O ano era 1976. Época do “milagre econômico”. O general Ernesto Geisel, presidente da República (ARENA – viche! viche!), visitava Manaus para inaugurar o aeroporto Eduardo Gomes. As autoridades locais disputavam para ver quem puxava mais o saco do ditador. O vencedor foi o coronel de artilharia Jorge Teixeira, prefeito biônico da cidade. Conto o caso como o caso foi.
Geisel padecia de fotofobia. A missão do coronel Teixeira – positivo e operante – era evitar que o general pegasse sol, numa programação que previa desfile em carro aberto saindo do Hotel Tropical. Acontece que Teixeirão, como prefeito, havia usado sua artilharia para fuzilar as árvores da cidade, porque achava que mato e igarapé significavam atraso. A Ponta Negra estava careca, sem um mísero arbusto para dar sombra. O que fazer?
Os nativos tinham um know-how bajulatório para casos similares. Numa gripe do Amazonino, o alferes Ronaldo Tiradentes despiu-se de sua camisa para cobrir a cabeça do chefinho. Robério Braga acompanhava Paulo Nery pra cima e pra baixo com um guarda-chuva aberto. Teixeirão preferiu plantar, da noite para o dia, centenas de palmeiras adultas nas duas margens da estrada da Ponta Negra.
Gastou os tubos, mas ficou uma beleza. Quando o general Geisel saiu do Hotel Tropical, depois de um rápido banho na praia da Ponta Negra, parecia Jesus Cristo no Domingo de Ramos. Percorreu o trajeto de 8 km dentro de um ´túnel´ de palmeiras. Os batedores que iam à frente, em motocicletas, abriam caminho num bosque que havia surgido milagrosamente. Na comitiva, o único que percebeu a farsa foi o ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli.
Logo após a decolagem do avião de Geisel, caiu um toró amazônico. Soprou um ventinho furreca, de velocidade moderada, mas o suficiente para derrubar TODAS as palmeiras. Elas não estavam enraizadas, não eram dali. O falso cenário desapareceu num piscar de olhos, não durou 24 horas. Manaus voltou a ser o deserto de antes. As árvores desobedeceram às ordens de seu agressor.
Chupskão & Thomsen
Relembrei essa história quatro anos depois, em ato público realizado na Praça da Matriz, no dia 26 de março de 1980, organizado pelo Movimento de Defesa da Amazônia, sob o comando do combativo Eron Bezerra (PC do B). Meu discurso começava assim:
“Art. 1º - Fica decretado a prohibição, dentro de Manaus, do corte das sorveiras, pajurás, umiry, muruxy, cumarú e outras árvores cujos fructos sejam de uso da população ou utilidade do comércio. O infractor incorrerá na multa de 15$000 réis ou cinco dias de prisão, por cada árvore que derrubar e o dobro na reincidência”.
“Art. 2º Fica decretado a prohibição das derrubadas das matas ou cortes de árvores no leito dos igarapés que ficam dentro dos limites da capital, a um espaço de vinte braços aos lados do mesmo leito. O infractor incorrerá na multa de 30$000 ou oito dias de prisão e o dobro na reincidência”.
O que vocês acabaram de ouvir – falei naquela ocasião - não é um poema do Thiago de Mello, não é um sonho do futuro. Trata-se de uma lei aprovada em 1863 pelos deputados do Amazonas, registrada nos Anais da Assembléia Legislativa Provincial.
Se esta lei continuasse valendo, o que aconteceria com o ex-prefeito de Manaus, coronel Jorge Moto-Serra Teixeira? Em 1980, não sabia responder. Mas agora, a coluna Taquiprati consultou os mestres em Estatística pela Universidade Federal de Minas Gerais, Geraldo Lopes de Souza Jr. e Max Souza.
Os dois Souza calcularam a área desmatada por Teixeirão, aplicaram o modelo estatístico Chupskão and Thomsen, combinado com o método de varredura circular de Birigui & Balbino. Depois de uma análise oscilográfica, chegaram à conclusão arrasadora: Teixeirão pegaria pelo menos – por baixo – 1.273 anos, 8 meses e 16 dias de cadeia.
Mudas que falam
Essa lei antiga, de 1863, foi logo revogada. Não temos notícias de alguém preso por cortar árvores no perímetro urbano de Manaus. No entanto, leio aqui no nosso Diário do Amazonas que agora a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) contratou a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) para produzir 660 mil mudas de árvores, que serão usadas na arborização da cidade.
A idéia é reparar o crime cometido pelos teixeirões da vida. De início, a cidade vai gastar R$ 3,6 milhões para produzir e distribuir mudas e recuperar áreas degradadas, áreas verdes, parques e similares. As mudas virão da Fazenda Experimental da UFAM, à margem esquerda da BR-174. Serão plantadas nas praças, ruas e avenidas e também distribuídas para a população usar em seus quintais. Tudo isso será feito em dois anos.
A secretária da Semma, Luciana Valente, anunciou que a meta do prefeito Serafim Corrêa é plantar l milhão de árvores até o final do mandato. Essa é a melhor notícia que a cidade recebeu nos últimos tempos. De repente, a população começa a ver pra que serve a Universidade do Amazonas e a Prefeitura de Manaus.
Se a Prefeitura, a UFAM e a população conseguirem enraizar um milhão de árvores na cidade, as mudas vão falar e Manaus voltará a ser outra vez o belo jardim que outrora foi. Além de melhorar a qualidade de vida, esse será um processo de educação para a cidadania. Quem sempre andou debaixo do sol, não sabe que tem direito à sombra. Mas uma vez conquistado esse direito, as pessoas saberão lutar para mantê-lo. Manaus merece sombra e água fresca.
P.S. Lá se foi o nosso Gabriel. Seu nome indígena era Séribhi. Mas foi batizado na igreja com nome de anjo gentil, de santo. Gabriel dos Santos Gentil, índio e sábio tukano, voltou, na semana passada, para os braços de ´Ye´pá, como escreveu Elaíze Farias, num belo artigo nesse Diário. A gente perde um amigo. Os tukano perdem um kumu, um pajé. O Amazonas perde um pesquisador, um intelectual. O Lago do Leite recupera seu filho.