CRÔNICAS

Amazônia das palavras: um canto na escuridão

Em: 04 de Novembro de 2018 Visualizações: 10241
Amazônia das palavras: um canto na escuridão

“Faz escuro, mas eu canto/ porque a manhã vai chegar” (Thiago de Mello)

Thiago de Mello, aos 92 anos, não verá nesta segunda (5/11), o crepúsculo deslumbrante no bairro de Educandos, em Manaus, que ele tanto apreciava em sua infância. Aquela cor amarelo-dourada de ventre de pacu irradiada pelo sol em fuga, ali na Baixa da Égua, dura um instante fugaz do cair da tarde. E já será noite, quando o poeta da floresta for homenageado às 19 horas pelo projeto “Amazônia das Palavras”, no início da expedição literária que navegará 1.300 km pelos rios Negro, Amazonas e Madeira e iluminará oito cidades, semeando em cada uma delas o prazer da literatura e do ato de ler e de narrar.

Da expedição fazem parte escritores e artistas. Cada noite, moradores dessas cidades assistirão duas sessões culturais. Primeiro, um espetáculo de circo – “Cloro, o Palhaço engolidor de letras” - encenado pelo ator argentino Diego Gamarra, que apresenta sua mala carregada de livros e histórias no universo mágico da literatura. Depois, a aula-espetáculo “Catando piolhos, contando histórias: minhas memórias da Amazônia”, ministrada em Manaus e Itacoatiara pelo premiado escritor indígena Daniel Munduruku, doutor em educação pela USP e autor de 52 livros.

As oficinas

Coordenado por Fernanda Kopanakis, doutora em Planejamento Urbano e Regional (UFRJ) e pelo cineasta e produtor cultural José Jurandir da Costa, ambos da Associação Mapinguari, “Amazônia das palavras” realizará durante o dia, em diferentes escolas, cinco oficinas literárias:

1) Contação de Histórias Indígenas ministrada por este locutor que vos fala, responsável ainda pela aula-espetáculo nas seis cidades do rio Madeira;

2) Produção de Contos com o escritor José Roberto Torero, formado em jornalismo e cinema pela USP, vencedor do prêmio Jabuti na categoria romance, autor de 38 livros, de peças de teatro e de roteiros para cinema e tv.

3) Sons do Cotidiano realizada por Bira Lourenço, percussionista de Porto Velho (RO), licenciado em Música pela UFRGS, professor de percussão em projetos destinados a egressos do sistema penal e a alunos de escolas públicas portadores de necessidades educacionais especiais. Ele pesquisa as possibilidades melódicas da água e de instrumentos e objetos de barro no campo da dramaturgia sonora.

4) Poesia: Narrativa e Escuta com Elizeu Braga, poeta, ator e artista visual, que executou vários projetos, entre os quais oficinas intituladas “A Poesia como intromissão” e o projeto de extensão “Em defesa do patrimônio cultural dos ribeirinhos” da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

5) Animação: Palavra Animada executada por Leo Ribeiro, doutorando em Design na PUC/Rio, diretor e produtor de curtas-metragens de animação exibidos em festivais, mostras de cinema e canais de televisão, além de executor do Projeto “A escola vai ao cinema”, uma parceria entre o SESC Nacional e Anima Mundi.

Imagens da memória

As oficinas literárias destinadas a alunos da rede pública de ensino não pretendem ser fábricas de escritores, cineastas e músicos, mas um lugar de criação e de troca de ideias. Sua coordenadora pedagógica, Josélia Gomes Neves, doutora em Educação Escolar, professora da UNIR e de vários cursos de formação de professores indígenas, incluindo o Projeto Açaí, desenvolve projetos de extensão com os índios e uma linha de pesquisa sobre currículo, alfabetização, cultura escrita e oralidade.

Da equipe de “Amazônia das Palavras” fazem parte ainda cineastas e documentaristas, que entrevistarão moradores e personagens de cada cidade visitada, desenvolvendo o projeto especial “Imagens da Memória” que será coordenado pela professora Bete Bullara, formada em cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela já realizou para o SESC Nacional mais de 60 oficinas com professores e jovens em 16 estados brasileiros, para as quais preparou material didático, assim como ministrou curso para professores no Festival Nueva Mirada, em Buenos Aires.

Os depoimentos de moradores, alunos, escritores, educadores serão editados para um média metragem que registrará a viagem literária pelos rios das Amazônia e documentará a poesia, as histórias, os causos, o humor, as imagens e os sons expressos na rica variedade dialetal do rio Madeira. Trata-se de contribuir para modificar a situação na qual 54% dos alfabetizados no Brasil não leem romances, contos ou poesia, segundo levantamento em 2016 do Instituto Pró-Livro.

