CRÔNICAS

De volta ao lar no Chile: a nossa cetutxiá (versión en español)

Em: 01 de Outubro de 2023 Visualizações: 4240
De volta ao lar no Chile: a nossa cetutxiá (versión en español)

Si van para Chile / les ruego viajeros / visiten las casas / donde vivieron.

(Paródia da canção “Si vas para Chile”)

Foi o que fizemos alguns de nós ex-exilados no entremeio da agenda oficial da Comitiva Viva Chile: visitamos as pensões onde moramos, percorrendo os caminhos da memória. O que buscávamos, na verdade, era a cetutxiá - assim os Fulniô de Pernambuco, denominam “moradia” na língua Yaathé. A tradução  mais próxima é “lar” e não “casa”, cetutxiá não é um imóvel, que se pode vender, mas um lugar inegociável de alegria, de afeto, de paz e serenidade.

Com fixação obsessiva pelas lembranças das diversas cetutxiás que me abrigaram ao longo da vida, cada vez que retorno a Manaus faço o longo trajeto do aeroporto até o bairro de Aparecida. Somente para contemplar a casa onde nasci e vivi: um lugar de alegria, ao menos nas lembranças seletivas e idealizadas da infância, localizada no Beco da Bosta, onde jogávamos bola driblando o esgoto a céu aberto. Foi isso o que ocorreu  agora, no Chile, na busca das cinco cetutxiás por onde passei.

Na chegada a Santiago, em outubro de 1969, houve a acolhida da dona da pensão da rua Dieciocho, 48 com panqueca salpicada de mel no café da manhã. Algumas recordações e sentimentos se embaralham. Como esquecer o cheiro de óleo de peroba exalado pelo assoalho de madeira brilhante da sala da pensão, se era com esse óleo que a Das Dores, nossa vizinha de infância, hidratava os seus longos cabelos negros espalhando o perfume por todo o beco?  

Às vezes, a memória olfativa do passado é mais forte do que a experiência do presente, explode o tempo e a geografia. Não lembrava mais como era a fachada original do prédio em Santiago, que deixou de ser pensão. Mas quando posei agora diante dele para uma foto, juro - quero ver minha mortinha no inferno se minto - que senti o aroma dos cabelos da Das Dores vindo lá de Manaus.

Aquisito nomás

Foi curta a passagem pela “Dieciocho¨. Almino Afonso, o Demóstenes do Alto Purus, então consultor da OIT - Organização Internacional do Trabalho, logo me encaminhou, através da “Caixinha”, para outra pensão na rua Michimalongo, 141, com 3 quartos e 12 camas ocupadas por brasileiros. Meio século depois, marcamos, no sábado (16), uma visita em companhia do cineasta Silvio Tendler, que lá morou e está dirigindo documentário sobre a memória, com foco sobre exilados no Chile.

Depois de mais de meio século, a casa mudou, mas as recordações ficaram. Lembramos da doce Juanita, a empregada mapuche, que nos servia cazuela ou paila de huevos no almoço; de dona Adriana, a proprietária, que preparava o pastel de choclo e de seu marido, don Carlito, que retirava os penicos dos quartos e jogava seu conteúdo na rua.

- A pensão era um enclave do Brasil em pleno Chile. Recém exilado, eu aprendia a língua aquisito nomás - disse Silvio, apontando a casa e completando: - Aqui  testava novos sabores e outros cheiros.

Dona Adriana sempre amanhecia gritando, dando esporros na Juanita, mas nos raros dias em que despertava cantarolando, don Carlito assobiava uma cueca. O titiriteiro Euclides, colega de quarto, vaticinava em portunhol com um trocadilho pornográfico:

-  Esta noite, don Carlito pediu papa em bar e convidou dona Adriana: “Si tú me amas como yo te amo, amémonos por donde meamos”.

Na conversa diante da antiga pensão, o sacana do Sílvio confidenciou para minha filha algo já narrado com detalhes, em 2012, na crônica Na cama com Silvio Tendler:

 - Nesta casa, seu pai e eu dormimos na mesma cama. Posso ser sua mãe. Exijo, embora tardiamente, um exame de DNA.

Não foi preciso. Ao se despedir, Maria José retomou costume antigo e pediu:

 - Sua bênção, mamãe!

