Mui digno presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas
Escrevo essa carta, mas não repare os senões, para dizer o que sinto sobre os insultos contra Vossa Excelência formulados pelo – digamos assim – ‘empresário’ Djalma Castelo Branco, na Rede Amazônica de Televisão. Segundo ele, V. Ex a. é um cachaceiro, que devia ter “um bafômetro no seu gabinete” e um leviano que “assina sem ler” os documentos que despacha. “Em mais de 40 anos de magistratura, nunca vi uma agressão como esta, só no Amazonas”, disse com razão o desembargador Arnaldo Carpinteiro Peres, para quem a agressão foi contra o Poder Judiciário.
Por que um - digamos assim, ‘empresário’ – ataca na pessoa de um desembargador o próprio Tribunal de Justiça? Gostaria de formular essa pergunta pessoalmente, mas nesse momento estou longe, em Criciúma, convidado pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Daqui, posso imaginar que muitos leitores aí no Amazonas estão perplexos, como eu, sem entender essas ofensas, nada gratuitas, como pretendemos aqui relembrar. Vamos aos fatos.
Se essa rua fosse minha
O controvertido – vá lá que seja! – ‘empresário’ Castelo Branco se apropriou de logradouro público – a rua Anhdiu, na av. Torquato Tapajoz, que tem mil metros. Ele chegou lá, na segunda-feira, dia 18, com mais de 20 seguranças armados e - pasmem! - acompanhado de um oficial de Justiça. Gritou, possesso: “Essa rua é minha”. Mas em vez de mandá-la ladrilhar com pedrinhas de brilhantes para o seu amor passar, começou a destruí-la, com a ajuda de uma pá mecânica para não deixar ninguém passar.
Parecia que o capiroto havia se apossado do corpo dele. Quem viu, disse que seus olhos estavam esbugalhados. O cara derrubou árvores, destruiu o gramado, cavou trincheiras e crateras, com ajuda de uma pá mecânica, e derrubou os postes de iluminação pública, bloqueando com eles a pista. Com isso, deixou a vizinhança sem luz e impediu a circulação de pessoas e veículos, inclusive o acesso de 100 funcionários a três empresas instaladas no local. Enfim, uma insanidade!
- Essa não é a primeira vez que ele fez isso este ano. Ele já veio aqui mais duas vezes, Na primeira, derrubou alguns postes e quebrou a rua, agora a ação foi mais devastadora – disse um dos prejudicados, Roberto Barreto, esse sim empresário de verdade, proprietário da empresa Energia Participações.
A rua foi decretada via pública, conforme o decreto 1.680 de agosto de 1993. Mas o polêmico – diz que – ‘empresário’ Castelo Branco teimou que a rua lhe pertencia, entrou há dois anos com processo pela reintegração de posse. Até ai tudo bem. Mas ele perdeu a causa em duas instâncias. Como Manaus é terra de muro baixo, conseguiu que a juíza Simone Lauret assinasse uma liminar, antes mesmo de pagar as despesas processuais, dando-lhe o direito de destruir a rede elétrica e de interditar a rua.
Foi aí que o bicho pegou. O presidente do TJAM, desembargador Auzier pode até não ter lido a papelada, mas nesse caso fez leitura mais profunda: leu a alma do contribuinte e do cidadão, leu o interesse público. Ele não podia concordar com uma loucura dessas. Anulou a liminar da juíza, obrigando a liberação imediata da via. O encapirotado truculento foi à televisão, e declarou: “quantas vezes colocarem postes lá, eu mando derrubar”. Zombou da Justiça e tratou o desembargador de cachaceiro irresponsável.
Ouvindo Beethoven
Djalma Castelo Branco, denominado de Caboco Tranca-Ruas de forma ofensiva à religiosidade popular, é um troglodita truculento, com larga folha de serviços prestados ao movimento “ganho no grito”. Em 2006, invadiu a Prefeitura de Manaus e esmurrou o diretor do Implurb; no ano anterior, mandou incendiar casas de idosos, segundo o Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese de Manaus; além disso, espancou o advogado Abdala Sahdo dentro do Tribunal de Justiça, depois de ter sido citado em CPI por crime de abuso sexual contra adolescentes. Alguém tem que explicar pra ele que numa democracia, num estado de direito, as coisas não funcionam assim. Não é na porrada, é no convencimento.
