CRÔNICAS

“A Paz de Jesus” e “Selva” no tuturubim tetê

Em: 17 de Junho de 2023 Visualizações: 5408
“A Paz de Jesus” e “Selva” no tuturubim tetê

Tuturubim tetê, tique taque tambarola, teje dentro, teje fora.

(Fórmula de sorteio em jogos infantis. Manaus. Anos 1940-50)

Dois Projetos de Lei Ordinária - bem ordinária - aprovados por unanimidade na quarta-feira (24/05) pelos 24 deputados da Assembleia Legislativa (ALE-AM) decretaram as saudações “Selva’ e “A Paz do Senhor Jesus” como patrimônio cultural imaterial do Amazonas, o que é tão surreal e inacreditável que, para avaliá-lo, só mesmo recorrendo ao sorteio dos jogos infantis.

Muitas crianças que brincaram nas ruas de Manaus nos anos 1940-50 já subiram o antigo Boulevard, hoje Av. Álvaro Maia, e se encontram nos “verdes e floridos campos de Valhalla”, mas os sobreviventes que ainda não fizeram a grande viagem haverão de lembrar o Tuturubim tetê usado antes de qualquer jogo para escolher quem ocuparia o lugar de destaque, quem ficaria na berlinda ou quem seria a “manja”.

Essa fórmula de sorteio - essa sim nosso verdadeiro patrimônio - nos permite decidir sobre o destino das duas leis indecorosas encaminhadas para a sanção ou veto do governador Wilson Lima (PSC vixe vixe). Apresentamos aqui o seu autor e sua justificativa e, no final, o tuturubim tetê.   

Guerreiro da selva

O autor dos projetos 086 e 087/2023 é o deputado estadual Dan Câmara (PSC vixe vixe), coronel reformado da PM do Amazonas da qual foi Comandante Geral. Por isso, ficou conhecido como Comandante Dan.

Por requerimento dele, a ALE-AM celebrou o “Dia do Guerreiro na Selva” em sessão especial realizada na quinta-feira (01/06), data de nascimento do coronel Jorge Teixeira, o Teixeirão, criador do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS). Afinal, quem foi esse “guerreiro”? Ele protegeu a floresta, os rios, os ribeirinhos, os povos indígenas e impediu assassinatos como os de Dom e Bruno?

A guerra dele era contra outros “inimigos”. Teixeirão, prefeito de Manaus (1973-79) não eleito pelo voto popular, mas nomeado pela ditadura militar, declarou guerra aos habitantes da floresta. Não deixou uma única árvore em pé na cidade. Devastou tudo. Ameaçou indígenas, a quem chamou de “bobalhões parasitas”. Hoje é nome de um bairro, que foi batizado assim pelos apagadores da memória popular. É dele a saudação “Selva”, segundo Dan, que contextualiza:

No início, quando uma viatura saía dos quartéis de Manaus em direção ao CIGS, como ainda não existia a ficha escrita de serviço, a sentinela perguntava oralmente qual era o seu destino. A resposta apressada era: “Selva”. Curta e tão repetida,”fez-se saudação espontânea e vibrante, alastrou-se, expandiu o seu significado, ecoou por toda a Amazônia, contagiando a todos com o mesmo ideal”. E bota "ideal" nisto. Aí atribuiram ao Teixeirão, comandante do CIGS, a autoria de “Selva”, considerada "uma linguagem criada no Amazonas - expressão que substitui ok e tudo bem".

Guerra e Paz

E a outra saudação “A Paz do Senhor Jesus”? Acontece que Dan pertence à Igreja Evangélica Assembleia de Deus, propriedade de sua família chefiada por seu irmão Silas Câmara, depufede (Republicanos vixe), réu confesso em ação penal pela prática de “rachadinhas”.  

- Um dos costumes mais conhecidos dos evangélicos é o de se cumprimentar de uma maneira peculiar com a expressão: A paz do Senhor Jesus - explica Dan, mas silencia sobre a dívidas das igrejas com a União, que dobrou no governo do Coiso, assim como sobre o julgamento do irmão, que quase prescreve graças ao pedido de vista do “ombro amigo” de André Mendonça, ministro “terrivelmente evangélico” do STF.

