CRÔNICAS

Lava Jato: a conexão Peru e o taxista de Lima

Em: 16 de Agosto de 2015 Visualizações: 20720
Lava Jato: a conexão Peru e o taxista de Lima
(De Lima, Peru) - Son unos sinvergüenzas! Venían de Brasil con maletas llenas de dólares para sobornar y obtener contratos en obras públicas aqui en el Perú - comentou Gustavo, o taxista, me olhando pelo retrovisor.
Embora eu não tivesse me apresentado, ele sabia que estava conversando com um brasileiro. Bastou eu dar buenos dias no Aeroporto Jorge Chávez e combinar uma corrida até um hotel em Miraflores. O sotaque de ái-donti-bélive-bichinho me traiu. Assim mesmo, caprichei no meu portunhol: entonces, sin embargo, todavía, por supuesto, com direito até a uns palavrões tipo carajo e pelotudo para mostrar minha intimidade com a língua.

Se puxei conversa foi para me manter fiel à tradição do nosso jornalismo. Pode reparar: as matérias do exterior assinadas por enviados especiais trazem sempre depoimentos de um taxista. Se não trouxer, ninguém acredita. Taxista confere mais credibilidade que discurso de ministro. Sem a fala de um taxista, que quase sempre é fofoqueiro, a matéria fica capenga. Ele dá fé ao discurso jornalístico assim como um tabelião reconhece uma assinatura. É a voz do povo que como todo mundo sabe é a voz de Deus. Será? Há quem assegure que o repórter só recorre ao taxista porque não tem acesso a fontes mais importantes. Pura inveja? Pode ser.
As confidências de Gustavo, o taxista, davam a entender que ele havia escutado a conversa de um desses sinvergüenzas dentro do seu táxi. No entanto, conforme logo constatei, ele apenas reproduzia as manchetes dos jornais peruanos, em letras garrafais, revelando as conexões andinas das construtoras brasileiras envolvidas na Lava Jato. Ou seja, o taxista falou o que leu nos jornais, que por sua vez se baseiam em informações de taxistas, numa circularidade que se estende pelas redes sociais. São os taxistas que juram que o filho do Lula ficou rico, o que no facebook aparece como verdade incontestável, embora sem respaldo de fonte fidedigna.
De qualquer forma, neste caso, a fonte original sobre a conexão peruana da Lava Jato foi outra: a delação premiada. O procurador peruano especializado em delitos de corrupção, Hamilton Castro, e seu colega Alonso Peña estiveram com Sérgio Moro no Brasil e tomaram conhecimento do suborno na abertura e pavimentação da estrada Interoceânica, na construção do Centro de Convenções de Lima, de uma estrada em Canta e de um hospital no Cuzco, executados pela OAS. Isso, que é só o começo, também está nos jornais locais, que não falam de outra coisa, incluindo as transações com a Odebrecht.
Nada apurei pessoalmente. Fiz como o taxista. Li El Comercio, que xeretou o livro de visitas do Palácio do Governo e revelou que no dia 23 de janeiro de 2007, das 18h50 às 20h18, o então presidente Alan Garcia teve uma "reunião de trabalho" com José Dirceu e com a empresária Zaida Sisson de Castro, que foi secretária da Câmara de Comércio Brasil-Peru da qual fazem parte Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia e OAS.

Um segundo encontro ocorreu em 4 de março de 2008, entre as 09:h04 e as 10h09. Um ano depois, em 2009, Dirceu foi recebido pelo primeiro ministro Javier Velásquez Quesquén para "intercambiar experiências dos governos peruano e brasileiro". Dirceu já não era nem ministro e sequer deputado, com mandato cassado em 2005.
Alan Garcia está para o Peru como Collor para o Brasil no que diz respeito à corrupção. Não é boa companhia para ninguém. Reconheceu nesta sexta (14/08) que recebeu Dirceu, mas alegou que não podia prever a prisão dele. De qualquer forma, como ele é candidato à eleição presidencial que acontece daqui a nove meses, as denúncias vão ser agitadas nesse período eleitoral.
Esclareço, porém, que não foi em missão jornalística que vim a Lima. Fui convidado para participar como conferencista no VI Simpósio Internacional de Bilinguismo e Educação Bilíngue na América Latina e ministrar uma oficina sobre documentos relativos às línguas indígenas em arquivos brasileiros. Foram o taxista e os jornais que me sugeriram esse tema para a coluna.
Já que ninguém é de ferro, aproveitei também para matar as saudades e "recolher meus passos". Morei no Peru, onde sobrevivi encenando peças de títeres no Teatro de Bonecos Dadá com um casal de exilados brasileiros - Euclides e Adair - e depois como professor horista em três universidades. Aqui tive mulher, filha, cachorro, amigos, alunos. Aqui enfrentei dois terremotos: o de 1970, que matou mais de 80 mil pessoas no Callejón de Huaylas e o de 1974 que durou quase dois minutos, o que é uma eternidade. Aqui aprendi a comer cebiche, anticucho, chinchulines, cau-cau, aji de galinha, rocoto relleno e, com a culinária, saborear poesia, literatura, musica. 