Cabaças, pedras, panelas, bacias e outros utensílios servirão de instrumentos musicais para produzir sons, ritmos e timbres do cotidiano ribeirinho no ato de contar histórias, explorando o imaginário e a memória auditiva que inclui o vento, o assovio, as vozes dos animais, o murmúrio das folhas e outras manifestações do universo físico da Amazônia. Vale tudo para estimular a comunidade escolar a trabalhar a produção de textos ficcionais curtos. “Escrevi um conto e te contei, Agora é você quem conta um conto” será o convite de uma das oficinas que estimulará as narrativas orais dos estudantes.

O projeto Amazônia das palavras vai deixar ainda em cada cidade mudas de pau brasil com uma mensagem em defesa da floresta, estimulando o “pensamento crítico e a capacidade para uma cultura emancipadora de igualdade e responsabilidade sociais, com um olhar ambiental equilibrado e uma visão política ética”. As prefeituras de cada cidade estão apoiando as atividades que contam com o patrocínio do Ministério da Cultura e do BNDES. Faz escuro, mas a gente canta. “Vale a pena não dormir para esperar a cor do mundo mudar”.  

P.S. – A homenagem a Thiago de Mello acontece no auditório do Centro Estadual de Tempo Integral Gilberto Mestrinho (CETI) no bairro de Educandos, quando lhe será ofertado o projeto conceitual do “Memória Esperança Thiago de Mello”, criado pelo artista multimída Rudney Prado e pela arquiteta Letizia Esposito.

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12 Comentário(s)

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Ivanir lima comentou:
08/11/2018
Ansiosa pra receber este lindo projeto aqui na terra da Melancia, Manicore. Certamente muito tera a engrandecer a cultura local.
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Marta M A Azevedo comentou:
06/11/2018
Que coisa mais maravilhosa Bessa!!! Nem sabia... que beleza! Viva viva.....(é tão raro agora falar viva viva em vez de virge virge....). Parabéns a todxs envolvidxs e viva Thiago de Mello!!!!
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Susana Grillo comentou:
05/11/2018
Bessa, que atividade linda !!! Sucesso a todos. “Vale a pena não dormir para esperar a cor do mundo mudar”. Um grande abraco.
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Neide Martins Siqueira (via FB) comentou:
03/11/2018
Uma Luz no tempo escuro! Gratidão prof. José Bessa
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Wilson Lima (via FB) comentou:
03/11/2018
Professor, vou comparecer à homenagem ao Thiago de Mello, porque quanto mais escuro, mas cantaremos.
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Patricia Sá Peixoto Pinheiro comentou:
03/11/2018
Linda iniciativa deste grupo .Parabéns, professor Jose José Bessa e a todos que participam do projeto, iluminando nossa Amazônia e nossos povos com saber e poesia. Vcs mantem a chama de nossa esperança para um país melhor
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Magela Ranciaro (via FB) comentou:
03/11/2018
Quanta alegria sinto por esse lindo e ambicioso projeto. Faz crer que, em meio ao escuro, nem tudo está perdido. Trata-se ações e propósitos que, somados a outras iniciativas, uma revolução, por mais silenciosa que seja, se cristalizará nos gestos, nas palavras e memória dos que pela coragem e exuberância dessa força social compõem e constroem esse portentoso fabulário do cotidiano amazônico. Meu coração se enche de orgulho, de otimismo e de muita esperança por essa iniciativa. Bravo!
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Marilza comentou:
03/11/2018
Me leva contigo querido não me deixes sozinha...lembras desta música? Dê um cheiro no cangote de meu primo Amigo camarada
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Karina Puppin (via FB) comentou:
03/11/2018
Que coisa legal, José Bessa. Como funciona essa oficina? Me conte mais sobre isso.
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Marly Cuesta (via FB) comentou:
03/11/2018
Que maravilha,meu nobre Professor José Bessa! Parabéns por tão importante e necessário projeto! Fico mais que encantada! Eu também sou Contadora de Histórias e tenho uma irmã que é Professora Indígena no Umariaçú,Tabatinga!
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Sandra Silva comentou:
02/11/2018
Professor José Bessa,não tem como ministrar um curso na UERJ? Seria muito,muito especial e importante! Por favor!
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Ana Silva comentou:
02/11/2018
Que lindo! "para ver a cor do mundo mudar". Sim, projeto maravilhoso, sensível e poético. Não nos deixa pensar no horror do futuro próximo. Parabéns!! Importante homenagem ao poeta.
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