distância de 350 km. Ele morava em Cacoal, el...
Na região do Rio Negro, no Amazonas, as mulheres acordam bem cedinho e vão pra roça buscar mandioca pra fazer o beiju nosso de cada dia. No caminho, às vezes, encontram um boêmio que está voltando da farra, requebrando seu rabo comprido, peludo e enfeitado. É o quatipu...
Escrevo da aldeia Cachoeirinha, em Miranda (MS), onde acabo de presenciar uma operação arriscada. Vi como desmontaram o gatilho de uma arma infernal que já causou mortes e emudeceu vozes, criando um silêncio de cemitério. O gatilho assassino foi desarmado po...
No litoral brasileiro, uma parte expressiva da população falava tupi, tupinambá, além da língua portuguesa que chegou com os colonizadores e foi se impondo gradualmente; essas línguas conviveram em situação de bilingüismo até meados do séc. XVIII. Na Amazônia, até mead...
(De Quito, Equador) - O ex-ministro da ditadura militar, Delfim Neto, certamente seria ridicularizado – com muita razão – se comparecesse ao XV Congresso Internacional de Línguas em Perigo, que se realizou em Quito, Equador, de 7 ao 9 de setembro, com a participação de...
O Tarumã é um povo muito importante na história de Manaus e do Amazonas. Marcou nossa identidade regional e nossos lugares de memória. Mas nós, brasileiros, especialmente os amazonenses, acreditamos piamente que esse povo não existe mais e que seu idioma é uma língua mo...
Na próxima semana, no Rio, o papa rezará o pai-nosso traduzido em 26 idiomas, o que confere prestígio a todos eles. Na lista não consta nenhuma das mais de 180 línguas indígenas faladas hoje no Brasil. Acontece que a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) adotou como oficia...
Quando o Papa Francisco desembarcar no Galeão, nesta segunda-feira, encontrará milhares de emboricis com os braços cruzados, numa greve geral da categoria que se alastrará por todo o país. Mas a greve não conta com o apoio dos operários que edificaram a estrutura do Cam...
Estou em Florianópolis,convidado pela Universidade Federal de Santa Catarina para ministrar curso de Literatura Brasileira para 36 índios Guarani, Kaingang, Xokleng /Laklãnõ, alunos do curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica.À noite de quin...
A última vez que vi Aryon Rodrigues foi em maio de 2013 numa sala da Universidade de Brasília (UnB), quando não sei por que cargas d'água lembramos de uma farofa de banana compartilhada havia muitos anos. Eu ia dar uma aula filmada por Renato Barbieri para o documentári...
- Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso que diabo é isso... Era assim que índios Tukano de uma comunidade do Rio Negro rezavam em sua língua materna, quando o padre Casimiro Béksta lá chegou na década de 50. Intrigado, ele inve...
Por que é tão alto o índice de suicídio entre os índios que originalmente desconheciam tal prática? Segundo o estudioso da língua Tukano, padre Casimiro Béksta, aqui citado na semana passada, não existe sequer tradução para tal palavra na maioria das línguas indígenas. ...
Curt Nimuendaju morreu como viveu:entre os índios. Foi numa aldeia ticuna no Solimões, em 10 de dezembro de 1945. Tinha 62 anos. Sua vida dá um filme, cujo roteiro esboço aqui. Proponho o nome do ator José Mayer, que tem o physique du rôle, para interpretá-lo. Ele contr...
O Museu da Língua Portuguesa em São Paulo foi visitado algumas vezes por mim,uma delas acompanhado por um guarani.Cada vez saí de lá deslumbrado por conta do que presenciara, mas incomodado pelo que a exposição não me mostrara. Agora, um incêndio destruiu tudo o que era...
O general Franklimberg Ribeiro de Freitas é o novo presidente da Funai, nomeado por portaria assinada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, conhecido nas planilhas de propinas da Odebrecht pelo codinome “Primo”. Todo mundo sabe que, assim como nos codinomes...
Como é que os escravos de Jó fugiram lá da Jordânia e vieram jogar o caxangá aqui no Brasil? Por que os portugueses “comem” as vogais que os brasileiros articulam? De onde vem esse “r” caipira “forrte” da atriz Vera Holtz e do Zé Dirrceu? Se as línguas indígenas e afric...
Cerca de 3.000 índios acamparam de 23 a 27 de abril, em Brasília, na 15ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL). Realizaram reuniões, rodas de conversas, plenárias e exposições no Memorial dos Povos Indígenas. Peregrinaram pelo Judiciário, Legislativo e Executivo e mar...
“Se esquecemos o passado, ele volta” (Spinoza). Muitos documentos históricos do Arquivo de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, foram destruídos porque a instituição não tinha verba nem para comprar papel higiênico. Aí, quando seus funcionários sentiam vontade de “desco...
Ocupadíssimo (a) e politizadíssimo (a) leitor (a), desculpa a minha insistência em retomar aqui um tema que – eu sei, eu sei – é considerado por muitos brasileiros como insignificante, além de inoportuno, mormente num período eleitoral, em que todo mundo está obsessivam...
Toda vez que os índios Muísca da zona central da Colômbia usavam o termo “pquyquy”, os espanhóis traduziam como “coração”, conforme consta nos dicionários coloniais. O vocábulo designa, efetivamente, esse órgão do corpo, mas seus significados são muito mais amplos do qu...
