Com a mesma regularidade com que tartarugas põem ovos habitualmente nas praias dos rios durante a vazante, amazonenses de classe média costumam procurar anualmente as praias de Fortaleza (CE), nesta época, com o objetivo de curtir as férias e descansar de um ano de trabalho. Vão em busca do mar – e quem sabe? – das raízes nordestinas, do cearense que existe dentro de cada um de nós. São os netos e os bisnetos dos arigós que se meteram no mato para extrair borracha no início do século.
Os aeroportos de Manaus e Fortaleza ficam parecendo até pátio de escola na hora do recreio, regurgitando com tanto tumulto e algazarra. Os aviões engordam, os voos saem superlotados, as empresas aéreas tiram a barriga da miséria, faturando alto na temporada. Não há vaga nem para mosquito ensebado. Por isso, as reservas são feitas com muita antecipação.
Foi o que fêz o médico amazonense Ivan Meneghini. Sua história assemelha-se a de outras pessoas e merece ser contada. Precavido, ele procurou a ACRAM Turismo, que é uma agência séria. Garantiu reservas Manaus-Rio-Fortaleza-Manaus para ele, a mulher e os cinco filhos na Transbrasil, tudo como manda o figurino. Em novembro, juntou suas economias e pagou à vista pelas sete passagens. Custou um pouco mais de R$ 5.300,00.
É muita grana para quem não é corrupto, não faz parte da folha de pagamento do Tribulins e vive do salário e do suor do seu trabalho. Daria para a família toda ir a New York. Com menos do que isso, a atriz Vera Fischer indenizou sua babá pelas tesouradas na mão e no peito. Representa, portanto, um gasto considerável. O sacrifício deveria ser compensado pela garantia de um bom serviço prestado pela empresa.
No entanto, os problemas começaram já na saída de Manaus, na madrugada do dia 22 de dezembro. Os passageiros não viajaram no voo previsto. Foram transferidos para o Aeroporto de Ponta Pelada, de onde decolaram em outro voo da Transbrasil. A empresa não avisou da mudança aos familiares do Rio que procuravam informações pelo telefone.
No horário previsto, às 9h00, muitas pessoas ansiosas esperavam no Aeroporto do Galeão por passageiros que não chegaram. Procurados, funcionários da Transbrasil confessaram:
- Chegam em outro voo previsto para as 12h00.
O desembarque
Depois de um chá de cadeira e uma espera de três horas – tempo suficiente para formar uma espécie de “Sindicato Improvisado de Familiares de Passageiros da Transbrasil procedentes de Manaus” – o painel do Galeão avisava que o voo, que devia passar por Belo Horizonte, estava atrasado em mais de uma hora. Às 13h00, o voo não chegou e apareceu no painel um aviso:
“Favor procurar o balcão da Companhia”.
No balcão, onde se aglomerava uma pequena multidão, uma funcionária explicou que a Transbrasil não podia dar informações, porque estava sem condições de localizar o avião. Estabeleceu-se um princípio de pânico. Só depois de muita pressão, foi explicado que se tratava de um problema de computador e não da aeronave, que finalmente chegou às 14h30.
A família Meneghini passou o natal no Rio e viu os fogos de Copacabana na noite do 31 de dezembro. No dia 2 de janeiro, conforme planejado desde novembro, viajou para Fortaleza, onde devia ficar um mês. A volta está marcada para o dia primeiro de fevereiro, no voo 520 da Transbrasil, previsto para sair às 14h10. Reservas garantidas, passagens marcadas com o OK de praxe.
Mas eis que, no dia 9 de janeiro a família tomou conhecimento de que duas reservas Fortaleza-Manaus – a da esposa e a de um filho de nove anos – haviam sido canceladas e que todos os voos de fevereiro estão lotados. Procuraram a agência Santos Dumont, em Aldeota. Uma funcionária bochechudinha, parecida com a ex-deputada Beth Suely, tocou piano no computador e foi categórica:
- A reserva foi cancelada porque os dois passageiros foram declarados “no showers”.
- O quê?
- É isso mesmo. Os dois passageiros não compareceram ao aeroporto em Manaus, não iniciaram a viagem e, por isso, foram canceladas as reservas dos outros trechos.
O pesadelo
A situação era surrealista.
- Mas nós viajamos. Temos o cartão de embarque. Como é, então, que viemos do Rio de Janeiro para cá?
A Bochechuda voltou a teclar no computador, onde encontrou a resposta:
- O computador do Galeão estava fora de linha.
- Mas a prova que viajamos é que estamos aqui. Não vamos pagar por um erro de vocês. Olhe aqui o nosso código de reserva: NG9MH. Tem o ok da Transbrasil.
A Bochechuda argumentou que o erro era de outra equipe, era da Transbrasil de Manaus, explicando que “todo ano é o mesmo problema, esse pessoal de Manaus vive aprontando”.
- Mas a Empresa não é uma só: Transbrasil? Ou existe a Transmanaus, Transceará e a Transrio, cada uma independente da outra?
- Infelizmente nada posso fazer. Com licença que preciso atender outros clientes.
Depois de uma ameaça de escândalo, ela deu o telefone, mas se recusou em fornecer o endereço da “única pessoa que pode resolver o seu problema: o seu João”.
Parece que o seu João é um fantasma ou um código da Transbrasil para mandar o passageiro para o desvio, porque não foi possível localizá-lo. Ele está no outro telefone, chame mais tarde, aguarde que o seu João vai entrar em contato com você e lero-lero e rebola-bola você diz que tá-e-não-tá.
O telefone 0800-151.151 da Transbrasil em São Paulo (Reserva) responde sempre com uma gravação: “todas as nossas linhas estão ocupadas, queira aguardar”, seguida de uma musiquinha irritante, com uma letra surrealista, jurando que a empresa é o máximo. Depois de inúmeras tentativas, finalmente um funcionário ouve a queixa e responde:
- Infelizmente o voo do dia primeiro de fevereiro para Manaus está fechado. Nada posso fazer.
Desta forma, os direitos do consumidor e do cidadão são pisoteados pela Transbrasil. Aos passageiros enganados – coitados! – que viveram o pesadelo fica a possibilidade de procurar os seus direitos na Justiça, em processo lento, demorado e caro. Ou então procurar os jornais e abrir o berreiro: Cuidado com a Transbrasil.
Quando me foi relatado o fato, pensei: “A Transbrasil vai falir”.