CRÔNICAS

A dama da Carolina

Em: 04 de Fevereiro de 2001 Visualizações: 19503
A dama da Carolina
"Mamá vieja, yo le canto desde aquí
Esta zamba que una vez le prometí"
(Los Chalchaleros)
Para Regina e Lizoca, sua última filha
 
"O Taqui Pra Ti vai voltar", eu falei, disfarçando o entusiasmo, como quem quer fazer uma sondagem. Era véspera de natal. Dona Elisa, do fundo da rede, sorriu. Ela estava bastante doente mas, afinal, tinha três motivos para alegrar-se com a notícia: era uma leitora fiel da coluna, um elo com os demais leitores e um personagem, inspirado no trabalho do humorista Henfil, que na época da ditadura militar divulgava nos jornais cartas de sua mãe, reais ou não, como forma de burlar a censura.
 
A Crítica publicou as primeiras crônicas em 1983 e, desde então, Dona Elisa não perdia uma. Gostava de ouvir a leitura, feita por uma das filhas.
 
- Repete, repete essa parte -  ela pedia, quando seu nome era citado, comentando a situação política, problemas da cidade ou os grandes temas nacionais. As frases atribuídas a ela eram mesmo quase sempre de sua autoria, ditas em conversas nas reuniões familiares. No entanto, a partir de 1987, quando a coluna passou a ser enviada do Rio de Janeiro, ela se surpreendeu algumas vezes ao ler palavras que não havia dito, mas que, com boa dose de humor, admitia ter pensado.
 
Todos os domingos, religiosamente, trocávamos figurinhas, em prolongados telefonemas interurbanos que alimentavam a coluna. Às vezes, dona Elisa criticava o estilo ou a escolha de temas. No entanto, ficava toda prosa quando ouvia algum elogio na porta da igreja ou de algum vizinho da Rua Carolina das Neves, no bairro de Aparecida. Ela, então, dava dicas e transmitia recados:
 
- Meu filho, o Estevinho e a Dandãe pediram pra você escrever mais sobre esse espanhol que cantou no Teatro Amazonas.
 
Estevinho é o cantor Estevão Santos. O espanhol é o tenor José Carreras. E Dandãe, ora, é a Dandãe.
 
Mãe Coragem
 
Dona Elisa, no entanto, guardou para si vários recados sinistros. Um deles foi em abril de 1996. O telefone tocou em sua casa, ela atendeu e ouviu uma voz feminina berrando palavrões impublicáveis. Cortou, enérgica:
 
- Desculpa, mas estou de saída para a igreja -  o que era verdade. A voz aloprou:
 
- Olhe, sua vaca, cuidado que a senhora pode não voltar. É um aviso. Diga isso pro seu filho jornalista.
 
Só que ela não disse. Recebeu várias mensagens anônimas com esse mesmo tom, mas não falou nada. Até que um dia, uma filha, que a visitava, atendeu o telefone e, por casualidade, ouviu as ameaças. Aí ficou sabendo que não era a primeira vez. Apavorada, deu o alarme geral, avisando pra toda família:
 
- Estão ameaçando de morte a mamãe!.
 
Fiquei gelado. Podia não ser um blefe, porque havia precedentes. Acontece que a coluna, durante treze anos, se bem havia ganhado leitores fiéis, havia também conquistado alguns inimigos, pelo papel fiscalizador que exerceu em casos que comoveram a nossa sociedade, como o crime do colarinho verde na SUFRAMA, os ressarcimentos médicos na Câmara Municipal, o nepotismo no Tribulins, a ação dos grupos de extermínio, o pisoteamento dos direitos humanos, as fraudes eleitorais, a corrupção em diversos escalões do governo e toda sorte de maracutaia. Pessoalmente, havia recebido duas cartas anônimas com ameaças. Não dei bola. Mas agora, era diferente. Liguei, em pânico, repreendendo-a:
 
- Por que a senhora não me avisou? A Preta me contou tudo.
 
- Meu filho. Tu sabes como tua irmã é. Não te preocupa comigo. Quem tem fé, não tem medo. Tenho a proteção DAQUELE lá de cima. Esse pessoal não mata nem um prato de feijão. Eles querem é te intimidar.
 
Preferi, por via das dúvidas, dar uma aliviada. A crônica seguinte, inofensiva, ficou recheada de pura abobrinha. Dona Elisa, então, não esperou o domingo. Telefonou, no meio da semana, de manhã cedinho, indignada:
 
- José, você leu A CRÏTICA de hoje?
 
