"É mais fácil enganar uma pessoa do que convencê-la de que foi enganada" (Mark Twain)
Dói ver tanta gente no Brasil se ofendendo, se xingando e se agredindo, verbal e até fisicamente, de forma irracional, por causa da luta contra a corrupção, que é o motivo declarado dessa guerra insana. E isso porque em cada um dos lados opostos há muita gente boa e bem intencionada a favor da moralidade. Parece, portanto, que não é bem isso o que divide os beligerantes e, se é assim, suspeitamos que a corrupção serve de pretexto para camuflar outra luta que se trava. Qual?
Será que as pessoas que estão no meio do fogo estão sendo enganadas sobre a natureza do conflito? No seu tratado clássico "A Arte da Guerra" (séc.IV a.C.), Sun Tzu diz que todas as guerras são sempre de conquista, mas os soldados que estão na linha de frente não podem saber disso. Os senhores da guerra camuflam seus interesses privados e buscam elevar o moral da tropa, convencendo os combatentes de que a batalha é por nobres ideais coletivos.
A invasão do Iraque em 2003 é um bom exemplo ilustrativo. Um soldadinho americano jamais se arriscaria em assassinar muçulmanos e bombardear cidades e alvos civis correndo o risco de morrer, se soubesse que estava defendendo interesses privados do complexo industrial-militar. Por isso, os senhores da guerra tem de convencê-los de que lutam pela liberdade, pela democracia, contra o terrorismo e não pelo lucro de empresas de petróleo e da indústria armamentista.
No caso do Brasil, muitos manifestantes engajados sinceramente na luta contra a corrupção jamais sairiam às ruas se soubessem que a verdadeira guerra não é contra a corrupção, é pelo poder. O jogo se dá no campo político, não no da moralidade e da justiça.
Corrupção rotativa
Muitos manifestantes bem intencionados acreditam, em sua maioria, que estão lutando para sanear o país, quando involuntariamente fazem o jogo de quem não quer acabar com a corrupção, mas ocupar o executivo para exercitá-la. Temos a corrupção do PSDB ontem no poder federal e presente em alguns estados importantes, a neocorrupção de agentes do PT hoje no poder, e a corrupção do PMDB sempre no poder. Todas elas devem ser investigadas, punidas e combatidas e foi essa a esperança criada pela Operação Lava-Jato, comandada pelo juiz Sérgio Moro.
Ele começou, como era de se esperar, investigando com muita competência as propinas que envolveram os neocorruptos, que estavam em plena atividade. Pela primeira vez na história do Brasil, megaempresários foram presos, ex-ministros, senadores, deputados, com aplausos de toda a população. No entanto, a Lava-Jato avançava seletivamente, criando a desconfiança de que o alvo era o impeachment da presidente eleita, exigido pelos que querem ocupar o seu lugar antes de novas eleições, muitos deles com fichas sujas.
Moro, que parecia isento e sensato, tomou duas medidas, que evidenciaram a politização partidária do Judiciário: decretou a condução coercitiva do ex-presidente Lula com a mídia previamente notificada e divulgou as gravações de áudios de telefonemas interceptados pela Policia Federal.
Nos dois casos, Moro jogou para a mídia, que deu ampla divulgação e reproduziu conversas em imagens repetidas à saciedade pela tv, turbinando assim as manifestações de rua. Os vazamentos seletivos se concentraram na presidente Dilma, que sequer é investigada, e em Lula, contra quem nada foi até agora comprovado, divulgados com destaque pela mídia, que silenciou nos demais casos. E os outros? Alguém bateu panela contra Cunha? Por quem os sinos dobram? Por quem as panelas batem?
Qual a contribuição à luta contra a corrupção a revelação de conversas privadas, recheadas de palavrões usados por qualquer leitor, que soam como fofocas, são retiradas de seu contexto e reinterpretadas com fins escusos? Serve apenas para acirrar o ódio e jogar lenha na fogueira. O noticiário televisivo JM - Jornal da Matraca - dedicou quase dois terços do espaço para satanizar Lula e Dilma.