A língua Guarani ecoou, nesta terça (16), na Academia Brasileira de Letras (ABL), santuário da língua portuguesa. Lá, a cacica Jurema Nunes de Oliveira e um coral de 14 crianças da aldeia Mata Verde Bonita, de Maricá (RJ), cantaram música sagrada guarani no Salão Nobre ...
“O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura” (Lima Barreto: Triste fim de Policarpo Quaresma, 1911) Foi um momento histórico o seminário sobre “As línguas indígenas no Brasil do século XXI”, realizado na terça (11), dentro ...
Louvado seja Nhanderu que, nesta terça (24), me poupou de ouvir a transmissão ao vivo do discurso inculto de Bolsonaro na ONU. No exato momento em que ele dava um show de barbárie e atacava com impropérios outros países e nações indígenas – Bolsonaro idjaywu rii waipá –...
Dizem que as línguas, como os gatos, têm várias vidas. Será que os brasileiros estão interessados em conhecer as vidas das línguas faladas dentro do território nacional? Os conhecimentos que nelas circulam e a beleza de suas narrativas e de seus cantos têm tudo a ver co...
“Ao poeta, faz bem desexplicar - tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes”. Manoel de Barros. O Guardador de Águas. 1989 Te faço um convite, leitor (a). Mas antes, por favor, apaga a luz para que possas ver o que quero te desexplicar, embora não seja eu um poeta. ...
Seria tão bom se o Censo 2020 do IBGE pudesse apurar quantos brasileiros estão tristes, deprimidos ou raivosos. Ou alegres e esperançosos. Tive vontade de falar isso – mas me contive - no X Seminário de Demografia dos Povos Indígenas no Brasil: na iminência do Censo Dem...
Eram 80 alunos guarani vindos, em 2006, de mais de 50 aldeias de cinco estados para o Curso de Formação de Professores realizado no município Gov. Celso Ramos (SC). No módulo que ministrou, Bartomeu Meliá narrou, em língua guarani na qual era fluente, a história da flau...
Na Alemanha, o “noviço rebelde” passeia deslumbrado pelas montanhas da Floresta Negra. No Rio, refestelados no sofá do apartamento do Largo dos Leões, Farah e Weber parecem posar para um quadro de Picasso. No Xingu, índios de diferentes etnias se comunicam em uma varied...
Espero ter saúde para um dia retornar ao Museu da Língua Portuguesa (MLP), que reabre suas portas no próximo 1º de agosto, ali no coração da Cracolândia, em São Paulo. Visitei-o várias vezes, uma delas com um amigo guarani. Depois virou cinzas devorado pelo trágico incê...
“Madame Bovary, c´est moi”. (Flaubert. 1858) Quinta-feira (26). Três fatos interligados acontecem no mesmo momento, dois em Brasília e um em Boa Vista. No plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin lê o relatório sobre o marco temporal que defi...
Oh! avós e mães deste Brasil varonil, suspeito que vós tereis interesse em conhecer como os Guarani-Kaiowá categorizam as crianças de suas aldeias. Tal suspeita surgiu quando, numa live com minhas irmãs, lhes falei dos tipos de criança descritos na dissertação de mestra...
Naquele domingo de carnaval, o bloco “Gargalhada”, criado em 2005, desfilava na Av. 28 de Setembro, Vila Isabel, zona norte do Rio. A bateria com oito ritmistas surdos animava foliões cadeirantes, anões, cegos,downs e surdos,que reivindicavam o direito à alegria coletiv...
… “Eles inventam palavras, todas as vezes que veem um objeto que não conhecem. As mulheres, sobretudo, são excelentes para a invenção dessas palavras novas… (Victor Renault. 1877). As vozes indígenas ressoam em Civilização e Revolta: Indígenas e indigenismo na formaçã...
Por que Vargas Llosa não vota no Israel Tuyuka? Se seu título de eleitor fosse do Amazonas, o escritor peruano Vargas Llosa não votaria de forma alguma em Israel Tuyuka, candidato a governador pelo PSOL. Seguiria certamente os princípios que defendeu em artigo no jorna...
E à noite nas tabas, se alguém duvidava / do que ele contava, / tornava prudente: “Meninos, eu vi!”. (Gonçalves Dias. I-Juca-Pirama, 1851) - Minha filha, se eles invadem a aldeia e começam a matar teus irmãos, foge. Foge, minha filha. Foge! Este conselho do cacique Pa...
Na escola Puyanáwa, a língua sonhada “Quem tem a língua cortada, não fala (Provérbio Mongol. Sec. XIII). Na recente visita que fiz, em maio de 2023, às aldeias Barão do Rio Branco e Ipiranga, do povo Puyanáwa, lá no Acre, eu vi o coronel Mâncio Lima e seus capangas ar...
“Só aceitei aprender a ler e escrever, porque encarei a alfabetização como se fosse um peixe com espinhas. Tirei as espinhas e escolhi o que queria”. (Ailton Krenak. 2004) Ele escolheu o que queria.Por isso, Ailton Krenak foi o primeiro escritor indígena eleito para a A...
“A oralidade é o barulho da vida que temos dentro do nosso corpo”. (Alcindo Moreira Wherá Tupã, 2015). Se o terceiro porquinho urbano construísse na cidade sua casa de tijolo e cimento, ela poderia ser derrubada pelo furacão e pelas chuvas como vimos nas recentes imag...