CRÔNICAS

Os eleitores prefulgenciados

Em: 21 de Outubro de 2012 Visualizações: 21110
Os eleitores prefulgenciados

 

Você se considera um  (e) leitor prefulgenciado? Da resposta a esta pergunta depende os destinos da tua cidade. No próximo domingo, dia 28, quando ocorre o segundo turno das eleições municipais, mais de 31 milhões de eleitores voltam às urnas para escolher os prefeitos de 50 cidades brasileiras, das quais 17 são capitais. Apenas os eleitores prefulgenciados saberão reconhecer aquele que é, efetivamente, o melhor candidato.
As nossas cidades estão pedindo, implorando, prefeitos ou prefeitas que as tratem com carinho. É o caso de Manaus. Nesta semana, em trânsito para o Rio Preto da Eva, caminhei algumas horas pelas ruas da capital, fiquei chocado em ver como a desordem urbana atingiu proporções inacreditáveis: Manaus está mais esburacada, maltratada, suja, sem calçadas, com um trânsito caótico, desarborizada, com problemas sérios na coleta do lixo e no abastecimento de água.
Nos últimos quatro anos, Manaus apanhou mais do que mulher de malandro machista e feminicida.  A qualidade de vida diminuiu sensivelmente. Quem reclamou, recebeu como resposta: "Então, morra". Manaus não tem prefeito. Os eleitores que há quatro anos escolheram Amazonino Mendes, não eram, definitivamente, prefulgenciados. Aliás, Amazonino é a negação do prefulgenciamento. Saudades do Serafim (PSB)!
A gestão do Amazonino foi tão ruim, mas tão ruim, que ninguém quer seu apoio, que tira votos. A campanha da senadora Vanessa Graziottin jura que, por baixo do pano, o atual prefeito encoraja o outro candidato, Arthur Virgilio Neto, cujos partidários lembram que o vice de Vanessa era secretário do Amazonino. Só eleitores prefulgenciados, seja lá o que isso signifique, podem se situar no meio de tanta confusão. Para ajudar os (e) leitores, apresento aqui o criador da palavra.
Luz do mundo
Na realidade, hoje eu apenas queria comentar um livro, mas as eleições não deixaram e acabei fazendo um gancho. Foi de lá, desse livro, que tomei emprestado o adjetivo, criado por um mineiro do Vale do Jequitinhonha, que se autodefine como "astrofísico, teólogo e prefulgenciado". Ele é Paulo Marques de Oliveira, um dentista prático aposentado, de 86 anos, que nasceu em Comercinho do Bruno e mora em Salinas (MG), um município produtor de requeijão, carne de sol, cachaça e cultura popular vigorosa.
Paulo Marques escreveu Ô fim do cem, fim, com o objetivo de explicar a estudantes e adultos os fundamentos do mundo. Começou a rabiscar os  cadernos nos anos 50, na época da guerra fria, quando temia que uma bomba atômica acabasse com o planeta. "Deus é maior. Ele pode destruir com o calcanhar quem quiser destruir a terra dele" - ele diz.    
Marina Acúrcio, da Vereda Editora, viu os cadernos e não duvidou: fez uma edição caprichada, com capa dura, reproduzindo as folhas dos cadernos manuscritos com uma letra aprimorada de caderno de caligrafia e desenhos de grande beleza gráfica, que parecem bordados a mão.

A escrita do astrofísico prefulgenciado não se enquadra nas regras e normas da escrita padrão, no que diz respeito à sintaxe e à grafia. É o tipo de escrita praticada por autores que vivem predominantemente no universo da oralidade, e que ao migrarem para o mundo da escrita, mostram seu lado transgressor. Enquanto a escrita alfabética é linear, a escrita prefulgenciada rompe com a linearidade, se aproximando muito da estrutura de um hipertexto.  
- Ensino tudo - diz o autor do livro.
Ele não está exagerando. O livro é uma enciclopédia, que penetra em todos os campos dos saberes. Numa sociedade com o saber hiperespecializado, onde o otorrino não cuida do ouvido direito do paciente porque sua especialidade é o ouvido esquerdo, Paulo Marques, cuja origem é o mundo não especializado, assombra porque discorre sobre tudo. Sua temática é variada e dispersa para nossas padrões, mas essa é a forma de se legitimar sábios enraizados na cultura popular.
Escrita e Oralidade
O livro entra no campo da medicina popular para nos apresentar remédios naturais e fitoterápicos e opinar sobre doenças, sobre o parto, a anestesia, a saúde bucal. Fala de política, religião, pedagogia, filosofia, astronomia, agricultura, engenharia, matemática, química, história, literatura, culinária e oscambau a quatro. Mas exibe ainda os inventos do autor: vários tipos de forno, inclusive um deles para processar lixo, além de bateria hidrelétrica, bateria atômica, satélite para acabar com a noite, chuveiro de água esquentada por um lampião, camisa para não morrer afogado e por aí vai.