Vovô Salvador

O cineasta antes de abençoar mostrou foto do dia anterior, na qual aparece ao lado de Márcia Allende, neta do ex-presidente, na casa onde viveu o avô dela. Com uma cara de desembargador, sentenciou:

-  Devolva imediatamente as moedas roubadas do cofre da Márcia.

A sentença me fez voar para outra cetuxiá. Isabel Allende, mãe de Márcia, viajou de férias e cedeu por um mês seu apartamento em uma torre do bairro da Providencia a Thiago de Mello e Lurdinha. Aceitei o convite para passar a temporada com eles. Num fim de semana, o poeta viajou para Valparaíso. Seu filho Manduka e eu ficamos sozinhos, nada havia para comer e estávamos sem um escudo, a moeda chilena da época.

Foi aí que vimos o cofrinho. Na realidade, não pertencia à Márcia, que nem era nascida, mas a seu irmão Gonzalo, então com quatro ou cinco anos. Com um arame, retiramos as moedas, o suficiente para comprar um pacote de macarrão, que matou nossa fome. Posto que Thiago no seu retorno repôs as moedas, não procede a sentença prolatada pelo desembargador Tendler. Era ab re esse como diria o jurista de nome retumbante, Orozimbo Nonato, ex-presidente do STF.

Da Michimalongo refiz o trajeto percorrido diariamente há meio século com o titiriteiro Euclides até a Biblioteca Nacional, lá ele pesquisava sobre teatro de bonecos e eu devorava literatura hispano-americana. Daí, um pulo à rua San Diego, 245, ao lado do qual se instalou depois uma farmácia, em frente ao Teatro Cariola, onde outro amigo, Tarcísio Lage, hoje residente na Holanda, alugou apartamento, que compartilhou generosamente comigo. Se esse apartamento falasse, Tarcísio, que estava na comitiva do Viva Chile, seria deserdado por sua mãe dona Feliciana, lá de Abaeté (MG), católica apostólica romana, que rezava diariamente o rosário pela alma de seu filho. Em vão.

Fijáte

A pensão da rua Grajales foi a última cetutxiá visitada. Fiz questão de fazer o mesmo caminho a pé, quando há mais de meio século descíamos pela Alameda Bernardo O´Higgins. Costumávamos habitualmente acelerar o passo diante da Embaixada do Brasil, um palacete do séc. XIX, protegido com grades de ferro, que ocupa um quarteirão, com outra entrada pela Alonso de Ovalle. O embaixador Câmara Canto, um pilantra a serviço da ditadura, que apoiou o golpe de Pinochet, espionava os exilados brasileiros.

No anexo da Embaixada, funcionava o Centro Cultural Brasil-Chile, que no governo de Goulart, era dirigido por Thiago de Mello e depois foi ocupado por adidos militares. Atualmente leva o nome do poeta: Espacio Cultural Thiago de Mello, onde nos detivemos. Dobramos à esquerda na rua Vergara, três quadras depois, na esquina con Grajales, 1898, estávamos diante da antiga pensão, um prédio de três andares, hoje sede da Facultad de Psicologia da Universidad Diego Portales.  

O prédio agora cinza, antes amarelo, albergava o triplo de hóspedes da Michimalongo, talvez por isso a comida não era tão boa. Minha imaginação entrou por cada uma de suas janelas, invadiu os quartos para ver agora os fantasmas dos exilados com suas histórias e entrou no refeitório. Duas vezes na semana, serviam rim bovino, que não era bem lavado e exibia nervos e gordura, com cheiro duvidoso, que o caldo Maggi e a parca dose de vinho branco não conseguiam dissimular.

Vi a janela do quarto que hospedou Vitório, meu amigo da Casa do Estudante do Brasil, no Rio, que chegou a Santiago com histórias mirabolantes. Na sua fuga, na fronteira com o Uruguai, a polícia brasileira teria atirado nele e em sua companheira. Os dois pularam no rio Jaguarão. “Tchibum” - ela complementava a narrativa dele com o barulho dos corpos caindo na água para dar mais realismo a cena. Era excelente contrarregra, mas não sabia nadar. Ele gritou:

- Pula no toco, minha Nêga.  