Quem me trouxe ao Peru pela primeira vez, aliás, foi um livro. Eu estava exilado no Chile, em 1969, quando li "Los Rios Profundos" de José Maria Arguedas, que foi traduzido ao português. No primeiro capítulo, o personagem Ernesto - um menino de 14 anos - e seu pai chegam ao Cuzco em busca de um parente, El Viejo, um fazendeiro explorador e sovina. O leitor percorre a Praça de Armas com os personagens. A descrição magistral da Catedral do Cuzco é supimpa e eletrizante. A leitura de algumas páginas foi suficiente. Decidi:
-  "Vou me embora pro Peru", que no meu imaginário era uma espécie de Pasárgada.
O mergulho nos rios profundos me fez passear pelos Andes, percorrendo com os personagens diversas cidades serranas e da costa, os canaviais de Abancay ao longo do rio Pachachaca, as hortas repletas de amoreiras e de uma árvore nativa - pisonay - que fica coberta de grandes e vistosas flores vermelhas na primavera. A literatura peruana é tão excelente como a culinária. Será que o Brasil, que exportou a corrupção, está também ajudando a desemaranhar a teia podre da conexão andina? Perguntemos ao taxista.
 

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16 Comentário(s)

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Lourenço Pinheiro (via FB) comentou:
16/08/2015
Recomendo que ouçam o discurso de Guilherme Boulos, do MST. https://www.youtube.com/watch?v=rx4_6XAKC3w
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Anne-Marie comentou:
16/08/2015
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Edleise Mendes comentou:
16/08/2015
Querido Bessa, esse pessoal se apegou à parte menos importante de sua crônica? Pobres diabos, não entenderam que até as noticias mais corriqueiras sobre corrupção, mega operações políticas de tráfico de dinheiro e de informações transformam-se em poesia em suas mãos. A sua descrição do Peru bateu na minha emoção, pois amo esse país, a sua gente, as suas coisas. Beijo grande!
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neto reis comentou:
16/08/2015
Continuando a fazer uma reflexão Bessa, com relação a golpe, eu penso que não vale a pena ficar a apregoar no Brasil em pleno século 21, com todo o respeito. O presidente eleito pelo voto não o torna o rei(rainha) absoluto, cometeu crime de responsabilidade previsto na Constituição, por financiamento de campanha com dinheiro sujo ou por financiamento de ações sociais por bancos estatais(pedaladas) desde que comprovados, deve ser sim apeado do poder, independente de que partido político seja e realizada novas eleições, por que não?.
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Anne-Marie comentou:
16/08/2015
Infelizmente golpes fazem parte da nossa tradição política e sempre causaram um atraso fenomenal para a maioria da população. Temos que fazer uma oposição rigorosa e sem trégua a qualquer governante que não age para o bem de todos, principalmente dos mais frágeis dos nossos concidadãos que compõem esta imensa maioria. Mas destituir um governo eleito democraticamente por esta mesma maioria abre a porta ao desconhecido. Sabe-se como começa um golpe, nunca se sabe em que vai dar, nem sequer os próprios golpistas. E nós que vivemos a gloriosa redentora durante 21 anos sabemos o que isso significa. O Bessa tem razão, todos somos contra a corrupção, os corruptos devem ser julgados com todo rigor, a partir de provas concretas (verificações efetivas e não suposições ou meras denúncias premiadas. Muito menos a partir das manipulações de uma mídia (o PIG) que usa a denuncia como instrumento de poder. Vejam as recentes denúncias da VEJA contra Romário e em que que deram. Por que será que nossa imprensa e nossa mídia nunca denunciaram as falcatruas de FHC, de Aécio e companhia?
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neto reis comentou:
16/08/2015
Vou esclarecer alguns pontos e que merecem uma reflexão: o que existe hoje é indignação de minha parte e não truculência, eu não posso falar pelo povo brasileiro, mas todos os Institutos de pesquisa, e por favor não me venha dizer que são manipulados, indicam índice de mais de 70% de rejeição ao governo, índice pior que no tempo do Collor, além do que quem anda pela ruas ou vai as manifestações, como eu faço em Manaus, pode ver e ouvir a participação do povo seja rico, pobre, branco, negro, camelô, empresário, famílias, indignados com o que ocorre no país. As manifestações são contra a corrupção, desemprego, inflação, sim estas são as bandeiras e não contra um partido político. agora é claro, quem está no poder que sofra as consequências dos seus atos, quem pariu Mateus...