- Ele é um homem que se liberta, sem censura, para não enlouquecer. Paulo Marques, como Arthur Bispo do Rosário, expressou a sua missão de forma artística -  comenta a editora, Marina Acúrcio.
O livro e seu autor foram celebrados recentemente por dois programas de Pós-Graduação, um da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e o outro da UNIRIO que organizaram uma mesa-redonda, coordenada pela doutora Isabel Missagia de Mattos (UFRRJ), com o objetivo de discutir questões relacionadas à Memória, Escrita e Oralidade. 
O evento foi iniciado com a leitura feita por Benita Prieto de trechos do livro de Paulo Marques, seguida das falas do antropólogo Carlos Rodrigues Brandão (UNICAMP), que discorreu sobre Literatura, Cultura e Educação Popular, da psicóloga Patricia Reinheimer, que abordou o tema da Arte e Saúde Mental e, finalmente, desse locutor que vos fala, que fez uma analogia da escrita de Paulo Marques com a dos cronistas índios dos Andes e dos atores da Cabanagem na Amazônia.
O evento se encerrou com o lançamento do livro de Paulo Marques, uma performance de Ramon Mello, a partir da obra Astronauta de Mim, de Rodrigo Souza Leão, e a exibição do documentário O Fim do Sem Fim de Beto Magalhães, Cao Guimarães e Lucas Bambozzi.
O nosso dentista prático é um prefulgenciado, porque foi capaz de elaborar um discurso lúcido e confuso, delirante e racional, provinciano e universal, religioso e científico. No final do evento, sai convencido de que ou todos nos prefulgenciamos para entender melhor o mundo e não nos deixarmos enganar, ou estamos liquidados. Sacou agora, (e) leitor, porque só quem é prefulgenciado pode escolher o melhor candidato a prefeito?

Outro prefulgenciado é o estilista Ronaldo Fraga que se inspirou  no mestre Paulo Marques de Oliveira e criou uma coleção, para o inverno 2013, apresentada no desfile na São Paulo Fashion Week nos últimos dias de outubro. Apresentamos aqui alguns looks do desfile sobrepostos às páginas do livro, com os desenhos que inspiraram as estampas, as texturas e os bordados da coleção. As fotos são de Zé Takahashi e Marcelo Soubhia/Ag. Fotosite. 

P.S. Na passagem por Manaus, aproveitei para visitar uma casa do Prosamin, que só conhecia de longe. Fui lá no Parque Residencial Manaus (entre as ruas Ramos Ferreira e Ipixuna), conversei com Everaldo Brito, presidente da Associação dos Moradores do Parque Residencial (Ampare) e com a socióloga Lacy da Mata, vice-presidente. Eles foram muito gentis, disponibilizando tempo para um dedo de prosa, me convidando a percorrer os espaços interiores de uma das casas. Voltaremos ao assunto. 

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19 Comentário(s)

