CRÔNICAS

Metrô aquático e ônibus fluviais em Manaus

Em: 16 de Agosto de 1990 Visualizações: 1488
Metrô aquático e ônibus fluviais em Manaus

.“Rio caminho que anda e vai resmungando talvez uma dor” (Miltinho. Eu e o rio. 1961)

O ex-senador pororoca Evandro Carreira, o nosso “Maninho”, escancarou a boca desmesuradamente até aparecer o céu, dividiu as pa-la-vras sí-la-ba por sí-la-ba e, mostrando aos telespectadores a glote, epiglote, faringe, laringe, traqueia, brônquios e pulmões, defendeu com veemência o que ele chamou de “civilização aquática” no Amazonas.

- É preciso criar a mística hidrográfica e entender que o Amazonas é ááááágua – disse ele fazendo transbordar o precioso líquido. Justificou: - O rio comanda a vida e tudo deve ser feito em função dele. É o rio que nos impõe uma civilização aquática. Cavalgando-o, nós o domaremos. E o cavalo aquático é o barco.

 O “Maninho” é engraçado, alegre, tem amigdalas potentes, mas não é burro.  Com seu charme folclórico e suas metáforas potamográficas, ele propôs o barco como solução para o transporte, mas não na área urbana. No entanto, dois cavalgadores do rio, radicalizando a filosofia “carreirista”, querem agora usar a catraia como veículo urbano. Em Manaus.

Quem são os dois? (Eu falei cavalgadores e não cavalgaduras, leitor malino). Um é o Manoel e o outro é o Joaquim, mas não se trata de piada de português. Deu nos jornais. Os dois são candidatos a deputado federal (depufede) por partidos diferentes e estão propondo a substituição do ônibus pela catraia no transporte urbano de Manaus.

Vou reproduzir entre aspas as declarações do Manoel e do Joaquim para que o leitor desavisado não pense que estou inventando e para mostrar como ambos embarcaram na canoa e nas águas do senador pororoca. E se afogaram. O “Maninho”, pelo menos, sabe nadar.

Manoel

No dia 15 de julho, o Amazonas em Tempo publicou matéria com o título em letras garrafais:

RIBEIRO PROPÕE RESGATAR O RIO PARA DESAFOGAR O TRÃNSITO.

Quem é Ribeiro? Não é nenhum ribeirinho que cresceu. Ele é, ora pois-pois, o candidato quase cassado, Manoel Ribeiro (PL, vixe vixe) que, numa contribuição inédita ao programa da tal Ação Democrática (ADEMO) declarou:

- “Quando fui prefeito, resolvi parte do problema do transporte urbano com os “manecos”, mas a solução definitiva está no rio. E eu. Como deputado federal lutarei para implantar barcaças em Manaus”.

Efetivamente, para tentar reduzir os engarrafamentos, ele criou novos modais com o serviço de transporte alternativo realizado por micro-ônibus apelidados de “manequinhos”, que circularam entre 1986 e 1989, ao lado de ônibus convencionais puxados por grandes caminhões conhecidos como “manecões” ou “cata-cornos”, que faziam a linha do bairro Cidade Nova.

Manoel Ribeiro avaliou que não deu certo, por isso está propondo agora esses “ônibus aquáticos”: as barcaças.

- “Elas transportariam em uma única viagem, a um preço barato, mais de 1.000 passageiros, ligando bairros como Compensa, São Raimundo, Colônia Oliveira Machado e outros. Uma única barca transportaria o mesmo que dez ônibus”.

Como funcionaria? No seu projeto, criaria “pontos em bairros com acesso para o rio”, sendo que o porto-parada da Ceasa “será a solução definitiva para o Distrito Industrial, porque as barcaças recolherão os trabalhadores no porto, deixando-os em vários outros portos, de onde entrarão em ônibus urbanos”. A entrevista dele termina com uma ameaça:

- Eu defenderei esta ideia (?) na Câmara de Deputados em Brasília.