Naquela hora, era impossível encontrar um jornal de Manaus numa banca do Rio. Ai, ela leu para mim, por telefone, com a voz tomada de emoção, a notícia de que Conceição Lins (PFL - Viche! Viche!) havia dado uma porrada na vereadora Vanessa Graziottin( PC do B). Descreveu a foto da agressora e seu sorriso de deboche. Pediu que eu escrevesse sobre o assunto. Com as ameaças anônimas ainda frescas, dissimulei:
 
- Os Lins querem é aparecer. Não vale a pena fazer o jogo deles.
 
Ela não se deixou enrolar. Parecia personagem de Bertold Brecht. Foi contundente:
 
- Meu filho, essa moça não pode apanhar sozinha.
 
Concordei, mas propus um adiamento. Dona Elisa arrematou:
 
- Se você não escrever agora, vão pensar que você está com medo.
 
E estava mesmo. No entanto, como sai daquele útero, tive de provar que era filho da mãe. Escrevi naquele momento a crônica: "Quem deu o coice na Vanessa?"
 
O Filho da Mãe
 
As ameaças, sempre anônimas, se repetiram, até que, em janeiro de 1997, o verbo se fez carne. Existem fortes evidências de que Ronaldo Tiradentes, o Alferes Trambiqueiro, então secretário de comunicação do Governo Amazonino Mendes, por iniciativa própria ou não, pagou para me seguirem no Rio de Janeiro. Fui fotografado entrando no meu edifício, caminhando no calçadão, saindo do supermercado. Sofri um atentado na fila de uma padaria de Niterói e dias depois o carteiro entregou em minha residência, um envelope enviado de Manaus com as fotos, inclusive aquela em que aparecia desmaiado, depois do soco que me deram pelas costas. Um bilhete prometia:
 
- "Essa é a primeira lição. Aguarde a segunda".
 
Minhas irmãs decidiram não aguardar. Elas, na verdade, não formam um família, mas uma tribo: bate em um, dói em todos. Formaram um conselho tribal para me dar proteção. Um batalhão delas - são nove, mas quando inflamadas valem por dez mil - invadiu a casa da Carolina das Neves. Algumas choravam. Uma delas, descabelada, reclamou da minha teimosia e exigiu dramaticamente a intervenção materna:
 
- Ele só ouve a senhora. Mande ele parar. Isso é um suicídio! Esses caras são bandidos.
 
Dona Elisa escutou tudo, caladinha. Tranqüilizou as feras:
 
- Pode deixar, vou tomar providências.
 
Tomou. No dia seguinte, telefonou:
 
- Tuas irmãs acham que é mais prudente dar um tempo.
 
Ainda bem. Respirei aliviado. Já havia até me antecipado, comunicando a alguns amigos a interrupção temporária da coluna por pressão familiar. Ela prosseguiu, serena:
 
- Não dormi nada. Passei a noite rezando e meditando. Pedi a Deus que me iluminasse e agora, meu filho, quero te contar o que conversei com Ele.
 
A sua voz era cautelosa, sensata, apaziguadora. Falou muito bonito: que a coluna Taki Pra Ti conseguia expressar o que estava engasgado na garganta de muita gente, que eu não podia trair essas pessoas, que as crônicas defendiam o que era correto e justo, mas se eu achasse que devia parar, fizesse então o que mandava minha consciência. Aí sua voz virou brasa ardente:
 
- No entanto, o conselho que lhe dou é esse: NÃO PARE DE ESCREVER, meu filho. Não conceda esse poder a ninguém. Não tenha medo. O que é que eles podem fazer contra você? A pior coisa seria te matarem, mas aí - eu te asseguro - você ganha a vida eterna.
 
Um frio percorreu minha espinha. A vida eterna, confesso, não estava nos meus planos imediatos. Queria curtir ainda um pouco mais essa atribulada vida terrena, provisória, aqui neste vale de lágrimas. Não tenho vocação para Santa Joana D'Arc de igarapé. No entanto, o que farias tu, leitor (a), se tua mãe saísse por aí, com um trabuco na mão, disparando? Pois é. Foi o que fiz. As crônicas continuaram por mais cinco meses, até que foram interrompidas, em junho de 1997, por razões alheias à nossa vontade.
 