E saiu nadando, empurrando o toco: chuá, chuá. A gente se divertia, o casal de imaginação fértil gostava da brincadeira.

A dona desta pensão, cujo nome deslembrei - fíjate - tinha uma espécie de cacoete ao falar - fíjate - equivalente ao nosso “sacou”.  Ela intercalava após uma sequência de palavras - fíjate - a expressão aspirada, que saía lá de dentro da laringe em longo suspiro - fíjate - como se estivesse se afogando - fíjate - e assim retomava o fôlego. Paro por aqui - fíjate - porque leitores que já são raros - fijáte - estão reclamando do textão. Fíjate. Saudades do Chile de Allende, onde antes do terror, foi possível viver - fíjate - em alegres cetutxiás.

Referências do Taquiprati

http://www.taquiprati.com.br/cronica/1713-o-marco-temporal-os-mapuche-e-a-corrida-da-cerca-con-version-en-espa - O marco temporal, os Mapuche e a corrida da cerca (24/09/2023)

http://www.taquiprati.com.br/cronica/1712-flores-para-allende-o-chile-ri-e-canta-abajo-version-en-espa Flores para Allende (17/09/2023)

http://www.taquiprati.com.br/cronica/1711-chile-aos-17-o-casaco-do-thiago-e-a-caixinha-abajo-verson-en-espa Chile aos 17: O casaco de Thiago e a Caixinha (10/09/2023)

http://www.taquiprati.com.br/cronica/1710-indo-recolher-os-passos-no-chile  Indo recolher os passos no Chile (03/10/2023)

https://www.taquiprati.com.br/cronica/1403-te-recuerdo-victor-jara-la-vida-es-eterna - Te recuerdo, Victor Jara: la vida es eterna (08/07/2018)

https://www.taquiprati.com.br/cronica/1052-o-dia-em-que-fiz-um-cafe-para-allende-un-cafecito-para-allende - O dia em que fiz um café para Allende - Un cafecito para Allende (15/09/2013)

https://www.taquiprati.com.br/cronica/1012-na-cama-com-silvio-tendler-  Na cama com Silvio Tendler. (23/12/2012)  

https://www.taquiprati.com.br/cronica/162-um-filho-chamado-manuel- Um filho chamado Manuel (26-11-2006)

https://www.taquiprati.com.br/cronica/1021-dona-taci-a-sabedoria-fulnio - Dona Taci: a sabedoria Fulniô (24/02/2013)

 

El retorno al hogar en Chile: nuestra cetutxiá

José R. Bessa Freire. Tradução: Consuelo Alfaro Lagorio


Si van para Chile / les ruego viajeros / visiten las casas / donde vivieron.
(Parodia de la canción “Si vas para Chile”)


Es lo que hicimos algunos de los ex exiliados brasileños durante el receso de la agenda oficial de la Comitiva Viva Chile: visitamos las pensiones donde vivíamos, deambulando por el camino de los recuerdos. Lo que buscábamos, en efecto, era la cetutxiá - así es como los Fulniô de Pernambuco llaman “residencia” en lengua yaathé. La traducción más cercana es “hogar” y no “casa”, cetutxiá no es una propiedad que se pueda vender, sino un lugar innegociable de alegría, cariño, paz y serenidad.

Obsesionado con los recuerdos de las diversas cetutxiás que me acogieron a lo largo de la vida, cada vez que regreso a Manaos hago el largo viaje desde el aeropuerto hasta el barrio de Aparecida. Solamente para contemplar la casa donde nací y viví: un lugar de alegría, al menos en los recuerdos selectivos e idealizados de la infancia, localizada en el Beco da Bosta, donde jugábamos fútbol esquivando la alcantarilla abierta.  Ahora, en Chile, iba en busca de las cinco cetutxiás donde viví.

A mi llegada a Santiago, en octubre de 1969, la dueña de la pensión de la calle Dieciocho, 48, me recibió con un desayuno de panqueques salpicados con miel. Algunos recuerdos y sentimientos se confunden. ¿ Cómo olvidar el olor a aceite de peroba que desprendía del suelo brillante de madera de la sala, si fue este aceite con el que Das Dores, nuestra vecina de infancia en Manaus, humedecía su larga cabellera negra, esparciendo el perfume por todo el callejón.

