CRÔNICAS

Os dois Brasis na eleição presidencial

Em: 30 de Outubro de 2022 Visualizações: 4064
Os dois Brasis na eleição presidencial

“Españolito que vienes / al mundo te guarde Dios.

Una de las dos Españas / ha de helarte el corazón”.

(Antonio Machado. Proverbios y Cantares. 1924)

Brasil, mostra a tua cara! – clamava Cazuza. São muitos os Brasis, mas dois deles mostraram sua cara no debate entre os candidatos presidenciais nesta sexta (28), à semelhança das duas Espanhas do poema de Machado. Lá, o poeta revela os seus temores sobre o destino das crianças espanholas ainda no ventre materno e pede para elas a proteção de Deus. O seu presságio tinha razão de ser, como comprovou a história da Guerra Civil Espanhola, com a esteira de violência armada e o ódio semeado pelo fascismo.  Cabe aqui parafraseá-lo:

- Brasileirinho que vens ao mundo, Deus te proteja. Um dos dois Brasis pode aterrorizar teu coração”.   

Qual país, afinal, vamos legar a brasileirinhas e brasileirinhos que estão vindo aí e prometem nascer? Qual Brasil vai pintar na eleição presidencial deste domingo: o da democracia ou o do fascismo? Quem vai ser o responsável por desenhá-lo a partir de 1º de janeiro? O “pintor do clima” que defende a pátria armada, traduzida nas granadas e tiros de fuzis disparados contra a polícia federal pelo aliado Roberto Jefferson? Ou o arauto da esperança, construtor da pátria amada, que quer pacificar o país em aliança com as forças democráticas?

O “pintor do clima” se inspira no movimento fascista de extrema-direita da Ação Integralista Brasileira fundada em 1932, com o lema “Deus, Pátria e Família”, que hoje justifica barras de ouro de propina para pastores em nome de Deus acima de tudo, rachadinhas e compra de imóveis com dinheiro vivo em nome da família e, em nome da pátria acima de todos, o acesso às armas, o extermínio de indígenas e os disparos contra agentes da Polícia Federal, .  

O quadro do Brasil que o “pintor do clima” pretende desenhar segue o modelo da Espanha franquista e da Alemanha nazista chefiada pelo pintor de paredes.  

O pintor do clima

General com três estrelas era o sonho do "pintor do clima". Já Adolph Hitler queria ser pintor profissional e, aos 18 anos,  fez 

exame de admissão para a Academia de Belas Artes de Viena. Foi reprovado. Tentou no ano seguinte: levou pau, da mesma forma que o capitão brasileiro, expelido pelo Exército, nunca chegou ao generalato. Ambos frustrados na sua ambição pessoal. No caso de Hitler, a banca examinadora sugeriu que o “pintor medíocre” tentasse outro curso, o que exigia sua volta ao ensino médio. Ele desistiu de estudar, mas continuou pintando “desenhos prosaicos desprovidos de ritmo, cor, sentimento ou imaginação espiritual” na avaliação do crítico John Gunther.

Eleito anos depois pelo povo alemão, Hitler se tornou o führer e começou a pintar outra Alemanha bélica, racista, violenta, zambellizada, armada até os dentes, espumando ódio, responsável pela guerra total que, de 1939 a 1945, matou mais de 60 milhões de pessoas. Uma carnificina. Hoje, o eleitor alemão está profundamente arrependido. Chamado no poema de Bertold Brecht de “pintor de paredes”, Hitler, se vivo fosse, hoje perguntaria ao imbrochável “pintor do clima”:

 - Você pinta o Brasil como eu pinto, digo, como eu pintei a Alemanha e o general Franco pintou a Espanha?

Afinal, qual Brasil foi pintado nesses quatro anos e qual o desenho futuro do país?  Na Faculdade Nacional de Filosofia, na disciplina de História ministrada por Maria Yedda Linhares, fizemos leitura crítica de Os Dois Brasis, escrito pelo economista francês Jacques Lambert, publicado em 1957, no início do governo Juscelino Kubitscheck, com dados estatísticos da época sobre o desenvolvimento capitalista do Brasil e suas profundas desigualdades sociais, que só fizeram aumentar nos últimos quatro anos.   