O dom de narrar
 
O convite para retomar a coluna Taqui Pra Ti, neste último natal, encontrou dona Elisa com as pernas paralisadas por um acidente vascular cerebral, ocorrido em setembro de 1999 que, no entanto, não lhe tirou o brilho dos olhos, a lucidez e o humor. Foi nessa época que ela deixou sua casa da Carolina, no bairro de Aparecida e foi morar com uma filha no Conjunto Acuaricuara. Desde então, nossas conversas passaram a ser diárias. Depois da novela das oito, o telefone tocava, ela identificava a ligação interurbana e já sabia quem era. Atendia e jogava o jogo.
 
- Alô! De onde fala?
 
- Aqui é da Clínica dos Arigós.
 
- Por favor, meu bem, me chama a paciente da rede nº 83, na ala B da Enfermaria.
 
- É com ela mesma que você está falando.
 
A "clínica" era sua nova residência e a "enfermaria" era o seu quarto arejado, de janela aberta para um quintal com mangueiras. No entanto, sua rede continuava sendo uma rede. Não aceitava trocá-la por uma cama, nem de brincadeira. Por isso, o nosso hospital imaginado, construído em parceria, não tinha leitos. Parecia motor da linha: cheio de redes. "Coisa de arigó", dizia e ríamos, cúmplices.

Com o tempo, esse faz-de-conta foi perdendo a graça, mas ainda assim, nossos papos telefônicos diários sempre iniciavam pela celebração do mesmo ritual. Dona Elisa prosseguia cultivando o seu dom de narrar histórias, que tanto encantara a nossa infância. Tinha uma fala agradável, bem humorada, às vezes levemente irônica. Não descrevia, "descrevivia", vivendo cada lance da narrativa. O mundo visto da sua rede ganhava cores, sabor, cheiro, como o aroma da pimenta murupi, que ela curtiu até o fim.

Noticiava tudo: "Hoje foi dia da fisioterapia", contava, imitando o sotaque da doutora Anilda Ramalho uma adorável paraibana. "O japonês passou uma hora segurando minha mão": Era o doutor Massanobu Takatani, que lhe transmitia segurança. Acompanhava o noticiário local e nacional pela TV. Mantinha suas antenas ligadas durante as visitas dos filhos, netos e amigos, ouvindo conversas, registrando fofocas, captando emoções. Depois, reproduzia as melhores ao telefone, temperando-as com pinceladas dramáticas e picantes. De um genro, ela me contou, com a voz resfolegando, rouca de catarro, dois dias antes de ser intubada com sonda e balão de oxigênio:

- Teu cunhado veio me visitar hoje. Achei meio estranho, porque ele começou a rodar a mão espalmada em volta da minha cara. Eu hein! Fixei os olhos nele, acompanhando aquela papagaiada. Aí, né, ele perguntou em voz alta, separando as sílabas devagarinho: "a sen-ho-ra es-tá me re-con-he-cen-do?" Sabe, meu filho, eu dei o troco no mesmo tom: "vo-cê não é o ju-iz Ni-co-la-lau?". Ele não entendeu nada, capinou do quarto, escafedeu-se. Aí, eu morri de rir e disse pra tua irmã em tom de brincadeira: "Teu marido continua leso e abestado".
 
O prazer de escutar
 
Sua capacidade de escutar, que é uma qualidade de todo bom narrador, era uma de suas maiores virtudes e talvez fonte de sua sabedoria. Seus olhinhos azuis bem acesos acompanhavam atentamente quem falava. Tinha o prazer da escuta: passava horas, seguindo com interesse o que outras pessoas diziam. Nunca interrompia o seu interlocutor. Com muita paciência, ouvia até o final, inclusive os maluquinhos da família, que não são poucos.

Nas quartas-feiras, no entanto, no telefone, ela falava mais do que ouvia. Era o dia da costura de enxovais para gestantes pobres e distribuição de mamadeiras, fraldas, pipos, sabonetes e batinhas para suas buchudas, muitas delas mães-solteiras. Depois da doença, com a mudança de bairro, dona Elisa tinha de se deslocar, numa cadeira de rodas, para a paróquia de Aparecida. Era uma festa, porque ela revia as "meninas da costura". Registrava a presença de cada uma: Mariazinha Ventura, dona Alair, Leonilce, Lena, Amazonina, Dile, Doquinha (irmã do Zé Vitamina), Marlene, Zenir Magalhães, a tia do Rubi Rola. A lista de nomes transmitida por telefone era longa. Parecia o "Bazar" do Limongi, aos sábados, com o mesmo sentimento canino de lealdade aos amigos.

