CRÔNICAS

A quadrilha do Solimões: Adail, o sanfoneiro de Coari

Em: 08 de Junho de 2008 Visualizações: 9668
A quadrilha do Solimões: Adail, o sanfoneiro de Coari

Faz três anos, meu sobrinho, ainda estudante, foi o noivo na ‘Quadrilha do Mensalão’ (ver www.taquiprati 19/06/2005). De lá pra cá, concluiu o curso de Serviço Social. Ganhou diploma, perdeu peso, mas manteve seu apelido: ‘Pão Molhado’. Daí, já bacharel, passou a usar óculos e uma barbinha ridícula, que lhe dão um ar de intelectual de esquerda. Ficou habilitado como assistente social a “avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, entidades e organizações populares”, podendo ainda – ele diz enchendo a boca – “orientar indivíduos e grupos na defesa de seus direitos”.

Foi com sua autoridade de bacharel que ‘Pão Molhado’ avaliou tecnicamente a quadrilha do Solimões, também conhecida como ‘Os larápios da roça’, depois de assistir sua apresentação nas festas juninas, em arraiais decorados com bandeirinhas de papel colorido, ao redor de fogueiras, com muito foguetório, no meio de barracas que vendem tapioca, cuscuz, pamonha, canjica, pé-de-moleque e outras comidas típicas.  

Na avaliação de ‘Pão Molhado’, a quadrilha do Solimões, seguindo a orientação do marcador, governador Eduardo Braga, executou vários passos de dança. No primeiro deles – ‘Engané les babaquês’ - desviou R$ 29 milhões, incluindo os R$ 18 milhões pagos indevidamente pelo governo do Estado à Pampulha Construções e Montagens Ltda, por obras-fantasmas na região que não foram realizadas, conforme foi constatado pela equipe da comissão de inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

A Comissão visitou os municípios de Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Santo Antônio do Içá, Fonte Boa e várias comunidades. O seu relatório preliminar aponta para a devolução, aos cofres públicos, dos R$ 29 milhões pagos por serviços que não foram executados.

Coaridrilha

O projeto do ‘Pão Molhado’ foi denominado de Coaridrilha, num trocadalho do carilho em homenagem ao tocador de sanfona, o prefeito de Coari, Adail Pinheiro, que em setembro de 2006 foi detido pela Polícia Federal no aeroporto de Tefé com R$ 210 mil em duas malas, em companhia do vice-prefeito Rodrigo Alves. Saudades dos tempos em que a poeta dos castanhais de Trocari, dona Higina, cantava o hino à cidade com letra dela e musica do padre Antônio, que também tocava sanfona.

O sanfoneiro Adail, responsável por vários passos de dança da Coaridrilha, tem aparecido recentemente no noticiário nacional, envolvido em muitas falcatruas. Um dos passos é o “dinheirrô na malá”, referente aos R$ 6,9 milhões encontrados em sete malas pela Polícia. O outro, chamado “Previdenciê”, se refere ao fato de Adail ter se apropriado indevidamente de mais de R$ 40 milhões oriundos das contribuições previdenciárias dos servidores daquele município, recolhidas entre 2001 e 2004.

A outra marcação intitulada “Superfaturé” é uma homenagem à Prefeitura de Coari, que celebrou contratos no valor de R$ 37, 4 milhões com construtoras controladas por Carlos Eduardo Pinheiro, irmão de Adail, ambos responsabilizados pela Controladoria Geral da União pelo uso de notas fiscais irregulares, superfaturamento de obras, fraudes em licitações, entre outros atos ilegais.  

Vestido de caipira matuto, com camisa quadriculada, calça remendada com panos coloridos e chapéu de palha, o sanfoneiro Adail, da Coaridrilha, criou mais dois passos de dança, neutralizando a Assembléia Legislativa e o Poder Judiciário. Um deles, o “juizé rapidé”, envolve o novo presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, Francisco das Chagas Auzier Moreira, citado em gravações telefônicas da Policia Federal, em uma articulação para conceder sentenças favoráveis ao prefeito de Coari.

As escutas telefônicas, a que o Diário do Amazonas teve acesso, registram que o desembargador Auzier foi citado pelo secretário municipal de Governo de Coari, Adriano Salan, por conceder, NO MESMO DIA EM QUE FOI PEDIDA, uma decisão garantindo a continuação do percentual de repasse à Coari do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Questiona-se que a decisão não podia ser concedida no mesmo dia em que o recurso foi protocolado. “Eu nem conheço o prefeito de Coari. Tenho certeza de que não agi de má-fé”, declarou em sua defesa o juiz.

O ‘Pão Molhado’, que estuda a Coaridrilha, diz que ele também não conhece o prefeito de Coari e gostaria de ter a mesma certeza do juiz. Agora, o atual corregedor do Tribunal de Justiça do Amazonas, João de Jesus Abdala Simões reconhece que nenhuma providência foi tomada no caso, mas que pode ser aberto um procedimento administrativo contra o envolvimento de magistrados no esquema de corrupção de Coari.

Um dos passos mais ousados da Coaridrilha é o ‘Deputé neutralizé’. Trata-se de uma marcação da dança comandada pelos deputados Wilson Lisboa (PCdoB)  e Vera Lúcia Castelo Branco (PTB), que retiraram suas assinaturas do requerimento de Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as falcatruas do prefeito de Coari, levando o presidente da Assembléia, Belarmino Lins, a arquivar o pedido.

Esse passo está articulado com outro – o “Cabassau perdidé” – através do qual a Coaridrilha mostra que o PCdoB, o único partido no Amazonas que ainda mantinha sua virgindade em atos de corrupção, perde o seu – com o perdão da palavra – cabaço político. É que o deputado José Lobo, do PCdoB, foi secretário de obras de Adail Pinheiro. E quem se aproxima a uma distância de cinco metros de Adail, fica fedendo. Lobo aparece em várias gravações feitas pela Polícia Federal e está comprometido até o tucupi no esquema de corrupção.  

O último passo antes da despedida da quadrilha foi dado pelo prefeito de Manaus, Serafim Corrêa (PSB). Considerando que R$150 milhões referentes ao repasse de ICMs desde 2005 foram roubados e repassados a Coaridilha envolvida com prostituição infantil e com milícia, Serafim decidiu ingressar com uma petição na Corregedoria do Tribunal de Justiça e outra no Conselho Nacional de Justiça, para que investiguem a participação de magistrados nessa ação criminosa. Essa é a nossa única esperança.

Enquanto goza da conivência de setores do Judiciário e da cumplicidade do Legislativo, Adail Pinheiro, o Maluf do Alto Solimões, chefe da Coaridrilha, recita tranquilamente versos gravados clandestinamente por ‘Pão Molhado’:

Confessei-me a Santo Antônio
 Declarei que estava roubando.
Ele deu-me por penitência,
Que continuasse assaltando. 

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