Manoel Ribeiro não disse, mas está na memória do leitor que o projeto só não foi implantado quando era ele o prefeito, porque Amazonino, hoje seu cupincha, impediu-o na marra de continuar governando o município. E daí?

Joaquim

E daí que o leitor ainda estava rindo, quando abriu o jornal no dia seguinte e leu esse título:

CANDIDATO FALA SOBRE MANAUS

Quem é o candidato em questão? Ora pois-pois, o Joaquim. Joaquim Alencar candidatíssimo também a depufede pelo Partido de Reconstrução Nacional (PRN – vixe vixe) do Fernando Collor, de direita. Ele reproduziu palavra por palavra, letra por letra, a pois-poisada de Manoel Ribeiro.

Joaquim não deixa por menos e dá uma dimensão ciclópica à questão:

“Vivemos em Manaus o maior problema que pode afetar a humanidade: o transporte coletivo. (Confira, leitor incrédulo, está em A Crítica - 16 de julho).

A Aids, o cólera, a fome, a violência, o botulismo, tudo isso é café pequeno diante do transporte coletivo. Em Manaus.

Como resolvê-lo? Joaquim sabe:

- “Um estudo preliminar da questão (leia-se: a “cola que eu fiz do projeto do Manoel) nos levou a um projeto alternativo: o ônibus fluvial para o qual já temos a infraestrutura básica que são os nossos rios. Só falta colocar em práticas as nossas ideias (sic).

Supomos que o “nossas” se deve ao fato de que a “ideia” foi roubada por ele do Manoel Ribeiro. Agora é dos dois.

Como professor, dou um zero redondo ao Joaquim, não apenas porque ele “colou”, mas porque a “cola” partiu de uma matriz equivocada e bichada que, por sua vez, merece também um zerão.

- “Usando as estradas que Deus nos deu - os rios - levaremos a população a todos os recantos dessa nossa cidade (sic). O projeto  ferry boat como apelidamos (sic, outra vez) redimirá toda a população de Manaus” – delira o Joaquim, copiando descaradamente o Manoel, sem citá-lo uma única vez.

Os cálculos apresentados por um diferem ligeiramente do outro (Que diabo! Alguma contribuição o co-autor Joaquim haveria de dar). Da mesma forma que Manoel, Joaquim afirma que as barcaças “terão capacidade de transportar 1.000 passageiros”, mas calcula que isso representa “catorze vezes mais que um ônibus”. Ou seja, os dez ônibus do Manoel andam entupidos com gente saindo pelo ladrão. Ele sabe do que fala.

Metrô aquático

E aí, paparicada leitora, como é que nós ficamos diante do projeto Manoel-Joaquim (ou será Joaquim-Manoel?). Só nos resta uma solução, aquela das pessoas sensíveis: relaxar e gozar. Vamos lá?

Supunhetemos – é uma hipótese absurda – que Joaquim e Manoel são eleitos deputados federais. Imaginemos ainda – só como exercício de fantasia – que eles estão acostumados a cumprir suas ameaçadoras promessas eleitoreiras e, então, apresentam o projeto do Metrô Aquático na Câmara Federal. O Brasil inteiro, então, vai rir de todos nós, que os elegemos, e não apenas deles, que nos representam.

O deputado José Genoíno (PT-SP) subirá à tribuna para perguntar:

- Nobres colegas Manoel e Joaquim. Um pedido de esclarecimento: Vossas Excelências são depufede ou vereadores de Manaus? Vossas Excelências acendem velas para Santa Etelvina?

A pergunta é pertinente, porque essa questão é matéria municipal e não federal. O Joaquim e o Manoel poderão criar um metrô aquático com parada em frente ao Teatro Amazonas e até trocar o nome da avenida Eduardo Ribeiro, onde passava um igarapé que foi aterrado, para Via Veneza, mas isso apenas com um projeto municipal, nunca federal. O Congresso Nacional mandará a arquivar o projeto no AMUSE (Arquivo Municipal Santa Etelvina).