De vez em quando, a lista aumentava com notícias da Geni, Cleontina, Selma, Georgina, Maria do Carmo e todo o pessoal da igreja, com quem ela havia trabalhado na catequese ou na Pastoral dos Enfermos. O Pascoal? "Me visitou ontem, deixando comigo um pouco de sua alegria". O padre Marcos? "Ofereceu em minha intenção as dores que sente no joelho". O Carlos? "Pipocou erisipela na perna dele, meu filho, por causa dum pato no tucupi que ele comeu na casa do Júlio Torres. Eu disse pra ele: padre Carlos, o senhor é muito guloso". E o Martin? "Todo dia reza por mim na Rádio Rio-Mar". Às vezes, radiante, ela resumia os e-mails que recebia do Leonardo, lá dos Estados Unidos.
 
Nunca esqueceu o seu sofrimento de viúva pobre, usando-o para diminuir o sufoco dos outros. A pauta de nossas conversas incluía, por isso, a distribuição mensal de ranchos para 35 carentes, dos quais 27 eram de responsabilidade da Paróquia, mas oito eram atendidos pessoalmente por ela, com a pensão do finado Barbosa e ajuda de alguns amigos. Fazia isso, comandando, do fundo da rede, as tarefas práticas, assumidas por um dos netos, de fiscalizar se o jabá ia mesmo no sacolão. Na simplicidade desses pequenos gestos ia construindo a grandeza da solidariedade.
 
O adeus
 
Num período de quase ano e meio, diariamente, antes de desligar o telefone, eu pegava carona na sua fé e rezávamos, juntos, uma oração a Nossa Senhora da Saúde. Dava um alívio danado. Demorei em perceber que, para dona Elisa, o resultado da oração conjunta não era ela ficar boa, mas eu reaprender a rezar, porque até então, como o caipira, eu só queria mostrar o meu olhar.

Conversas e preces diárias via Embratel se repetiram infinitas vezes, invocando Nossa Senhora Aparecida, mas às vezes - de acordo com o país para onde o trabalho me levou nesse período - a Virgem de Guadalupe, de Lourdes, da Cracóvia e até mesmo São Francisco Xavier, que morreu no Japão.
 
Pouco antes do Natal, viajei para Manaus e acompanhei, de perto, a resistência da dona Elisa. Aprendi a instalar um balão de oxigênio, a ler um oxímetro e até a usar o aspirador de catarro, responsável por uma operação dolorosa, mas necessária. Ela enfrentou derrame, paralisia, pneumonia, convulsões e novos acidentes vasculares cerebrais, com serenidade, resignação e muita fé. Quando podia, com humor. A uma filha mais sensível, teve ainda tempo de dizer:
 
- Estou morrendo. Não quero escândalo. Controle sua dor, dona Ângela. Contenha-se.
 
Este foi o sinal para desativar a Clínica dos Arigós. A rede nº 83 foi desarmada. Dona Elisa - 13 filhos, 52 netos, 43 bisnetos e 3 tetranetos - despediu-se de todos e foi-se embora, segurando minha mão, conforme havíamos combinado. No dia 7 de janeiro último, um dia após a Festa de Reis, a dama da rua Carolina das Neves consentiu, finalmente, em morrer. Ela ia completar, em março, 84 anos. Esta coluna perdeu a sua principal interlocutora.

Saudades de sua voz rouca, de suas histórias, de seus gestos, "do veludo macio escondido na sua pele enrugada", dos olhinhos azuis e da cara de moleque que ela fazia quando aprontava alguma travessura, do batonzinho que passava nos lábios antes de ir à missa, da nossa parceria, da sua militância, da sua consciência de cidadã, da sua sede de justiça, do seu viver para os outros, da sua fé que lhe dava uma coragem quase suicida, da sua sabedoria, dos nossos papos, do seu humor, da cumplicidade criada numa simples troca de olhar.
 

Desde que me entendo, o meu maior medo era o dia em que teria de escrever essa crônica. Achava que não iria conseguir. Foi o parto mais difícil da minha vida, mas afinal sou filho dela. Taí prá ti, leitor (a).