O resultado é uma paródia do romance Guerra e Paz, que pode muito bem ser reescrito por um Tolstói de igarapé. A primeira saudação é um grito de guerra profano e belicista “usado na continência de militar do Exército na Amazônia”. A outra, um anúncio de paz hipócrita e farisaico, porque usa o nome de Deus em benefício próprio, o que configura uma heresia, uma apostasia, a negação da fé.  

Outro deputado evangélico, Wanderley Dallas, hoje sem mandato, também tentou patrimonializar o amazonês em 2015, mas pelo menos escolheu léxico apropriado, parte dele emprestado do Nheengatu, o que escandalizou seus pares: piroca, xibiu, fofobira, pinguelo, baitola, toba, pimba, cabaço.

Aliás, por que não decretar logo as línguas indígenas como patrimônio do Amazonas, em vez de avacalhar a cultura amazonense com projetos obtusos, medíocres e oportunistas, ofensivos à inteligência do eleitor? Deputados são pagos para contribuírem na melhoria de vida dos amazonenses e não para submeter-nos à galhofa e ao ridículo.

Teje fora

Quando o poeta Aldísio Figueiras e a historiadora Gleice Oliveira postaram a notícia no facebook, juro que atribui à imaginação brincalhona deles. Mas logo descobri que devaneios e delírios de um deputado vão mais além da poesia e da história, não têm limites.

Cabe agora ao governador Wilson Lima sancionar ou vetar o projeto encaminhado pela ALE-AM. Seguidor do José Melo Merenda e do melomerendismo, apostamos que o Wilson Bolachinha, que gastou mais de R$ 38 milhões só para comprar bolacha para a merenda escolar, vai sancionar a lei de autoria do deputado de seu partido. Isso é café pequeno para quem comprou respiradores em adega de vinho.

Só resta ao eleitor jogar o Tuturubim Tetê e na hora do Teje Fora ir eliminando cada um dos deputados na próxima eleição para recolocar lá dentro da ALE-AM candidatos comprometidos com os interesses populares como Serafim Corrêa, José Ricardo, Praciano. Mas serve também a outra fórmula, que invoca Santo Antônio:

- Fui no mato cortar lenha, santo Antônio me chamou, quando santo chama a gente, que fará o pecador? Anambu, Anambu, quem está fora és tu, Anabela, Anabela, quem está fora é ela.

Cabe ainda uma terceira fórmula inspirada no biólogo britânico Thomas Huxley, que ficou conhecido como o “Bulldog de Darwin” por ser defensor apaixonado da teoria da evolução. Para ele, “o segredo da alegria, da meiguice e da maturidade é carregar o espírito da infância na velhice”.

Iluminado por Huxley e considerando que os deputados fizeram merda, proponho adaptar para a ALE-AM a “Panelinha de Ioiô” usada pelas crianças para identificar o autor incógnito de um pum silencioso, mas fedido. Neste caso, o eleitor vai tocando na cabeça de cada deputado, ao pronunciar cada sílaba de forma destacada:

- Panelinha de Ioiô, foi ao mar encheu, vazou, três panelas, bolou fedor, casca de ovo pra quem peidou.  

Simulei várias vezes o sorteio com as fotos dos 24 deputados e a última sílaba - “dou” - caiu sempre no Dan, embora o pum fedido tenha sido coletivo, pois todos eles foram cúmplices, incluindo o Sinésio Campos (PT), que por sua subserviência envergonha o partido.

Permito-me concluir usando os dois novos patrimônios imateriais do Amazonas:

Selva, Leitor (a)! A Paz do Senhor fique contigo!

P.S. - Ver também:

1. A piroca é nossa https://www.taquiprati.com.br/cronica/1140-a-piroca-e-nossa

2. Teixeirão Bobalhão https://www.taquiprati.com.br/cronica/1401-midias-indigenas-e-radio-yande-teixeirao-bobalhao

 

 

 

 

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15 Comentário(s)

