CRÔNICAS

A UEA e a UA: o repórter Tambaqui ataca

Em: 13 de Julho de 1992 Visualizações: 1564
A UEA e a UA: o repórter Tambaqui ataca

Ele é formado em Engenharia pela Universidade do Amazonas (UA), mas tem faro e instinto de repórter. Sabe onde está a notícia. Preferiu assinar a carta que me enviou com o codinome de “Repórter Tambaqui”, nomeado a partir de hoje correspondente em Manaus do Taquiprati.  Confessa que não tem a coragem de aparecer com o seu verdadeiro nome, como fez o motorista Eriberto França que, na CPI da Câmara de Deputados, denunciou as falcatruas do Collor.

Anexo à sua carta, o repórter Tambaqui me envia cópia de um documento ultra confidencial, uma verdadeira bomba contra a Universidade do Amazonas. Esperamos que, antes de explodir, seja desativada a tempo e se transforme num catolé ou em um simples “peido de velha” de São João.

É isso aí que você acaba de ler, leitor (a). Tenho em minhas mãos um documento oficial datado de 15 de junho de 1992 intitulado Exposição de Motivos, dirigido ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, Gilberto Mestrinho. Tem o timbre da Secretaria de Estado da Administração e está assinado pela própria secretária Dolores Garcia Rodrigues.

O primeiro parágrafo contém os rapapés e trololós de praxe. As intenções da Secretaria são logo explicitadas no segundo parágrafo, quando ela informa:

“Venho desenvolvendo há algum tempo, com a minha equipe técnica, um estudo sobre a criação possível da Universidade do Estado do Amazonas”.

Ótimo! Excelente notícia. Se o Estado do Amazonas pode construir uma universidade, que nos ajude a refletir sobre os nossos problemas, que forme profissionais e que produza e faça circular conhecimentos, tem o apoio de todo o mundo.

Acontece que a UEA não vem para somar, mas para dividir, pois antes mesmo de nascer já se coloca não a favor do saber, mas contra a Universidade do Amazonas (UA), conforme registra o documento assinado pela Secretária de Administração.

No quarto parágrafo intitulado Diagnóstico da UA, a secretária entra de sola e gratuitamente afirma:

“A Universidade do Amazonas vem sofrendo nos últimos anos um processo de franca decadência institucional”.

Ué, onde está a decadência da UA, que expande seus cursos por todo o interior do Estado, que melhora a qualidade do ensino, que afina seus projetos de pesquisa, estimula a pós-graduação e titula seus professores.

O documento irresponsavelmente não identifica um só elemento – unzinho apenas – de tal decadência, mas apressadamente vai logo tentando desqualificar sem comprovar suas afirmações e quando o faz está encharcada de ideologia retrógrada.

A UA está decadente, segundo o documento, porque “sua direção está dividida entre partidos políticos como o PT e/ou o PC do B, o que trouxe constrangimento para o Governo Federal liberar recursos possíveis de utilização político-partidária”.

A informação é irresponsável, preconceituosa e retrógrada, quando o próprio governador e o prefeito, de forma correta, têm liberado verbas para ajudar a manter a UA, independentemente de qualquer divergência partidária. A UA é muito maior do que os partidos políticos. Sua importância é vital para os destinos do Amazonas e de Manaus.

Quando o governador convida o reitor da UA para acompanhá-lo em viagem ao exterior, está reconhecendo a importância da instituição. Pensar o contrário, escrever e assinar embaixo, francamente é prova de mesquinharia e mediocridade e de não reconhecer que alunos, professores e funcionários de qualquer universidade são livres para discutirem temas políticos

O documento oficial afirma ainda que houve “uma pulverização (sic) dos cursos da UA sem estabelecer a necessária prioridade e suas criações foram feitas por processos políticos”.  

Que diabos significa esse palavrório vazio? O documento prossegue atacando gratuitamente os cursos de História, Geografia, Educação Artística e Estudos Sociais da UA. Eu, hein, Rosa!

O item III revela a concepção de universidade dos autores do documento, ao propor que o quadro de professores da nova UEA seja formado com o recrutamento de funcionários da UTAM, Codeama, TVE, Rádio Cabocla e Diário Oficial, ESPEA, IMA – Instituto do Meio Ambiente da Unitrop, Fundação Vila Olímpica e o Instituto de Medicina Tropical. Por que não colocar nesse saco também a Sociedade de Habitação do Estado do Amazonas (SHAM), convidando o Gregório para ser o reitor com o título de “Vossa Pai d´eguança”?