 

QUINZE ANOS DE SAUDADE

Ana Paula Freire Artaxo - 07 de Janeiro de 2016
 
Hoje faz mais um ano. O 15º. E é a primeira vez que eu consigo escrever algo sobre ela sem chorar...Minha ligação com ela era muito forte - a neta "preferida" (ok, ela devia fazer as outras se sentirem assim também) para quem, às terças, dia de feira, ela comprava manga e biribá. Tinha também a sardinha frita no almoço, com aquele feijão delicioso e único! Eu sempre perguntava quais eram os ingredientes que ela colocava e que davam aquele sabor diferente, e ela sempre respondia: "Tudo". E não revelava.
Quando d. Elisa caiu muito doente, naquele 22 de setembro de 1999, um ano e três meses antes de partir, eu achei que ela iria morrer. E eu também. Na verdade, eu quase morri, mas de chorar. A ponto do então diretor de Redação de A Crítica me dispensar do trabalho, devido ao meu estado. Mas aquele fora apenas o susto inicial, o primeiro de muitos, o começo de um "preparo" que durou 15 meses, e que ela sabiamente "armou" com os lá de cima para nos deixar mais serenos.
Ela era linda, estilosa, parecia uma dama, pinta de rica (não que isso importasse), embora tenha passado grande parte de sua vida vivendo na extrema pobreza, lutando sozinha para sobreviver com seus 12 filhos (na verdade, 13, mas um partiu bem novinho) - meu avô foi bem mais cedo. Criou e educou todos, e foi exemplo para nós e para muita gente que a conhecia. Sua porta sempre estava aberta a quem pedisse comida, sempre era possível dividir um pouco mais. Por isso, era muito querida na rua que hoje leva o seu nome e no bairro inteiro de Aparecida.
Compartilho aqui dois momentos lindos, quando ela partiu. O primeiro foi na missa de corpo presente, celebrada por um inspirado Paschoal e mais quatro padres, todos amigos. Eram cinco, porém havia seis cadeiras no altar. Na homilia, Paschoal prestou a sua homenagem, e também contou aos presentes - igreja absolutamente lotada - que Dom Jackson Damasceno, que fora bispo auxiliar do Amazonas, toda vez que encontrava minha avó, dizia: - Elisinha, quando tu morreres, eu quero celebrar a tua missa de corpo presente.
Quis o destino que Dom Jackson partisse antes. E, naquele momento, Paschoal, olhando para a cadeira "vazia", falou: - Seja bem-vindo, Dom Jackson.
Até hoje me arrepio...
O outro momento foi quando o carro funerário levando seu corpo passou na rua da Igreja, e em todas as portas e janelas havia uma pessoa balançando um lenço, uma toalha ou qualquer outro pedaço de tecido, como que prestando a sua última homenagem à dama da Carolina (das Neves, nome da rua que ela morava, antes da mudança para Rua Elisa Bessa).
Há duas semanas, em San Francisco, dei de cara com uma senhorinha muito parecida com ela, que me olhou e sorriu gratuitamente - norte-americanos não sorriem para estranhos gratuitamente, em geral. Fiquei tão impactada com o doce e inesperado sorriso e com a semelhança, que achei um jeito de enquadrá-la numa foto, com o pretexto de registrar a decoração. Mandei a foto pro zap da família e todos sentiram da mesma forma. Por um breve momento, eu vi minha vozinha olhando para mim.
Eu falei que não iria chorar. Não deu. Paro por aqui.
Onde estiveres, continua olhando por mim, vozinha querida.
 
Em 2024 a Escola Elisa Bessa Freire passou a ser denominada Escola Bilíngue Francês-Português Elisa Bessa Freire
 
 
O ARCO-IRIS DA MINHA AVÓ
Paulinho Kokai
 
Quando eu era criança vi pela primeira vez o arco-íris. Tinha acontecido um temporal, a cidade estava escura. Quando o sol apareceu, ouvi minha avó Elisa Bessa Freire me chamar para ver o arco-íris. Fiquei impressionado. Aquelas cores em conjunto saindo da terra, fazendo uma curva e caindo por trás do rio. Como todo menino curioso, comecei a fazer perguntas: onde ele nascia? Onde era o fim dele? Quem pintou o arco-íris? Por que não tinha preto? E minha avó tentava me responder a todas as perguntas. Até que ela me disse que o sol era o responsável pelo aparecimento do arco-íris. Por isso que ele só aparecia durante o dia. E eu perguntei: “então a lua nunca pode ver o arco-íris?”
E minha avó sorriu e me disse. Não é bem assim. Vou te contar um segredo. O arco-íris é a lua disfarçada. Só assim ela pode aparecer para o sol. E toda vez que chove muito é o choro da lua chamando o sol.
Nunca havia contado esse segredo a ninguém. Guardei até hoje. Minha avó já está no céu, junto à lua, ao sol. Ela tinha os olhos muito azuis. Hoje, quando olho o arco-íris vejo que o tom de azul brilha mais que as outras cores. Não sei não, vou contar outro segredo. Acho que é a minha avó disfarçada de arco-íris, brilhando seus olhos azuis.
Hoje faz 21 anos que a minha avó foi encontrar-se com Deus. Muitas saudades!!

