“O poeta é um fingidor / Finge tão completamente /
que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente”.
(Fernando Pessoa, 1931)
Minha gente, me digam como podemos mudar a história do Brasil? O que fazer para que os eleitores, nessas eleições municipais, aprendam a escolher um candidato que preste? O caminho para isso, por incrível que pareça, foi traçado por Maia, que completa quatro anos neste domingo (4). Foi assim: o avô, meu amigo desde sempre, tomou as devidas precauções e, em plena pandemia, passou uns dias com as duas netas, a outra é Ana, 10 anos, um doce de menina, que aniversaria dias depois. Narrava ele pela milésima vez a história de João e Maria, quando foi interrompido:
- Vovô, finge que o João e a Maria me escutam.
Ele fingiu. Desta forma, Maia se introduz ardilosamente na narrativa Hänsel und Gretel dos irmãos Grimm, que registraram as vozes de camponeses às margens do rio Fulda, na Alemanha, no início do séc. XIX, no momento em que o romantismo mergulhava de cabeça na cultura popular. Ah, se ela fosse uma campesina no Condado de Hesse-Darmstadt, as histórias recolhidas pelos irmãos Grimm teriam outro desfecho.,
Maia só aceita ouvir histórias assim, se puder conversar diretamente com o autor, debater com os protagonistas e encarnar alguns deles, dramatizando e empostando a voz, com entoação grave ou aguda, de acordo com a situação. Desanda a falar pelos cotovelos, dá conselhos aos personagens, interfere no enredo e altera o fio condutor do conto, em lances aplaudidos por outro amigo do avô, o titiriteiro Euclides Coelho de Souza, cujo público infantil, ao reagir às peças encenadas pelo Teatro de Bonecos Dadá, chegou também a modificar tramas e desenlaces.
Bruxas no divã
- Seu lenhador, vou te dar porrada se você abandonar a Maria e o João na floresta – ameaça Maia, mostrando que é boa de briga. (Porrada, aliás, é um termo ensinado pelo vovô).
O lenhador e a madrasta malvada se fazem de surdos e deixam assim mesmo as duas crianças perdidas no bosque de Kaufunger. O avô justifica e convence a neta, dizendo que se elas não forem abandonadas, a história termina logo no início. A neta, porém, não desiste e previne:
- Cuidado João! Eles vão largar vocês na floresta. Pega pedrinhas e vai soltando para saber o caminho de volta. Não pega pão, porque os passarinhos vão comer.
Quem sugeriu ao João que em vez do seu dedo mostrasse um rabinho de rato à velha bruxa míope para mostrar que não engordara? Quem? A Maia Grimm, é claro, que recomendou ainda ao nosso herói arrebentar o cadeado da porta do quarto onde se achava preso. No entanto, embora briguenta, Maia falou pro narrador que a bruxa não devia morrer torrada dentro do forno, era cruel demais. Propôs como alternativa usar uma poção mágica para fazê-la desaparecer, baseada em sua recente experiência pessoal.
Dias antes, enquanto os adultos dormiam a sesta, Maia esvaziara um vidro de shampoo dentro de uma panela, misturando maizena, casca de laranja, pó de café e outras gororobas, enquanto mexia tudo com uma varinha mágica disfarçada de colher de pau para enganar os otários como a mãe, que deu o maior esporro:
- Ai meu Deus! Que meleca é essa? Por que você está fazendo isso?
- É uma poção mágica pra fazer desaparecer mães que dão bronca nas filhas.
Na lata. Pois não é que deu certo! A mãe sumiu do radar da Maia. Intuitivamente, ali se fazia presente a linguagem simbólica do inconsciente contida nos contos infantis estudados por psicanalistas como Bruno Bettelheim e o casal gaúcho Diana e Mário Coso nos livros “A Psicanálise dos Contos de Fadas” e “Fadas no Divã – Psicanálise nas Histórias Infantis”.
Mundo cruel
As fábulas escandinavas de Andersen, os contos da Carochinha de Perrault, além daqueles recolhidos pelos irmãos Grimm, foram considerados irreais e cruéis por muitos pais, que os condenaram por temor de que seus filhos se afastassem da realidade e se deixassem influenciar pela maldade, quando essas histórias infantis, ao contrário, podem encorajar as crianças, “mostrando-lhes que é sempre possível encontrar saídas” – dizem os psicanalistas.
Quanto à crueldade, o mundo real cloroquinado, homofóbico, racista e machista de Trump e Bolsonaro, aqui pra nós, é muito mais escroto, bárbaro e desumano do que qualquer história infantil povoada por bruxas, monstros, ogros, madrastas e lobos maus.