Esse Sabino envernizado se gaba que vários juízes comem em sua mão. Consegue liminares, indenizações e provas de propriedade de terras que não lhe pertencem. Agora, está usando sua rede de relações para perseguir a bióloga Elisa Wandelli, que com outros ambientalistas o denunciou por crime ambiental em fragmento florestal, conseguindo sua condenação na Justiça Federal. Moveu vários processos contra ela, para golpear o movimento ambientalista. Da mesma forma que obteve liminar para trancar uma rua, arrancou a condenação de Elisa Wandelli no TJAM.
A bióloga Elisa Wandelli é acusada de ter exercido a cidadania. Esse foi o “crime” que cometeu. Djalma Castelo Branco acha, no entanto, que foi a bióloga quem chamou a polícia para averiguar suas lambanças e que divulgou os fatos em jornal local, o que não corresponde à realidade factual. Ela foi condenada, sem que sequer fossem ouvidas sete das testemunhas por elas arroladas no processo, três deles diretores de órgãos ambientais. O juiz que a condenou era de outra comarca e não havia participado das audiências.
Elisa Wandelli, uma militante do movimento ambientalista, foi absolvida em todos os processos movidos por Djalma Castelo Branco que transitaram na justiça especial, onde juízes e promotores são menos sujeitos – digamos assim – a pressões do poder econômico. Nesses casos, ficou claro que as acusações não configuravam crime. No entanto, ela foi condenada no processo civil que transitou na justiça comum e no TJA, que continham os exatos conteúdos que os da justiça especial, e agora é obrigada a indenizar – imagine só! - Castelo Branco por danos morais.
Meritíssimo desembargador Francisco Auzier Moreira, não permita que essa vergonha, essa ignomínia desmoralize ainda mais a Justiça do Amazonas: que uma cidadã honesta, lutadora, que arriscou a pele por todos nós, pela qualidade de nossas vidas (inclusive a da sua, desembargador) seja obrigada agora a indenizar o truculento Caboco Tranca Rua por danos morais. Indenizar Castelo Branco por danos morais? Qua-qua-ra-quá. Fala sério! Ele devia era se autoprocessar, num caso inédito na Justiça brasileira, porque ninguém mais do que ele próprio lhe causa danos morais.
Por isso, caro desembargador, em nome de todos os manauaras preocupados com as condições ambientais de nossa cidade, venho solicitar a V. Ex a :
Primeiro, para se inspirar, ouça Opus 126 de Beethoven (Pour Elise) usado como música de espera em secretárias eletrônicas – pam-pam-pam-pam-pam-pam-pam. Em seguida, tome uma talagadinha de cachaça, que ninguém é de ferro (eu também sou chegado numa ‘branquinha’) e assine o despacho mandando arquivar o processo 001.03.031772-0 da 4a Vara Civil de Manaus do Castelo Branco contra Elisa Wandelli; esse processo depõe escandalosamente contra a Justiça do Amazonas. Depois, assine, mesmo sem ler, uma ordem judicial obrigando Djalma Castello Branco a passar por cinco sessões de desencapetamento. Só assim, sem o demônio no corpo, esse forasteiro se manca.
P.S. – Meus amigos Praciano, Vanessa Grazziotin, Serafim Correa, Arthur Neto: nós vamos deixar a Elisa apanhar sozinha por defender uma causa coletiva? Pronunciem-se.
Outras crônicas sobre o tema:
- CABOCO TRANCA-RUA NU E CRU (21/09/2008) - http://www.taquiprati.com.br/cronica/65-caboco-trancarua-nu-e-cru
- CARTAS DE VÂNIA E MARILZA (17/09/2008) - http://www.taquiprati.com.br/cronica/66-cartas-de-v
- O CABOCO TRANCA-RUA ATACA (14/09/2008) - http://www.taquiprati.com.br/cronica/68-o-caboco-trancarua-ataca
- O CABOCO TRANCA-RUA (31/08/2008) - http://www.taquiprati.com.br/cronica/70-o-caboco-trancarua