CRÔNICAS

Meu bairro e a faixa de Gaza

Em: 20 de Julho de 2014 Visualizações: 23705
Meu bairro e a faixa de Gaza
Confesso, humildemente, que não entendo bulhufas de política internacional, por isso não me atrevo a comentar os acontecimentos na Faixa de Gaza. Nem os do território palestino, nem sequer a Gaza das favelas cariocas. Nada sei fora do bairro de Aparecida, em Manaus. A Isis que conheço é uma caboca peitudinha que mora no Beco da Escola, fica saliente ao ver farda e ainda hoje lembra com saudade os amassos do Geraldão, tenente do NPOR, com quem ficava num agarramento escandaloso. De Gaza, ignoro as fofocas, que é a forma suprema e mais sofisticada do saber. Sei apenas que ISIS é a sigla do grupo que luta por um Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Nada mais. 
Gaza está tão longe e Aparecida tão perto! Mas de repente, Gaza ficou mais perto de mim do que o bairro onde nasci, porque mexe com o que existe de profundo em cada um de nós: a nossa humanidade. Ninguém precisa fumar cachimbo e usar boina basca como os comentaristas internacionais ou fingir inteligência como a equipe do Manhattan Connection para saber que o que está acontecendo em Gaza é um exemplo acabado da estupidez, que nos traz tanto desencanto e compromete o destino da espécie humana.
Que fique claro, portanto, que não tratamos aqui de política internacional, mas da barbárie e da bestialidade humana, da qual cada um de nós entende um pouco. Não há outro nome para o fato testemunhado da janela do luxuoso hotel al-Deira, na cidade de Gaza, por dois jornalistas doNew York Times. Eles observavam crianças palestinas que brincavam de bola, alegres e felizes, numa praia do Mar Mediterrâneo, quando foram assassinadas covardemente pela artilharia israelense.
O militarismo
As estatísticas mudam a cada hora.  Desde o início da operação israelense, no dia 8 de julho, até o momento em que escrevo, os bombardeios já mataram quase 300 palestinos, 80% dos quais civis, incluindo cerca de 50 crianças, feriu mais de 1.500 pessoas, destruiu completamente mais de mil casas, danificou outras duas mil casas e causou um prejuízo de dois bilhões de dólares em danos à infraestrutura: luz, água, estradas, ruas, monumentos, prédios residenciais, hospitais, mesquitas, escolas.
Os partidos de extrema direita Casa Judaica eIsrael Nossa Casa  justificaram o crime. Um deputado sionista, Eli Ben Dahan, que seria aplaudido por Bolsonaro, declarou com todas as letras que "os palestinos não são seres humanos, não merecem viver, não são nada, não passam de animais".  
Diante da reação internacional, os militares israelenses, para quem "as vítimas civis são danos colaterais", juram, em nota oficial, que erraram o alvo, que vão apurar o que aconteceu e que "o Exército não tem intenção de ferir civis, mas foi arrastado pelo grupo islâmico Hamas para dentro de uma realidade de combate urbano". Tem razão Eduardo Galeano quando escreve:
"O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los".  
Para o físico Albert Einstein, alemão de origem judaica, é isso mesmo, não existe qualquer diferença entre matar na guerra e cometer um homicídio comum, ambos são igualmente abomináveis: "O militarismo é uma nódoa nas grandes realizações da civilização moderna. Heroísmo encomendado, violência regulamentada, patriotismo arrogante tornam vil e abominável qualquer guerra de agressão. Da minha parte, preferia ser fuzilado a tomar parte numa luta desse tipo". Grande Einstein.
Nos anos 1950, Einstein condenou com firmeza o militarismo hoje dominante em Israel, quando afirmou que "a pior das instituições gregárias se intitula militarismo. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar ao som de uma banda militar, basta para merecer o meu desprezo. Esse homem recebeu um cérebro volumoso por mero engano, a espinha dorsal seria perfeitamente suficiente para ele".