- Ninguém está acima da Lei. A democracia exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pela sombra - justificou Moro.
Popstar
Com um sorriso de popstar global que adora os holofotes, Moro esqueceu de explicitar que ele também não está acima da Lei e que a democracia exige que também os juízes não atuem protegidos pela sombra. Se fossem divulgados os telefonemas do próprio Moro nas últimas 24 horas, dos comentarista da MATRACA, os meus e os teus, leitor (a), quantos palavrões estariam registrados, quantas articulações desnudadas?
Inflado pela mídia e pelas ruas, Moro, que era uma quase-unanimidade, se achou o máximo. Sentiu-se onipotente, acima da lei e partidarizou o Judiciário. Perdeu credibilidade. As mãos antes limpas estão agora com os dedos sujos. Wadih Damous, ex-presidente da OAB/RJ, chamou a atenção para a insensatez do juiz Moro que conduz a investigação de forma midiática e espetacularizada. Os vazamentos seletivos matraqueados no circo midiático contradizem a serenidade que o cargo de magistrado exige. O grampo nos telefones é para o juiz e a polícia poderem investigar e não para divulgarem com intenções político-partidárias.
- Ele optou por exercer o papel de perturbador da ordem institucional, ferindo a Constituição - escreveu o ex-presidente da OAB.
Num discurso sexta-feira (18) em Ribeirão Preto (SP), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Teori Zavascki concordou, sem citar nomes, afirmando que os juízes têm de agir com prudência, discrição, isenção e serenidade, devem resolver conflitos e não criá-los.
Moro se equiparou ao juiz da 4ª Vara do Distrito Federal, Itagiba Catta Preta Neto, que aparece no facebook vestindo uma camisa com adesivo no peito da Campanha Aécio Neves (PSDB) e depois suspendeu a posse de Lula na Casa Civil, numa decisão tomada 28 segundos depois de receber o pedido, o que vai levá-lo para o Guiness como a mais rápida da história do judiciário.
- O trabalho do Ministério Público não condiz com arroubos espetaculares, protagonismos em demasias, exaltações midiáticas e prejulgamentos - escreveu Cláudio Fonteles, ex-procurador geral da República.
O novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, citado em uma das conversas telefônicas gravadas foi mais incisivo, dizendo que tornar público a gravação pode ser qualificado como um crime: "Não existe ninguém neste país com o monopólio da moralidade, o monopólio da salvação da pátria. O juiz deveria ter fechado os autos e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal e não o fez”. A Corregedoria de Justiça já recebeu três reclamações disciplinares contra Moro pela divulgação do áudio. Morolidade não é moralidade.
A divulgação em nada serviu à luta contra a corrupção, mas fortalece os que querem o impeachment da presidente Dilma, que será julgada por comissão composta por 65 deputados federais, entre eles oito réus, com destaque para Paulo Maluf já condenado à prisão na França. Ficou de fora Pauderney Avelino (DEM-AM), condenado pelo TCE/AM na última quarta a devolver 8,6 milhões. Réus, condenados, investigados terão papel decisivo nos destinos da Dilma e do Brasil, em processo comandado por Eduardo Cunha. O Cunha, réu no STF, com 13 contas na Suiça. O Cunha, gente, o Cunha!
Há algo de podre no reino da Dinamarca. É esse processo que Moro, em aliança com a mídia, está fortalecendo. O Brasil começa a perceber que nem tudo o que reluz é Moro, mas também que nem tudo o que balança cai, se prevalecer a vontade de milhões de brasileiros que se manifestaram na sexta-feira em todo o Brasil.
P.S. Agradecemos a sugestão da abordagem a uma ex-aluna da Escola José Carlos Mariategui, cujo primeiro reitor foi o escritor amazonense Márcio Souza.