Ficou claro no debate as concepções diferentes de Brasil dos dois candidatos a presidente da República. Um deles, que não parava de andar, tropeçou duas vezes nas pernas e no verbo e acabou pedindo votos para ser eleito deputado federal. Orgulhou-se de haver liberado armas para seus seguidores, confundindo a bíblica Epístola com o grito de “é pistola” apontada por Carla Zambelli para um negro nas ruas de São Paulo. A escolha é, efetivamente, entre civilização e barbárie.

Pai da mentira

- O mundo inteiro está assustado como o Brasil vai bem na economia – delirou o "pintor do clima" com a língua presa, a veia do pescoço estufada e os olhos injetados. Em seguida jurou que seu governo preservou o “mioma” (e não o bioma) da Amazônia. É deplorável e vergonhoso ver um chefe de estado que não conhece as informações básicas sobre o país que governa, que mente para mascarar a sua ignorância, que nega os dados factuais comprovados e classifica como “mentirosos” os fatos que o contradizem, transformando uma epidemia mundial em "gripezinha". .  

A figura patética do pateta não parava de andar com as pernas abertas e fugia da discussão sobre os problemas do Brasil. Ele não tem freios morais, não tem limites para anunciar mentiras, seguindo a cartilha de seu guru Joseph Goebbels, chefe da campanha de Hitler, para quem “uma mentira repetida mil vezes se converte em uma verdade”. Dessa forma, no debate, o “pintor do clima” agiu como o “pintor de paredes”: criou e distorceu os fatos, como um recurso de sobrevida. O Coiso não dizia coisa com coisa.

Na maior cara de pau, repetia incessantemente como um disco furado, que no seu governo não havia corrupção. Não respondeu sobre as rachadinhas e a compra de imóveis com dinheiro vivo, sobre as políticas externas, educacionais e de saúde pública, sobre o salário mínimo, sobre o corte de 94% dos recursos do combate à violência contra a mulher. Quanto às toneladas de viagra compradas com dinheiro público e distribuídas aos militares “eram para tratar câncer de próstata”, assim como a cloroquina cura a covid.

Toda vez que era chamado para discutir os problemas do país, o “pintor do clima” saía de fininho ou de grossinho e invocava o fantasma do comunismo para assustar os ingênuos. Condenava Cuba e a Venezuela, pátria daquelas crianças vítimas da mente doentia que “pintou um clima”.

Se cai o Brasil

Foi outro o clima que pintou na quinta (27) no seminário “Darcy Ribeiro: pensamento humanista em tempos de barbárie” organizado pela Casa de Oswaldo Cruz, no Rio, para celebrar o centenário de nascimento de Darcy. O longa-metragem Segredos do Putumayo foi exibido e debatido com seu diretor, o cineasta amazonense Aurélio Michilles e com Wanda Witoto, a deputada do nosso coração que ainda não chegou à Câmara Federal com seus mais de 25 mil votos. No filme, um dos entrevistados menciona a ilha Hy-Brazil, registrada com esse nome em um mapa de 1325, antes de Cabral aportar em nossas praias.

Na mitologia irlandesa, esta ilha Brasil vivia escondida por uma névoa impenetrável, impedindo que fosse vista. A cada sete anos, a névoa se dissipava por apenas um dia e esse era o único momento em que se tornava visível. Esse lugar mitológico, mágico, sagrado, considerado a morada de fadas e divindades, era um local paradisíaco, onde as pessoas viviam alegres e felizes, sem cultivar violências e ódios.

Numa entrevista dada por Tom Zé ao Estadão, o músico diz que este mito ajuda a explicar o nome do nosso País, denominação sacramentada pelo pau-brasil. Assim como a Terra Sem Mal da mitologia tupi, o Brazil é um lugar que temos esperança de encontrar.

Qual o Brasil sairá das urnas neste domingo? O desenhado pelo “pintor do clima” ou aquele da mitologia irlandesa com o qual sonhamos e pelo qual lutamos? Parafraseamos outro poeta, o peruano César Vallejo, engajado na Guerra Civil Espanhola, que escreveu, em 1937, o poema “Espanha, afasta de mim esse cálice”:

Crianças do mundo inteiro, se cai o Brasil – digo, por assim dizerandem, crianças do mundo, e busquem reerguê-lo.