A guerra, qualquer guerra, representa a barbárie, a selvageria, a incapacidade de resolver os problemas através do diálogo que - segundo Jorge Luís Borges - é a mais criativa e civilizada invenção do ser humano, mais importante do que a bomba atômica".    
O diálogo
Como é possível que nações civilizadas, portadoras de alta tecnologia, praticando uma ciência de ponta, com filosofia e literatura refinadas, com pensadores de alto nível, na hora de resolver seus conflitos, em vez do diálogo, partem para a guerra, para a matança, para a carnificina, para a destruição de vidas incluindo civis e crianças? Por que não buscar o exemplo de culturas muito mais civilizadas nesse campo?
Os índios Wayuu, conhecidos também como Guajiro, que vivem na Venezuela e na Colômbia, criaram um sistema jurídico singular, que resolve os conflitos internos sem necessidade de usar a força. Os conflitos, inevitáveis em qualquer sociedade, lá são resolvidos através do pütchipü´u, nome de um pássaro, um papagaio falador, que serve também para designar dentro da sociedade guajira o “mestre da palavra’, o “dono do verbo”, enfim um índio sábio, especialista no manejo da linguagem.
Quando alguém se sente prejudicado, chama logo o pütchipü´u. Ele vem, analisa, conversa com as partes em litígio, persuade, insinua, negocia, cria cenários às vezes ameaçadores sobre os possíveis desdobramentos do caso, mostrando que todo mundo pode perder. Ele não é bem um juiz que condena ou absolve. É mais um intermediário, um mediador na solução das brigas, e isso porque o sistema jurídico Wayuu não é um sistema de “justiça punitiva”, mas de “justiça de compensação”, “justiça de restituição”.
Por isso, há uma reação internacional contra os crimes cometidos em Gaza. Manifestações em algumas capitais europeias, protestos, inclusive com carta aberta assinada por artistas e intelectuais de diversos países, entre eles seis vencedores do Prêmio Nobel da Paz exigindo embargo militar contra os israelenses. Mas é ainda pouco. O secretário geral Ban Ki-Moon deu uma declaração tímida que só evidencia sua pusilanimidade. Obama, bem, Obama é uma fraude.Veio com o mesmo lero-lero.
Enquanto não acontece uma reação mais firme, temos que sair de nossas Aparecidas para chorar as crianças assassinadas em Gaza e manifestar nossa indignação contra os fipilhopós da putapá que matam crianças e civis numa guerra sórdida sem sentido. O Geraldão usava a farda para fins mais nobres: conquistar as caboquinhas. Einstein não sabia quais as armas que seria usadas na III Guerra Mundial, mas profeticamente anunciou que "a IV Guerra Mundial será lutada com paus e pedras". O planeta precisa urgentemente de pütchipü´us.