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Jackson Andrade comentou:
24/06/2023
Isso é coisa de i***** Mestre quando o cara não dá para p**** nenhuma ele vai ser militar, tem uns mais babaca ainda que quando largam as fileiras do exército continuam a repetir essa leseira selva. É ser muito leso.
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Rodrigo Martins comentou:
20/06/2023
Que loucura isso ,inacreditável! É como diz aquele ditado: tem coisas que só acontecem no Brasil! Lamentável. Um abraço querido professor
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Luiz Pucú comentou:
19/06/2023
Pajé...a poética das tuas cronicas-contos nos encanta e aqui na sala cantei...fiz leitura e depois o dedo nervoso mostrou-me:outro texto teu sobre a flor da pupunha ( a chuva) que pode virar torta. Ler-te é um prazer paidegaço.
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Márcio Pucú comentou:
18/06/2023
Boa Noite professor, a política brasileira se aviltou de uma forma tão deprimente e, infelizmente, o nosso Amazonas disputa a vanguarda, vide a deplorável posição do Arthur Virgílio Neto apoiando o fascista.
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Tania Pacheco comentou:
18/06/2023
PUBLICADO EM COMBATE - RACISMO AMBIENTAL - https://racismoambiental.net.br/2023/06/18/a-paz-de-jesus-e-selva-no-tuturubim-tete-por-jose-ribamar-bessa-freire/
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Nelson Peixoto comentou:
18/06/2023
Bessa, valoroso amigo! Vamos rir e tirar sorte no tuturubim tetê abrir o circo... "o segredo da alegria, da meiguice e da maturidade é carregar o espírito da infância na velhice”.
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Anne-Marie Milon Oliveira comentou:
18/06/2023
Conheci meu marido, um sergipano, na Europa quando eramos estudantes. Faz hoje um ano que ele se foi, depois de 52 anos de vida comum. Ele me falava de um colega dele cearense dele no seminário de Viamão (RS) que, quando fazia muito frio, desandava a correr no pátio gritando várias vezes "xibiu!". Não sei se para os nossos indígenas tem o mesmo sentido que no Nordeste onde designa o sexo feminino. Mas achei engraçado reencontrar esta palavra aqui no seu Taquiprati!
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Eliete Ferrer Eli comentou:
18/06/2023
Amo os teus escritos! Obrigado por me avisar sobre a imagem dos “verdes e floridos campos de Valhalla” Fiquei lisonjeada por você aproveitá-la. Amo o Brasil junto com todas as brasilidades viventes. Você é um ser humano especial. Viva a Amazônia! Viva o Brasil! Viva a Humanidade!
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Serginho Gouveia comentou:
17/06/2023
O tal do Dan copiou e colou o projeto do deputado estadual Galego Sousa (PP) da Paraíba que nada diz sobre “Selva”, mas propõe que os 36 deputados reconheçam “A Paz do Senhor” como Patrimônio Imaterial da Paraíba. Ele justificou que se trata de um hábito herdado desde os tempos dos apóstolos de Jesus que saudavam assim os irmãos. Nesse ritmo delirante, me pergunto pra onde vai o Brasil nas mãos desses impostores que se dizem cristãos.
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Telma Albernaz Lima Dos Santos comentou:
17/06/2023
Estamos vivendo dentro de um liquidificador!
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Felipe J. Santos comentou:
17/06/2023
Dissonância cognitiva na veia... Reflexo do paradoxo de Olavo de Carvalho.
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Valter Xeu comentou:
17/06/2023
PUBLICADO EM PATRIA LATINA https://patrialatina.com.br/a-paz-de-jesus-e-selva-no-tuturubim-tete/
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Celeste Correa comentou:
17/06/2023
Mano, embora eu seja de Manaus , não acompanho, como devia, a política da cidade. Na maioria das vezes eu tomo conhecimento, através da tua crônica semanal. E hoje, quando leio sobre a aprovação desses dois projetos pelos deputados, por unanimidade, confesso que sinto vergonha de ser "representada" por essa Câmara de horrores. A minha indignação ao ler o Taquiprati só não foi maior porque consegues, com muita competência, falar de assuntos sérios de forma lúdica, o que impede de alguns dos teus leitores, como eu, terem um infarto de tanta raiva. Tomara que nas próximas eleições os meus conterrâneos levem a sério as suas escolhas e, no "tuturubim tetê", joguem toda essa turma na lata de lixo da história!
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João Pinduca comentou:
17/06/2023
Meu caro Babá, sem palavras pra comentar essa diarreia...
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Ana Silva comentou:
17/06/2023
Inacreditável mesmo. Bagunçou geral. Que horror!
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