P. S. Essa crônica é dedicada à lucidez e à inteligência de Marlene Silva e Rosângela do Carmo, que buscam reerguer o Brasil nocauteado. Ah, também à Maia, à Ana, à Vitória e à Solzinha que, com o peito adesivado, aprenderam a mudar a posição da mão para inverter o sinal da arminha. 

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13 Comentário(s)

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Susana Grillo comentou:
21/11/2022
Bessa, que as crianças negras, indígenas, que as crianças das periferias e favelas do Brasil, que as crianças do campo nos assentamentos e nas comunidades tradicionais conheçam um país justo que espanta a fome e ofereça muitas escolas. Abraços,
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Ana Silva comentou:
02/11/2022
Felizmente deu Lula e teremos a oportunidade de reconstruir nosso país para sorrirmos sem medo de ser feliz. Adorei, Bessa!
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Nilda Alves comentou:
31/10/2022
Querido Bessa, ganhamos apertado mas como disse um card que recebi: não foi vitória apertada, foi vergonhosa derrota do outro lado que usou a verba de 2023 para ganhar e não ganhou. O trabalho começa agora: antes de tudo terminar com a miséria e fazer as crianças comerem. Grande abraço Nilda
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Valter Xeu comentou:
30/10/2022
PUBLICADO EM PATRIA LATINA - http://patrialatina.com.br/os-dois-brasis-na-eleicao-presidencial/
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Tania Pacheco comentou:
30/10/2022
PUBLICADO EM COMBATE - RACISMO AMBIENTALhttps://racismoambiental.net.br/2022/10/30/os-dois-brasis-na-eleicao-presidencial-por-jose-ribamar-bessa-freire/
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Isabel Missagia comentou:
30/10/2022
Veja Argentina 1985, com Ricardo Darin, no AmazonPrime, se puder. Precisamos de muita coragem para derrotar o fascismo do Brasil do “pintor do clima” rs
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Nelson Peixoto comentou:
30/10/2022
Meu amigo! Maravilha! Renascerá a flor que na noite do goloe feneceu, mas que nesse novo amanhecer será o Brasil que amamos.
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Paula Bonatto comentou:
30/10/2022
Grata por divulgar nosso seminário Bessa! Foi um momento pra iluminar nossas lutas! Sigamos não soltando as mãos de ninguém!
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Rodrigo Martins comentou:
30/10/2022
Hoje é dia daquela vitória que estamos esperando há tempos. A partir de hoje seremos um país com mais esperança, fraternidade. Apertar o 13 na urna hoje representa a vacina contra o bolsonarismo que tanto nos assola e envergonha. Eu acabei de votar e estou esperançoso que vão dar tudo certo, Lula neles! Uma abraço querido professor.
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Luiz Pucú comentou:
30/10/2022
Pajé...você lavou a alma desse caboco que agorinha foi votar e sentiu, no mormaço do meio dia uma alegria contagiante: vestidos de amarelo e com estrela vermelha no peito, fomos, eu e a esposa, evacionados no caminhar pelos colegas de sonhos. Ler-te ao voltar pra casa, foi uma benção e o reconhecimento do teu e nosso ativismo em prol da vida. AXÉ BABÁ!!
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João Pinduca Rodrigues comentou:
30/10/2022
Showwwwww, como sempre mano Babá Bessa. Mas, Alea jacta est! Torcendo para derramarmos esse balde de tinta ruim para qualquer rabisco, ou pintura!
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FELIPE JOSE LINDOSO comentou:
30/10/2022
Babá Acho que os trabalhos de algum bom pajé sacaca do alto rio Negro finalmente está funcionando para nos livrar desse ser maligno, devorador de almas e dignidade. Vote bem e tranquilo. É que vou fazer agora com a Zezé e minha neta Laura. Bom domingo.
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Rosângela comentou:
30/10/2022
Que emoção, professor Bessa! Obrigada ao senhor. Lutemos por um Brasil melhor e mais justo, hoje ´o nosso dia, Lula legionário, único e livre, absolutamente Lula hoje, ele voltou e agora é pra ficar
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