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18 Comentário(s)

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Geroncio Rocha comentou:
20/06/2024
Amor de mãe = amor de filho.
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Nuno Pereira comentou:
23/03/2024
Textos que revelam profundo e eterno amor filial. Que doçura deve ter sido D.Elisa Parabéns Bessa
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Armando Barrella comentou:
09/05/2021
Tua mãe era uma figura, gentil e discreta. Lembro criança em deixar pão na casa dela de manhã bem cedo e gritar em alto e bom tom, "Dona Elisa, o pão!". Ela jogava pela janela do seu quarto uma sacolinha, amarrada a uma corda, e eu o colocava dentro. Anos depois, soube que tua irmã Maria do Céu ficava tiririca quando eu gritava. Fato este narrado pela própria Céu, a qual falava que tua mãe a repreendia, dizendo "deixa o menino". Dona Elisa nunca me contou que os meus vocativos, às seis da manhã, na porta de sua casa incomodava, a Céu!
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Rodrigo Martins comentou:
09/05/2021
Um feliz dia das mães para a Dona Eliza e para todas as mamães! Um abraço querido professor!
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Ana Silva comentou:
09/05/2021
Colinho gosto, hein! Linda, linda...
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Ayalla Oliveira Silva comentou:
22/10/2017
Que crônica linda! Obrigada, professor Bessa!
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Iamara Ribeiro · comentou:
22/10/2017
Lia suas crônicas junto com alguns colegas lá na Assembleia Legislativa, minha Diretora consentia, e nas suas crônicas , o senhor falava dela de uma forma tão bela, tão singela, que parecia que nós a conhecíamos. Dona Elisa é dez!
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Dilma Montezuma Afonso comentou:
06/01/2014
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Raymisson Mendes comentou:
06/01/2014
parte da minha família que nem conheço, conheci através do texto do José Bessa, em que descreve Dona Elisa!
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Preta comentou:
06/01/2014
A qual família você pertence?
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Raymisson Mendes comentou:
05/01/2014
É simplesmente inacreditável como existem pessoas da família que você nunca ouviu falar e quando ela uma descrição, quase que uma biografia da sua doce e sincera personalidade, a gente percebe que as raízes de batalha da família formaram pessoas sensacionais como essa senhora e quem a descreve, muito bom mesmo!
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Cesar Baía comentou:
05/01/2014
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Robson Rogério Teles Bezerra comentou:
09/02/2013
D. Elisa, uma lição de justça e solidariedade, imagina o povo pobre sem a defesa intransigente do Taquiprati, vc é nossa voz e vez contra os sacanas babacas, que usurpam nossas chances de lutar por uma vida com dignidade
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Robson Rogerio Teles Bezerra comentou:
09/02/2013
Professor Ribamar Com os nossos pais, aprendemos o quanto é bacana, ser justo e honesto, o quanto é legal lutar por justiça
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Fabio Alencar comentou:
23/07/2012
Estou lendo "Essa Manaus que se vai" como quem come em restaurante de luxo. O prato é bom, gostoso, mas a porção é pouca, bem menor que a fome. Assim sendo, é preciso ir degustando aos poucos, ruminando cada pedacinho, porque acaba logo. Assim sendo, enquanto alguns leitores afoitos já cobram um novo livro, estou chegando agora na página 141...Resolvi registrar aqui este momento porque, assim como as carteiras de cigarro trazem avisos com fotos chocantes, tal livro deveria ter um aviso enorme na capa dizendo: "Para os que conheceram Dona Elisa e têm vergonha de chorar em público, recomendo ler "A dama da Carolina" em local reservado, para poder se debulhar em lágrimas sem qualquer freio". Calhou de ler esse capítulo do livro na SUFRAMA e doeu demais engolir o choro. Gostaria de estar em casa para poder homenagear esse texto com uma (várias, na verdade) saudosa lágrima... Ô, Nirou!
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Preta comentou:
05/01/2014
Ainda bem que a estou relendo em meu quarto e posso deixar a emoçao tomar conta de mim!
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Grace comentou:
14/03/2011
Até mesmo num momento difícil, a história foi contada, com toque de humor, tornando a dor mais leve, mesmo porque ela não passa nunca.
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