La memoria olfativa del pasado, a veces más fuerte que la experiencia del presente, dinamita el tiempo y la geografía. Ya no recordaba cómo era la fachada original del edificio de Santiago, que ahora no es más una pensión. Pero cuando hace días posé allí para una foto, juro - quiero ver a mi madrecita muertita en el infierno si miento - que sentí el aroma del cabello de Das Dores proveniente de la Amazonía.

Aquisito nomás

Mi pasaje por la “Dieciocho” fue corto. Almino Afonso, el Demóstenes del Alto Purus, entonces consultor de la OIT - Organización Internacional del Trabajo, me llevó, a través de la “Caixinha”, a otra casa de huéspedes en la calle Michimalongo, 141, con 3 habitaciones y 12 camas ocupadas por brasileños. Medio siglo después, el sábado (16), programamos una visita con el cineasta Silvio Tendler, que vivió allí y actualmente dirige un documental sobre la memoria, centrado en los exiliados en Chile.

Después de más de medio siglo, la casa cambió, pero los recuerdos permanecieron. Recordamos a la dulce Juanita, la criada mapuche, que nos sirvió cazuela o paila de huevos para el almuerzo; de doña Adriana, la dueña, que preparaba el pastel de choclo y de su marido, don Carlito, que retiraba los orinales de los cuartos y derramaba su contenido en la calle.

- La pensión era un enclave de Brasil en medio de Chile. Recién exiliado, aprendí el idioma - aquisito nomás - dijo Silvio señalando la casa y agregó: - Aquí probé nuevos sabores y otros olores.

Doña Adriana siempre se despertaba por la mañana gritando y resondrando a Juanita, pero los raros días en que se despertaba tarareando, don Carlito le silbaba una cueca. El titiritero Euclides, mi compañero de cuarto, predecía en portugués con un juego de palabras pornográfico:

- Esta noche, don Carlito pidió “papa en bar” e invitó a doña Adriana: “Si me quieres como yo te quiero, amémonos por dende meamos”.
Durante la conversación frente a la antigua pensión, Sílvio, bromista, le confió a mi hija algo ya narrado detalladamente, en 2012, en la crónica En la cama con Silvio Tendler:

- En esta casa tu padre y yo dormimos en la misma cama. Puedo ser tu madre. Exijo, aunque sea tardíamente, una prueba de ADN.

No fue necesario. Al despedirse, María José retomó la antigua costumbre y pidió:

- ¡Dame tu bendición, mami!

El abuelo Salvador

El cineasta, antes de bendecir, mostró una foto del día anterior, en la que aparece junto a Márcia Allende, nieta del expresidente, en la casa donde vivía su abuelo. Con cara de juez, sentenció:

-  Restituye inmediatamente las monedas que robaste de la alcancía de Marcia.

La sentencia me llevó volando a otra cetutxia. Isabel Allende, la madre de Marcia, se había ido de vacaciones, cuando cedió por un mes su apartamento en una torre del barrio de Providencia a Thiago de Mello y Lurdinha. Acepté la invitación para pasar la temporada con ellos. Un fin de semana, el poeta viajó a Valparaíso, su hijo Manduka y yo estábamos solos, no había nada para comer y estábamos sin un escudo, la moneda chilena de esa época.

Fue entonces cuando vimos la alcancía. En realidad, no era de Marcia, que ni siquiera había nacido, sino de su hermano Gonzalo, que entonces tenía cuatro o cinco años. Con un alambre sacamos las monedas, suficientes para comprar un paquete de pasta, que sació el hambre. Dado que Thiago repuso las monedas a su regreso, la sentencia dictada por el juez Tendler no vale, es abusivamente ab re esse, como diría el jurista de nombre sonoro, Orozimbo Nonato, ex presidente del STF - la Suprema Corte de Brasil.

Desde la calle Michimalongo volví por el camino que hacía cada día hace medio siglo con el titiritero Euclides hasta la Biblioteca Nacional, allí él buscaba libros sobre títeres y yo devoraba la literatura hispanoamericana. Después, saltamos a la calle San Diego, 245, ahora con una farmacia al lado, frente al Teatro Cariola, donde otro amigo, Tarcísio Lage, actualmente residente en Holanda, alquiló un apartamento, que compartió generosamente conmigo.