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ribamar bessa comentou:
16/08/2015
Prezado Neto, sem querer prolongar a discussão, te digo que me considero livro para fazer duras críticas às lambanças cometidas por gente do PT no poder, sem que para isso tenha de mudar de campo, sem cair no colo dos Aécios, Cunhas e Renans, coisa que infelizmente os golpistas que querem a cabeça da Dilma não querem ou não podem fazer, pois não são suficientemente livres para isso, estão com o rabo preso e atolado em 500 anos de história. Não querem acabar com a corrupção, porque se assim fosse iriam às ruas contra o Cunha, o Renan, iriam pedir a cassação do mandato do Aécio. Pra te falar a verdade, nem mesmo alguns amigos petistas que defendem cegamente aceitam esse tipo de critica, que acaba isolando quem a faz. Não importa. É preciso fazer.
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Sandra de Almeida Figueira comentou:
16/08/2015
Os taxistas costumam estar atualizados. Tenho divergido politicamente de muitas pessoas, inclusive em família, pois, combato essa manobra de opiniões que a mídia tem promovido. Mas, agrada-me mais comentar sobre a cultura peruana, riquíssima. Depois dê-nos notícias do simpósio. Abraços.
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Claudio Nogueira (via fb) comentou:
16/08/2015
Só falta o Lava Jato peruano fazer o mesmo estrago lá que está fazendo na nossa economia. Logo agora que o Peru estava no caminho certo, segundo as revista especializadas.
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neto reis comentou:
15/08/2015
O quadro " asi viajo el dinero" ampliado demonstra que o Bessa aprendeu bem com os procuradores do ministério público federal e polícia federal do Brasil, parabéns. De real estão a ODEBRESHT, PEDRO BARUSCO, RENATO DUQUE, PAULO ROBERTO E CLARO A FALIDA PETROBRÁS, surrupiada em vinte bilhões de reais, 16 de agosto de 2015, vamos para o dia D.
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ribamar bessa comentou:
15/08/2015
Não confunda, companheiro, eu combato os mecanismos de corrupção, seja do PT, do PSDB, do PMDB ou de qualquer partido. A convocação para o ato de amanhã não é de combate à corrupção, mas de combate ao PT. Me inclui fora dessa. Quem vai à manifestação amanhã não tem a liberdade suficiente para criticar a corrupção do psdb, do pmdb, não há manifestação contra o cunha, contra o renan, contra o aécio.São prisioneiros de interesses partidários que não são os interesses do país.
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neto reis comentou:
15/08/2015
Permita-me acrescentar na crônica que "Alan Garcia está para o Peru como Collor, LULA E DILMA para o Brasil no que diz respeito à corrupção. Não é boa companhia para ninguém". Reitero amanhã vamos a manifestação com saída a partir da praça do congresso, ok.
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ribamar bessa comentou:
15/08/2015
Neto, respeito tua opinião, tanto que a publico, mas estou em absoluto desacordo com essa truculência golpista. Estou fora do Brasil, mas se estivesse ai, não iria jamais, nao quero ser manipulado por interesses escusos. Com teu argumento, ninguém governaria o Brasil, nem muito menos o Aecio decolando do aeroporto de Cláudio. Pelo amor de Deus, não sejamos tão ingenuos.
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neto reis comentou:
15/08/2015
Vamos para a manifestação de 16 de agosto de 2015, amanhã, saindo da praça do congresso, todos contra a corrupção que se instalou no país, por este partido que o Bessa ajudou na criar, inclusive ele vai participar também, se estiver em Manaus é claro.
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Ana Stanislaw comentou:
15/08/2015
kkkkkkk a corrupção está em todos os lugares, até mesmo nos Andes. O que diria Guaman Poma de Ayala sobre Alan Garcia e sua corja? E o Bessa, sempre combativo, poético. Adorei!
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Loris Altefender comentou:
15/08/2015
Ja! ja! Ja! Esa historia del taxista es verdad
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