Eis o que eu queria dizer. Para interferir na história do Brasil, nós temos de fingir que os (e)leitores alimentados pelo mundo fake não estão fora da nossa bolha e podem nos escutar. Podemos assim influenciar o voto nas eleições municipais. O fingimento aqui tem a qualidade daquele poema de Fernando Pessoa. Fingimos que podemos mudar o enredo da história desse Brasil, que elege bolsonaros, crivellas, paes, russomanos, amazoninos et caterva. Usaremos a poção mágica da razão e da palavra para fazer desaparecer todos os pilantras da vida política do país.
Seguindo a sabedoria da Maia, precisamos alertar os personagens dessa história. Eles não podem mais seguir trocando o voto por rancho ou por trinta moedas, não devem acreditar em narrativas fake, nem em promessas mirabolantes jamais cumpridas. Maria, que é mais esperta, e João, que é mais afoito, tiraram o título de leitor depois que se salvaram da bruxa. Por isso, nós os advertimos:
- João, se levar miolo de pão para a urna, o passarinho come. Vão te abandonar na floresta, que está sendo incendiada. Tua desinformação, João, te leva a agir contra os teus próprios interesses, te faz votar no atraso e no engano. Desinformado, não percebes, tu e a Maria, quem são os reais aliados e quem são os inimigos. Não podes entregar tua cidade nas mãos de prefeitos e vereadores “experientes”, subservientes ao poder da grana, com uma história de saqueio aos cofres públicos, de rachadinhas, de maracutaias. João, faz como a Maia, não deixa que eles continuem escrevendo a tua história. Escrevam vocês mesmos, João e Maria, clicando na urna, com o dedo, o nome certo.
P.S. – Parabéns à aniversariante Maia, cujo avô eu admiro muito. Ele já contou às netas histórias do Curupira, do Saci Pererê e aquelas criadas por Daniel Munduruku, candidato a prefeito de Lorena (SP) pelo PCdoB e por Márcia Kambeba (PSOL), a vereadora em Belém do Pará. Outras candidaturas indígenas merecem apoio como a do Fidelis Baniwa (PSOL) a prefeito de Santa Isabel do Rio Negro (AM), a do cacique guarani Hyral Moreira (PV) a vereador em Biguaçu (SC), da Tereza Arapium (PSOL - Rio de Janeiro) e da candidatura do Coletivo Jaraguá Guarani à Camara de Vereadores de São Paulo do (PSOL).
Longa vida para o titiriteiro Euclides Coelho de Souza, que ouviu essas histórias contadas pelo avô da Maia, nosso amigo comum. Euclides completou neste sábado (3) 86 anos, rodeado por centenas de bonecos que fizeram e desfizeram histórias e uma biblioteca de livros especializados, num museu que está organizando em sua casa de Curitiba.
EL VOTO, EL ELECTOR Y LA POCIÓN MÁGICA
José R. Bessa Freire - Diário do Amazonas
O poeta é um fingidor / Finge tão completamente /
que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente”.
(Fernando Pessoa, 1931)
Por favor, díganme cómo podemos cambiar la historia de Brasil. ¿Qué hacer para que los electores, en estas elecciones municipales, aprendan a escoger un buen candidato? El camino, por increíble que parezca, lo trazó Maia que cumple cuatro años este domingo (4). Su abuelo, mi amigo desde siempre, tomando las debidas precauciones en plena pandemia, pasó unos días con las dos nietas; la otra es Ana, una niña encantadora que cumple 10 años días después. Estaba narrando por la milésima vez la historia de Hans y Gretel, cuando Maia lo interrumpe:
- Babá, finge que Hans y Gretel me escuchan.
Él obedeció. De esa forma, Maia se introduce hábilmente en la narrativa Hänsel und Gretel de los hermanos Grimm, que registraron las voces de campesinos a las orillas del río Fulda, en la Alemania de inicios del siglo XIX, en el momento en que el romanticismo se infiltraba en la cultura popular. Ah, si ella fuera una campesina en el Condado de Hesse-Darmstadt… las historias recogidas por los hermanos Grimm tendrían otro desenlace.
Maia sólo acepta oír historias así, si puede conversar directamente con el autor, debatir con los protagonistas y encarnar algunos de ellos, dramatizando e impostando la voz, con entonación grave o aguda, de acuerdo con la situación. Comienza a hablar por los codos, da consejos a los personajes, interfiere en la historia y altera el hilo conductor del cuento, en episodios aplaudidos por otro amigo del abuelo, el titiritero Euclides Coelho de Souza, cuyo público infantil, al reaccionar a las piezas que presentaba el Teatro de Bonecos Dadá, llegó también a modificar tramas y desenlaces.