Si ese departamento hablara, Tarcísio, que estaba en la delegación de Viva Chile, sería desheredado por su madre Feliciana, de Abaeté (MG), católica, apostólica, romana, que rezaba diariamente el rosario por el alma de su hijo. En vano.

Fíjate

La pensión de la calle Grajales fue la última cetutxiá visitada. Me propuse seguir el mismo recorrido a pie de hace medio siglo, bajando por la Alameda O'Higgins. Apresurábamos el paso cuando pasábamos frente a la Embajada de Brasil, una mansión del siglo XIX, protegida con rejas, que ocupa una manzana, con otra entrada por Alonso de Ovalle. El embajador Câmara Canto, un cómplice de dictaduras, que apoyó el golpe de Pinochet, espiaba a los exiliados brasileños.

En el anexo de la Embajada se encontraba el Centro Cultural Brasil-Chile, que durante el gobierno de Goulart fue dirigido por Thiago de Mello y luego fue ocupado por agregados militares. Actualmente lleva el nombre del poeta: Espacio Cultural Thiago de Mello, donde paramos. Giramos a la izquierda por la calle Vergara, tres cuadras más adelante, en la esquina con Grajales, 1898, estábamos frente a la antigua pensión, un edificio de tres pisos, hoy sede de la Facultad de Psicología de la Universidad Diego Portales.

El edificio ahora gris, que antes era amarillo, albergaba tres veces más huéspedes que Michimalongo, quizás por eso la comida no era tan buena. Mi imaginación penetró por cada una de sus ventanas, invadió los cuartos para ver ahora los fantasmas de los exiliados con sus historias y el comedor. Dos veces por semana servían riñón de res, que no estaba bien lavado y mostraba nervios y grasa, con un olor cuestionable, que el caldo Maggi y la escasa dosis de vino blanco no conseguían enmascarar.

Vi la ventana de la habitación que acogió a Vitorio, mi amigo de la Casa de Estudiantes Brasileña, en Río, que llegó a Santiago con historias asombrosas. Mientras huía, en la frontera con Uruguay, la policía brasileña supuestamente les disparó a él y a su mujer. Los dos saltaron al río Jaguarão. “Tchibum” - ella complementaba la narración con el ruido de los cuerpos cayendo al agua para dar más realismo a la escena. Era una excelente sonoplasta, pero como no sabía nadar, él gritó:

- Salta sobre el tronco, mi Nêga.

Y se alejó nadando, empujando el tocón: chuá, chuá. Nos divertimos, la pareja de fértil imaginación disfrutó del juego.

La dueña de esta pensión, cuyo nombre no recuerdo - fíjate - tenía un hábito cuando hablaba - fíjate - equivalente a nuestro “sacou”. Intercalaba después de una secuencia de palabras - fíjate - la expresión aspirada, que salía del interior de la laringe en un largo suspiro - fíjate - como si se ahogara - fíjate - y así recuperaba el aliento. Me detengo aquí - fíjate - porque los lectores que ya son raros - fijáte - se quejan de textos muy largos. Fíjate. Que falta nos hace el Chile de Allende, donde antes del terror se podía vivir y cantar - fíjate - en felices cetutxiás.

P.S. -Tebni Pino Saavedra  jornalista formado no Brasil e diretor do Colégio Nacional de Jornalistas do Chile fez o caminho inverso. Saiu do Chile de Pinochet e veio para o Brasil em processo de redemocratização, onde encontrou suas cetutxiás.  Reproduzimos aqui seu texto publicado na revista "Ser Médico" do Conselho Regional de Medicina de SP.

Entre a saudade e a nostalgia

Tebni Pino Saavedra

O relógio marcava algo em torno das oito horas da noite do início do mês de junho de 1979 quando o ônibus Pluma parava finalmente seu motor, depois de mais de 50 horas de uma longa viagem iniciada antes das cordilheiras dos Andes. Trazia em sua pesada carga de passageiros sonhos, esperanças e mais de um pesadelo vencido logo que cruzada a Polícia Internacional do Chile.

Eram os párias do sistema imposto a sangue e fogo pelo general Pinochet que, em sua grande maioria, buscavam na quase extinta ditadura brasileira um espaço para desenvolver aptidões, olhar o futuro sem a incerteza de uma vida de patrulhas militares, percorrendo sem cansaço as ruas da capital do país.