Ver também Morrer de Aparecida  - https://www.taquiprati.com.br/cronica/54-morrer-de-aparecida

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16 Comentário(s)

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Ciro Braga Dantas comentou:
22/08/2014
Parece que os nazistas (opa, israelenses) não têm nenhuma memória: estão colocando os palestinos em territórios delimitados, por onde só podem sair com passagens especiais, vigiados pelo exército israelense; algo em comum com os guetos da 2ª Guerra? crianças e adultos inocentes sendo mortos aos borbotões, de uma forma estúpida, hospitais sendo explodidos...em pequena escala e guardadas as proporções, um repeteco do extermínio de judeus 1939-1945, com judeus cometendo os assassinatos desta vez. Contato de Ciro Braga Dantas
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Pedro Domingues comentou:
28/07/2014
De há umas semanas a esta parte, Israel e os terroristas do Hamas voltaram a envolver-se em confrontos. Depois a coisa seguiu a sua ordem natural: Israel é má e pérfida e uma ameaça à estabilidade na região e violadora dos direitos humanos e assassina de civis e tal e coisa e o Hamas é bom e coitadinho e pobrezinho e inocente e uma vítima e lálálá por aí fora. Para quem já não se lembra a coisa desta vez começou porque um grupo de jovens israelitas foi raptado pelo Hamas, torturado e executado. Não é de espantar, porque o Hamas é uma organização terrorista e criminosa que não aceita a existência do Estado de Israel, e os criminosos terroristas têm uma certa apetência para cometer crimes. Como estes. Na retaliação, radicais israelitas aplicaram a velha receita do olho por olho, dente por dente, que normalmente só dá é porcaria começada por ‘m’. Curiosamente, a criminosa Israel deitou-lhes a mão e prendeu-os, coisa nunca vista num Estado tão malandro como aquele. Vai daí o Hamas decidiu lançar uns rockets sobre Israel, direccionados a alvos civis e não militares. Curiosamente, ninguém dá muita importância a isso. Afinal, o Hamas é só uma organização criminosa e terrorista e os civis israelitas, lá no fundo, no fundo, merecem morrer porque, afinal, são judeus não é verdade? Deu-se então essa coisa estranha que foi Israel começar a defender-se. Normalmente é uma coisa que acontece quando se é atacado, mas Israel por regra não tem o direito de se defender e como se defende é uma malandra. Claro que como é um país mau e pérfido, assim uma espécie de bruxa cartuxa da política internacional, Israel foi logo acusada de matar civis. E crianças. O que todos se esqueceram de dizer – sabe-se lá porquê – é que Israel avisou as áreas alvo dos seus ataques e os civis não fugiram porque não quiseram. A realidade é que os coitadinhos do Hamas usam crianças como escudos humanos contra os ataques israelitas. Imagino que devo fazer parte do punhado (pequeno) de pessoas que acha que Israel tem direito a existir, que não se esquece da situação era tensa mas equilibrada que existiu até há uns quantos anos atrás, quando a então OLP de Yasser Arafat lançou um ataque contra Israel, em Jerusalém, acabando com o equilíbrio na região, porque entendiam que Israel não tinha direito a existir. E também me lembro que todas as tentativas de paz são, por regra, sabotadas por coitadinhos do tipo criminoso e terrorista do Hamas, porque só aceitam a paz quando Israel for destruída. Parece-me que vão ter que esperar um bocado. Aliás, para quem não sabe, ainda não está em vigor um cessar-fogo proposto pelo Egipto porque o Hamas não aceitou. Coitadinhos. Dos terroristas criminosos.
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Akram Affaneh (Correio do Brasil) comentou:
26/07/2014
Um texto super justo descreve a realidade sofrida pelo povo palestino... que tem uma historia muito parecida com a historia dos indios no Brasil.
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Fernando Hottum (Correio do Brasil) comentou:
26/07/2014
Parabéns pelo texto e pelo contexto, numa lucidez tão importante para este momento de obscurantismo diante de fatos tão graves para a alma humana.
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Juarez Silva (Manaus) comentou:
25/07/2014
Não é bomba israelense, mas não erra o alvo, precisão cirúrgica Professor...
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Juarez Catunda comentou:
21/07/2014
Um tal de Luiz Felipe Pondé escreveu artigo na Folha de São Paulo (21/07) com o título de MARKETING POLITICO. O cretino agride nossa inteligência e nossa sensibilidade ao afirmar que abre aspas " O Hamas espera que muitos palestinos morram para dizer que Israel é mau. Isso é puro marketing" fecha aspas. Quer dizer, quanto maior o número de crianças palestinas assassinadas pelo exército israelense, maior o marketing politico palestino, Se é assim, por que Israel não para de matar crianças?