O leitor deve estar pirado, se perguntando: afinal, o que a Secretaria de Administração está querendo com todo esse delírio? Aí tem truta.

Tem truta sim e ela pode ser pescada na página 3 do documento com um subtítulo “inocente”: Informações Adicionais e Preliminares. Transcrevo literalmente todo o parágrafo, que aponta para a formação de um “trem da alegria” sem responsabilizar-me pelos atentados à chamada “norma padrão” da língua portuguesa.

Com a pretensão didática de um catecismo, o documento endereçado ao governador reza:

“Algumas perguntas poderão ser feitas por Vossa Excelência no processo de análise desta proposta simples (Aqui pra nós, simplérrima, simplória) e preliminar. Apresso-me em responder pelo menos a duas delas:

  1. E os quadros técnicos para a nova universidade, de onde virão?
  2. O que acontecerá com a UA?

Respostas:

  1. Através do Censo, ora em realização, listaremos servidores por graduação, pós-graduação, doutorado, mestrado, etc que ocupam cargos na administração e não utilizam seus conhecimentos técnicos para, depois de uma triagem, mediante seleção curricular e entrevistas, serem aproveitados como professores na fase inicial de implantação.
  2. A UA fatalmente entrará em processo de autocrítica reformulando seu modelo.

O repórter Tambaqui anotou ao lado: “picaretagem”. Perspicaz Tambaqui! Bingo! É picaretagem mesmo! Contratar professores sem concurso é uma bela forma de construir uma universidade. Sobretudo se são titulados com o “etc”.

Finalmente, o documento sugere a criação de um grupo de trabalho para criar a UEA com os nomes da própria Dolores Garcia, dos professores Mário Amorim e Afonso Celso Nina. Tambaqui anota à margem, com sua letra de engenheiro: “Por que essa discriminação com o Gregório da Sham? Ele não tem o segundo grau, mas domina o saber popular.

Com seu faro jornalístico, Tambaqui identificou quem escreveu o documento. Foi o assessor da Secretária de Administração, Girão de Alencar, expelido da UA porque não dava aulas. Em um semestre no Curso de Comunicação, de 30 aulas, ele deu apenas duas. Um movimento dos alunos exigiu sua demissão. Confio no Tambaqui. O documento tem tudo para ser mesmo da lavra do Girão: irresponsabilidade, mediocridade, falta de lógica e escorregadelas no português padrão, aliados ao ressentimento em relação à UA da qual foi demitido.

Em sua carta, o intrépido Tambaqui me escreve:

“Eu acredito na sua coragem de denunciar à sociedade o golpe que querem dar na UA, enganando o governador que talvez acredita nessa – digamos assim – avaliação”.

Meu querido Tambaka, posso lhe assegurar que o governador não acreditará em tal análise. A gente discorda dele e o crítica, mas reconhece que ele não é bobo e não levará o Girão a sério.

Se eu fosse pauteiro de A Crítica, enviava um repórter para ouvir a secretária de Estado de Administração, a fim de saber porque ela assinou este documento destrambelhado. A criação de uma universidade estadual, que vem arejar a vida acadêmica, dispensa ataques a uma universidade federal já consolidada.

Se eu fosse reitor da UA, pediria hoje mesmo uma audiência com o governador para solicitar que jogue esse documento na lata do lixo e repense a criação de uma nova instituição de ensino superior em outras bases, como parceira e não como inimiga do que já existe. UEA e UA devem ser aliadas e não adversárias.

No entanto, sou apenas um cronista apaixonado, implicante, que gosta de uma briga e que cumpre aqui sua função de dar publicidade a este documento. O resto é com vocês, tá me ouvindo, Tambaqui?

Tambaqui termina sua carta afirmando: Tenho outros casos parecidos para lhe contar e quem sabe outros documentos para lhe mandar”...Manda brasa, Tambaqui! Estamos aí, para o que der e vier.  

P.S. – A UA, que já foi FUA - Fundação Universidade do Amazonas, passou a ser UFAM - Universidade Federal do Amazonas.

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