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MARCOS MAQUINE comentou:
28/10/2012
Achei interessante o comentario de Vania Tadros Contato de MARCOS  MAQUINE
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Cris Amaral comentou:
23/10/2012
Querido Prof. Bessa pelo tom do debate, nos comentários que li, não tenho dúvida de que sua crônica agradou de um modo geral a todos! De minha parte sempre é um grande aprendizado. Parabéns! Carinhos
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Frederico Silva comentou:
22/10/2012
Boa noite ! como diz o professor José Bessa ,para ser prefungenciado devo me portar à maneira de Artur Bispo do Rosário. Ah ! Eu vou votar mesmo no Artur. No Artur Virgilio.
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Ana Silva comentou:
21/10/2012
O livro do prefulgenciado deveria ser cartilha para todos os políticos do Brasil. Realmente, é uma obra maravilhosa, tecida a partir de uma linguagem única e deliciosa, cujo estilo é inovador e inconfundível!! Parabéns pela crônica. Muito boa!
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Paulo Bezerra comentou:
21/10/2012
O Quê? Saudades do Serafim? Que Serafim ? O dedo-duro do SNI? Não pode ser. O Biqueiro que saia só de cuecas na banda da BICA? Talvez. O candidato que apoiado pelo PT e PCdoB derrotou o Amazonino? Esse sim, deixou saudades! Mas o ex-prefeito de Manaus? Aquele que administrou tão mal a cidade que fez o Amazonino renascer das cinzas? Necas de pitibiribas. Muito menos, o Serafim que “virou a casaca” e passou pro lado do DEM/PSDB em 2010, abandonando aqueles que o ajudaram na sua eleição p/prefeito. O Serafim de hoje, em Manaus apóia os demotucanos e em nível nacional se diz aliado do governo Dilma. Foi assim também no governo Lula. De dia lambia as botas do presidente operário. De noite conspirava contra o governo. É um homem de várias caras. Babá, o Serafim que tu conheceste não existe mais, era apenas uma ficção. Com certeza, o que te fez lembrar esta triste criatura foi o título do livro do Pedro Marques de Oliveira “Ô fim do cem, fim” que mais parece “O Fim do Serafim”.
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Ana Paula Freire comentou:
21/10/2012
E quem "virou casaca" em 2008, quando Serafim tentava a reeleição? Para onde o PCdB se bandeou naquele pleito? Querer pintar Vanessa como "mudança" é afrontar a minha inteligência. A comunista neo-religiosa é apoiada pelo governador Omar Aziz, pelo senador Eduardo Braga, tem como vice Vital Melo, oriundo da SITUAÇÃO, e vem querer se vender como "Mudança"? Francamente! O povo de Manaus não é burro. E, desta vez, não se trata de escolher entre PSDB e PT, simplesmente. O importante, nesse contexto, são as ideias que os candidatos estão defendendo. E Vanessa segue o modelo de Serra, com discurso obscurantista e campanha de baixo nível (eu falo de campanha, do programa eleitoral, que é discurso "institucional", não dos eleitores exaltados, que debocham, gozam e até desrespeitam, e estão presentes nos dois lados). Creio Vanessa tucanou. Lamentável.
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vania tadros comentou:
21/10/2012
Bessa é pena que ao final da gestão do Serafim vc não passou por aqui nem para ir ao Careiro da Várzea. Se tivesse passado veria que o Serafim já deixou está cidade extremamente arrebentada. Como sou historiadora não posso escrever ser injusta. E na minha modesta opinião também entendo que vc não pode deturpar a história só porque você não gosta do Amazonino nem escrever a nossa história política apenas com base naquilo que parte da família Bessa, sempre muito apaixonada, lhe conta. Tanto é que o Serafim não consegue ser eleito mais para NAAAAAAAAADAAAAAAAA. A VOTAÇÃO DO SERAFIM FOI PÍFIA. Eu fiquei muito preocupada quando o Serafim, muito opotunísticamente, resolveu dar esse apoio puramente dispensável para o Artur que está dando um show de votos. Ninguém neste ESTADO DO AMAZONAS sente-se inibido com o apoio de Amazonino Mendes. Desgastado para tudo, inclusive para apoios está o LULA E A DILMA, do teu querido PT, que gravaram programas de apoio a VANESSA e não conseguiram nem um votinho sequer. Por falar em Lula quando irás fazer uma crônica inteira sobre a desonestidade e malidicência do Zé Dirceu, Genuíno, Delúbio e toda a rapiocagem petralha? ,
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aninha comentou:
22/10/2012
SER OU NAO SER,(prefulgenciado), EIS A QUESTAO! putz! ta muito ruim! qual dos piores seria o melhor???????? Contato de aninha
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Giane comentou:
21/10/2012
Adorei o gancho para oralidade e escrita - já que não sou de Manaus e não entendo nada da política local.. Beijo grande..
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Danielle comentou:
21/10/2012
O evolucionismo, o Progresso, e os "progressistas" , o desenvolvimentismo são as nossas sobrevivências históricas. Contato de Danielle
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Tadeu Veiga comentou:
20/10/2012
prefulgenciado é você!
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Suane comentou:
20/10/2012
E agora? Confusa entre: O Prefulgeniciado e a falta de opção... Oh, Mazoca! Poderias ter sido um pouco melhor e ter deixado pelo menos um pouco menos pior a situação. E quem sabe assim teríamos menos maus motivos pra escolher , e daríamos as chances aos bons motivos.
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Luiz Bazilio comentou:
20/10/2012
Bessa querido: depois daquela sua crônica comentando que a nossa valorosa senadora rasgou tudo que acredita e deu as mãos para o evangelismo sacropanta, comecei a sentir uma certa simpatia pelo Artur Virgilio. Na política como na vida, nada um dia depois do outro.
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