No entanto, para não matar os nossos sonhos, imaginemos uma ação do ex-deputado Mário Frota, que já foi combativo e agora é puxa-saco do Collor e se gaba de ter acesso direto ao presidente da República. Frota ´pega o telefone e ligar para a Ana Acioly, a secretária particular de Collor, sua amiga que descolou uma audiência dele com o presidente.

- Oi Aninha, tudo bem, gatinha? Aqui é o Mário?

- Qual Mário?

- Aquele que te... deixa pra lá. É o Frota. Diz pro Fernandinho, o Quinho, para ele baixar uma medida provisória criando o “Projeto Catraia em Manaus” ou o “Projeto Metrô subaquático”.

Pronto! Resolvido! O projeto se transforma em realidade, infernizando a vida do Elson e de todos os manauaras.

O meu combativo amigo Elson, aquele barrigudinho inteligente pra dedéu, que conduz com incrível habilidade política o Sindicato dos Metalúrgicos, mora na Cidade Nova. Ele quer ir para o seu local de trabalho. Aí ele pega o ônibus para o centro da cidade. Caminha até o porto do Rodo e de lá pega a barcaça ate a CEASA e dali outro ônibus para o Distrito Industrial. Na volta, percorre idêntica rota em ferry boat como apelidamos” as barcaças para citar as palavras do Joaquim.  

Que trajetória pai d´égua! Só mesmo um Manoel e um Joaquim juntos conceberiam a realização de tal proeza. Será que eles estão pensando em algo como o edifício garagem construído na administração Manoel Ribeiro na av. Floriano Peixoto, no Centro, obra superfaturada conforme denúncias da oposição na época.

Furo do Manoel

O leitor pode pensar que o Projeto ferry boat como apelidamos” foi efetivamente concebido por dois sinceros devotos da Etel, “como apelidamos” Santa Etelvina na intimidade. No entanto, Manoel e Joaquim podem contra-argumentar com uma lógica falaciosa que eles dois estão certos, errados estão os moradores dos bairros de Manaus que foram residir longe da água. Ora pois-pois!

Desta forma, para “levar a população de barcaça por todos os recantos da cidade”, só tem um jeito: o Mário pega o telefone chama a Ana Acioly e aciona o Quinho para decretar duas medidas:

  1. Transfere todos os bairros de Manaus para a beira do rio Negro e aí todo mundo passa a morar na Rua da Frente, como na Vila de Pedras, berço do professor Francisco Jorge
  2. Imitando o Furo do Xiborena, aprova-se a construção de um furão até a Cidade Nova, cujo nome deve homenagear necessariamente um dos dois autores: Furo do Manoel ou Furo do Joaquim a ser escolhido no jogo da porrinha. Enquanto o furo não é aberto, resta esperar uma enchente braba como a de 1954 para estacionar a barcaça bem em frente ao Teatro Amazonas.

Como é que o Núcleo de Estudos Estratégicos (NEST) criado pela Suframa para preparar a modernidade, ainda não se apropriou do Projeto Catraia?

“Se existe sendo da realidade, tem de haver senso da possibilidade” – escreve Roberto Musil em O Homem sem qualidades”. Os dois candidatos a depufede não conhecem nem um senso, nem o outro.

Eu sou Manoel-Joaquim. E daí?

P.S. – Publicada originalmente com o título Manoel e Joaquim das Catraias.

Obs: Correspondência para essa coluna: Ribamar Bessa, Rua Graça Aranha, 174, Grupo 509. CEP 20.030, Rio de Janeiro (RJ).

Ver também: https://www.taquiprati.com.br/cronica/629-projeto-pai-deegua-onibus-fluviais-em-manaus

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1 Comentário(s)

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Elson Melo comentou:
30/10/2024
José Bessa No tempo que eu era barrigudo!!! Valeu! O Manoel e o Joaquim já subiram para o andar de cima, mas deixaram o projeto "Catraia" para o Capitão Camarão. Mais uma vez foi rejeitado.
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