Brujas en el diván
- Señor leñador, le voy a dar una paliza si abandona a Gretel y Hans en la floresta – amenaza Maia, mostrando su fuerza combativa. (Resultado del vocabulario que le enseña el abuelo).
El leñador y la madrastra malvada se hacen a los sordos y dejan a los dos niños perdidos en el bosque de Kaufunger. El abuelo justifica e intenta convencer a la nieta, diciéndole que si no fueran abandonados, la historia acabaría al comienzo.
- Cuidado Hans! Ellos van a abandonarlos en la floresta. Recoge piedrecitas y anda soltando para saber el camino de regreso. No tires migas de pan, porque los pajaritos se las comen.
¿Quién sugirió a Hans que en vez del dedo mostrase un rabito de pericote a la vieja bruja miope para mostrar que no había engordado? ¿Quién? Maia Grimm. Evidentemente recomendó a nuestro héroe destruir el candado de la puerta del cuarto donde estaba preso. Sin embargo, aunque pleitista, Maia le dijo al narrador que la bruja no debería morir quemada dentro del horno, era mucha crueldad. Propuso como alternativa usar una poción mágica para hacerla desaparecer, en base a su reciente experiencia personal.
Días antes, mientras los adultos dormían la siesta, Maia derramó champú dentro de una cacerola, añadió maicena, cáscara de naranja, café y otros ingredientes, mientras batía todo con una varita mágica disfrazada de cuchara de palo para engañar a los incautos, la mamá la regaña:
- Ay Dios! ¿Qué menjurje es ese? ¿Por qué estás haciendo eso?
-Es una poción mágica para hacer desaparecer las mamás que regañan a las hijas.
Dio en el clavo. Intuitivamente, allí se encuentra el lenguaje simbólico del inconsciente que contienen los cuentos infantiles estudiados por psicoanalistas como Bruno Bettelheim, así como Diana y Mario Coso en “A Psicanálise dos Contos de Fadas” y “Fadas no Divã – Psicoanálise nas Histórias Infantis”.
Mundo cruel
Las fábulas escandinavas de Andersen, los cuentos de Perrault, las narrativas recogidas por los hermanos Grimm fueron considerados irreales y crueles por muchos padres. Por el temor de que sus hijos se alienaran de la realidad y se dejaran influenciar por la maldad condenaron esas lecturas, cuando esas historias, al contrario pueden incentivar a los niños “mostrándoles que siempre es posible encontrar salidas” – dicen los psicoanalistas.
En relación a la crueldad, el mundo real cloroquinado, homofóbico, racista y machista de Trump y Bolsonaro, convengamos que es mucho más vil, bárbaro y deshumano que cualquier historia infantil poblada por brujas, monstruos, ogros, madrastras y lobos feroces.
Para interferir en la historia de Brasil, tenemos que fingir que los (e)lectores alimentados por el mundo fake no están fuera de nuestro alcance y pueden escucharnos. Así podemos influenciar el voto en las elecciones municipales. El fingimiento aquí tiene la cualidad de aquél poema de Fernando Pessoa. Fingimos que podemos mudar la trama de la historia de ese Brasil que elige bolsonaros, crivellas, paes, russomanos, amazoninos et caterva. Usaremos la poción mágica de la razón y de la palabra para hacer desaparecer todos los bandidos de la vida política del país.
Siguiendo la sabiduría de Maia, precisamos alertar a los personajes de esa historia. No pueden seguir vendiendo su voto por comida o por treinta monedas, no deben dar crédito a narrativas fake, ni a promesas fantasiosas jamás cumplidas. Advertimos a Gretel que es muy inteligente y especialmente a Hans, ambos electores después que se salvaron:
- Hans, si llevas migas de pan a la urna, los pájaros la comen. Van a abandonarte en la floresta que se está incendiando. Tu desinformación, Hans, te hace contrariar tus propios intereses, te lleva a votar en el atraso y la mentira. Desinformado, no percibes, tú y Gretel quienes son tus reales aliados y quienes tus enemigos. No puedes entregar tu ciudad en manos de prefectos y ediles “experientes”, subservientes al poder del dinero, con una historia de saqueo a los cofres públicos, de ilegalidades constatadas. Hans, haz como Gretel, no dejes que ellos continúen escribiendo tu historia. Escríbanla Uds, mismos, Hans y Gretel, pinchando en la urna con el dedo, el nombre cierto.
P.S. – Felicidades a Maia y al titiritero Euclides Coelho de Souza, que escuchó esas historias contadas por el abuelo de Maia. Euclides cumplió 86 años este sábado (3), rodeado por centenas de títeres que hicieron y deshicieron historias y una biblioteca de libros especializados, un museo que está organizando en su casa de Curitiba.