Brasil..., finalmente Brasil. A rodoviária velha de São Paulo e suas cores, misto de arco-íris ou desenho infantil, acolhia os novos “bandeirantes”. Sem nenhuma documentação que permitisse sequer bicos ou trabalhos esporádicos, ameaçava-nos a fome, o desemprego, a incerteza do nosso pão de cada dia.

A liberdade, porém, se apresentava como o bem mais prezado pelos “turistas por três meses” que alguns luziam, orgulhosos, aos amigos ou parentes que, numa tensa espera, aguardavam o momento propício para dizer uma, duas, todas as verdades do novo “Eldorado” tropical.

Não faltariam, ao pouco tempo da chegada, colegas chilenos que ofereciam carteiras de trabalho “novinhas em folha”, esperando ansiosas a foto 3x4 que permitiria, quando muito, um cargo de faxineiro nos inúmeros prédios da capital paulista. O destino, ou a vida, se encarregaria de definir os caminhos que cada um dos passageiros daquele ônibus teria que percorrer nos incertos dias, meses, anos de estada no “país do carnaval”, como dizia o grande Jorge Amado.

A fogueteira Rosenery

Diferenças com o país da saudade? Todas. Acolheu-nos um povo alegre, solidário, às vezes algo orgulhoso, sobretudo quando de futebol se tratava, fato que Roberto Rojas, o goleiro do São Paulo e da seleção chilena, se encarregou de cimentar e mandou, além do Chile às margens da Fifa, a fogueteira Rosenery às páginas principais da Playboy.

Fácil? Difícil? Sabemos lá se a ousadia nos permite falar por todos. O que ninguém poderia negar, contudo, é que o Brasil ofereceu oportunidades para todos os que quiseram tomá-las. Trabalho, educação e saúde, bens que o Chile de Pinochet praticamente tinha vedado aos seus nacionais.

O retorno

A mesma vida ou o mesmo destino que marca a passagem dos homens pela Terra se encarregaria um dia de trazer de volta um punhado de chilenos, quando a retomada democrática exigia o aporte dos conterrâneos aos esforços da reconstrução das instituições do Estado.

Saudades do Brasil? Todas. Teriam que se passar muitos anos para de novo sentir-se naturalmente chileno. Porém, ainda que pareça besteira, o diálogo em português que mais de uma vez se ouve nas ruas de Santiago, faz o “retornado” voltar a cabeça, trocar um par de frases, em resumo, devolver toda a solidariedade recebida em anos de permanência no Brasil.

Olhos voltados com saudade ao passado recente, páginas de jornais visitados dia-a-dia graças à Internet, passageiros freqüentes de aviões ou ônibus que, sem dúvida nos devolvem um pouco da alma brasileira adquirida porque é boa, é pura, é linda, é verdadeira.

O reencontro com a “terrinha”

O cheiro do comercial no boteco do português enche as narinas e faz retroceder 10 anos no pensamento. Maíra e Víctor, meus filhos brasileiros, ainda não entendiam porque deveriam almoçar num boteco qualquer em vez de aceitar o arroz com feijão preparado no dia anterior pela mãe. Faltava-me o cheiro da coxinha recém-frita, o doce sabor do guaraná Caçula, observar as gotas de cachaça jogadas ao chão por um operário da construção, “para o santo”.

Dez anos depois da despedida da família, o ritual do comercial tinha se transformado numa verdadeira obrigação para nós que, com freqüência, voltamos mais que a São Paulo, ao bairro de Pinheiros. Percorrer suas ruas de paralelepípedos, rever amigos e companheiros de faculdade era e é parte da necessidade que um homem tem de sentir do ar que enche os pulmões com a frescura das samambaias.

Também é constatar que a expressão “brachilenos” que um dia ficou presa à nossa epiderme se faz cada dia mais presente. Senão, que o digam os italianos quando, misturados à colônia brasileira residente no Chile, resgatamos do baú a “verde-amarela” que acompanha nossas vidas para celebrar mais uma Copa do Mundo, embora o sotaque nos delate e nossos passos de improvisado samba nos acusem.