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Portal Cultura em movimento comentou:
21/07/2014
Em pleno 2014, a barbárie e a bestialidade humana retornam ao palco. O refinado exército israelense, em mais um ato que evidencia ao mundo a estupidez que pode partir de seres humanos desconectados da lucidez dialógica, vem massacrando a população palestina. A comunidade internacional (cada um de nós) não pode ficar passiva a mais esta desastrosa aventura protagonizada pela política/engenharia terrorista do estado israelense. O texto de BESSA FREIRE muito contribui para nossa reflexão. Não deixe de ler! MEU BAIRRO E A FAIXA DE GAZA
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ana comentou:
20/07/2014
Disse Salomão que 'TUDO é vaidade'. Eu digo para os que vencem uma guerra: Convivam com a vitória!!!!!! Essa frase vai do presente a séculos depois. Quem realmente é vitorioso????
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Maria Inez do Espírito Santo comentou:
20/07/2014
Belo texto! Concordo e aplaudo o autor!
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20/07/2014
Caro Bessa, Cara Nilda; Quando eu era jovem ouvia dizer que o avanço da ciência e a melhor distribuição das riquezas proporcionaria o aparecimento de um mundo mais justo, menos violento e solidário. Não foi isso que aconteceu. Os dois lados, que até bem pouco tempo achavam que se tornara somente um, resolveram colocar as suas manguinhas de fora. E se comungarmos com Einstein veremos que ambos os lados resolveram voltar a cometer suas atrocidades em grande escala. No mesmo dia em que Obama com sua cara debochada dizia que Israel tinha que se defender, a Rússia para empatar o jogo patrocinava a derrubada de um avião com quase o mesmo número de mortos de Gaza. Parece que estamos piorando... Ou não? Contato de Antonio Eugenio do Nascimento
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Joelma Dantas comentou:
20/07/2014
Gaza é o símbolo da intolerância humana.Lá a gente vê do que os homens são capazes e nos assusta saber que carregamos este mostro dentro de nós!Em Gaza os mostros estão rebelados...
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Neusa Ramalho Silvério comentou:
20/07/2014
Ah! Meu caro Bessa daqui do meu cantinho, onde escondida, assisto a alegria de um futebol fabricado, imagino a tristeza de todos que estão vivendo simplesmente, simplesmente vivendo! Crianças jogando bolas em uma praia, pequenas alegrias furtadas de um mundo cruel e insano! Obrigada mais uma vez pela suas palavras , que são as minhas e, espero que sejam a de muitos, que como eu estão envergonhados da sua condição de seres Humanos diante de tanta barbárie!
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Neusa Ramalho Silvério comentou:
20/07/2014
Ah! Meu caro Bessa daqui do meu cantinho, onde escondida, assisto a alegria de um futebol fabricado, imagino a tristeza de todos que estão vivendo simplesmente, simplesmente vivendo! Crianças jogando bolas em uma praia, pequenas alegrias furtadas de um mundo cruel e insano! Obrigada mais uma vez pela suas palavras , que são as minhas e, espero que sejam a de muitos, que como eu estão envergonhados da sua condição de seres Humanos diante de tanta barbárie!
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Ana Stanislaw comentou:
20/07/2014
É, precisamos mesmo! Os palestinos têm que ter os mesmos. direitos dos israelenses. Até quando os palestinos serão trucidados por ódio inútil esem sentido? Obrigada Bessa por essa crônica tão precisa e certeira. Temos que sair, chorar e nos indignarmos com tanta desumanidade! Parabéns!
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Gleice Antonia (via FB) comentou:
19/07/2014
Dói! Dói demais ver a dor dessas pessoas e mais ainda os gritos dessa criança. Pra quê tentar descansar, deitar e fechar os olhos se as imagens, os gritos e a dor estão comigo?? Estado sionista de Israel, estado assassino, pare de matar o povo palestino!!! Israel é um criminoso de guerra. Boicote totall!
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Charufe Nasser (via FB) comentou:
19/07/2014
Eu continuo te amando. Tú ēs oaximo! Bj
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