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14 Comentário(s)

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Ana Silva comentou:
04/10/2023
Hahaha maravilha de texto. Adorei essa viagem!
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Ana Jacó comentou:
02/10/2023
Querido! quando li que vc morou no prédio que hoje é a Psicologia da Diego Portales, mandei sua crônica para uma amiga brasileira que vive há uns 30 anos em Santiago e é professora lá. Veja a resposta dela “Recién terminé de leer!!! Que coincidencia! Adore la crónica, las historias, su descripción del fíjate! Perfecta! Y que emoción saber que yo ahora ocupo una oficina que, quizás, fue el hogar de algún compatriota exiliado! Gracias, agora, queria ver vc levantar depois que se ajoelhou ao lado do Tendler
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Taquiprati comentou:
02/10/2023
Ha! ha! ha!. Bingo. Ana querida, vc acertou na mosca. O velhinho aqui só conseguiu se levantar com a ajuda da filha do Silvio Tendler.
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Luiz Pucú comentou:
02/10/2023
Segura não... lágrimas são igarapés de sonhos.
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rodrigo comentou:
02/10/2023
Muito bom professor, embarcamos juntos com o senhor nessa viagem ao tempo. Estou gostando muito de acompanhar todos os relatos do senhor nesse retorno ao Chile. Ansioso pela parte 3. Um abraço querido professor
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Tania Pacheco comentou:
01/10/2023
Publicado em Combate Racismo Ambiental - https://racismoambiental.net.br/2023/10/01/de-volta-ao-lar-no-chile-a-nossa-cetutxia-por-jose-ribamar-bessa-freire/
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Tebni Pino Saavedra comentou:
01/10/2023
Em duas palavras: demasiada emoção Se para você as lembranças permitiram sentir até os cheiros de 50 anos antes, não menos diferente foram as que senti ao retornar à terrinha. Talvez sem a força do seu texto, menos as emoções. Porém, "volver a los 17", como cantava Violeta, me fez lembrar o meu próprio retorno só Chile após 14 (felizes) de exílio no Brasil
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Celeste Corrêa comentou:
01/10/2023
Mano querido, essa viagem carregada de emoções e de lembranças é uma verdadeira oficina de memória para essa turma de garotos de cabelos brancos, e, por tabela, para nós também. Nesses dias certamente passaram novamente pelo coração de vocês muitas lembranças, algumas dolorosas, outras engraçadas como a estória da "concepção" da tua filha...rs. E hoje, ao ler essa crônica, a gente percebe as lindas construções afetivas que nasceram dentro de um contexto tão adverso e que permanecem até hoje. Nós viajamos contigo, mano, "conhecemos" o Chile e nos emocionamos com esses relatos e fotografias.
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Valter Xeu comentou:
01/10/2023
Publicado também em PATRIA LATINA - https://patrialatina.com.br/de-volta-ao-lar-no-chile-a-nossa-cetutxia/
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Dinah Ribas Pinheiro comentou:
01/10/2023
Caro amigo Bessa, viajei contigo pelas ruas de Santiago. Que emocionante relato. Muitas dessas calles me foram citadas pelo Euclides para o livro "Teatro de Bonecos Dadá -Memória e Resistência".. Gostei muito de te ver ao lado do Silvio Tendler, que admiro muito. Tive a impressão que eu estava junto de vocês. Teus relatos são tão reais que carrega qualquer pessoa junto. Me convida para outras viagens.
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Leticia Rebolli comentou:
01/10/2023
Minha mãe passou um ano nesse Chile de Allende. Foi fazer trabalho social. Lindo texto obrigada Bessa.
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Teca Alencar comentou:
01/10/2023
Me senti no Chile. Fiquei até com saudades de Santiago
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Silvio Tendler comentou:
01/10/2023
Lindissima historia, Mandei para a neta do Allende. Eu queria mesmo ter visto minha filha no teu texto contando a história. Pede para ela traduzir pro espanhol, que eu envio aos amigos chilenos.
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Fernanda Garcia Camargo comentou:
01/10/2023
Bessa e Silvio! Contornam a minha disposição aqui, vibro com um brilho latinoamericano. E que beleza você falar de moradia, desse lugar de afeto inegociável que é uma luta: os cetutxiá! Meu amigo querido, dois abraços. Te quiero!!
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