CRÔNICAS

Será a Benedita? Darnton e a fofoca

Será a Benedita? Darnton e a fofoca

- Alô! Professor Bessa?

- Sim.

- Aqui é o Nilomar... Não sei se você ainda se lembra de mim...

Ninguém lembra nem do próprio nome, quando acordado abruptamente às 9h30 da madrugada por um telefonema inesperado. Cliquei rapidamente: “Localizar arquivo”. Procurei “Nilomar Doc” na minha memória. Ai veio de bubuia a minha infância. Casa da vovó Marelisa, Rua Monsenhor Coutinho, 380. Do outro lado da rua morava um Nilomar que paquerava uma de minhas primas, a Vânia ou a Ceíta, estava perdidamente apaixonado por uma delas.

- Claro que lembro. Comi muito os brigadeiros da senhora sua mãe.

Efetivamente, o único Nilomar que conheço - o que brinda frequentemente os leitores desta coluna com suas cartas – é filho da competente funcionária aposentada da Secretaria de Interior e Justiça do Estado do Amazonas, Benedita Lopes de Souza, um doce de pessoa, que até pouco tempo continuava morando na Monsenhor Coutinho, não sei se fazendo os mesmos brigadeiros saborosos que costumava oferecer nos aniversários familiares. No entanto, a voz do outro lado do telefone desconfirmou:

- Deve estar havendo um engano.

- Não é o Nilomar de Manaus?

- Não. É o Nildomar, com “d” de doce, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Estou ligando aqui da Rodoviária Novo Rio.

Cliquei outra vez “Localizar Arquivos”: não havia qualquer Nildomar. Cliquei “Juiz de Fora”: só estava registrado a participação que tive em evento na UFJF, em 1992, comemorando os 500 anos da viagem do Colombo, no qual palestrei sobre “A tradição oral nas crônicas”. Nada de Nildomar. Minha memória vive me traindo. Mas não perdi o rebolado:

- O que você manda, Nildomar?

Ele estava desesperado. Com voz aflita, quase chorosa, explicou-me que tinha ido ao casamento de um sobrinho em Florianópolis. Voltava de carro com a mulher e a filha de dois anos. De madrugada, quando saiu de São Paulo e entrava no Rio de Janeiro logo depois de Queluz, viu que o tanque de gasolina estava quase zerado. Quando chegou no posto para abastecer, descobriu que havia perdido – ou lhe haviam roubado – documentos, cheques, cartões, dinheiro, identidade, tudo. Lembrou-se de mim, a única pessoa que conhecia no Rio.

- Deixei mulher e filha no carro, estacionado no posto. Peguei carona num ônibus. Viajei mais de duas horas até a Rodoviária. Uma funcionária, com pena, me permitiu que usasse o telefone. Pensei em chamar a Maria Eulália, em Juiz de Fora, para pegar com ela o seu endereço. Antes, arrisquei e disquei para a UERJ, aqui no Rio. Uma funcionária, de nome Ivanita, me deu suas coordenadas. Estou precisando que me empreste 200 reais para sair desse sufoco.

Perplexo, eu não sabia quem era a tal Maria Eulália. Expliquei que estava acamado, com febre, mas que se ele pudesse chegar até aqui em casa, podíamos resolver o problema. Veio. Simpático. Cara de honesto. Abraçou-me com um quê de sinceridade. Juro que nunca o vi mais gordo. Mas sei lá! Nesses congressos acadêmicos e sindicais, numa noite de porre, trocamos endereços, tecemos amizades que depois caem no olvido.

Solidário, adiantei 100 paus, dizendo que era tudo o que tinha em casa. Ele pediu o número da minha conta no banco, jurou que me enviaria o dinheiro assim que chegasse em Juiz de Fora. Rabiscou o seu endereço: Rua Halfeld, 283. E o número de seu telefone.  

- Quando for a Juiz de Fora, você fica na minha casa.

Ao se despedir, ainda perguntou se eu queria mandar alguma coisa para Maria Eulália.

O que é que eu poderia mandar, nessas circunstâncias, para um fantasma. Gaguejei:

- Um abraço.

- Ela vai ficar muito feliz quando souber que estive com você.

Nildomar não se manifestou até hoje. Telefonei várias vezes. Chama, chama, ninguém atende. Pedi a uma irmã que reside em Juiz de Fora, ela conferiu o endereço. Lá funcionava o Açougue Bom Bife e ninguém sabia quem é Nildomar no jogo do bicho. Nildomar esfarelou-se no ar, misteriosamente. Depois, alguém me contou que foi vítima de um golpe semelhante. Um golpezinho, mas golpe. Nada comparável com o estelionato eleitoral de Alfredo Nascimento.  Eu fiquei com cara de égua, me sentindo como se fosse um eleitor do Cabo Pereira.   

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DARNTON, A HISTÓRIA E A IMPORTÂNCIA DA FOFOCA

Fofoca é uma palavra mágica, sonante, de forte poder atrativo. Quando você a pronuncia, parece que está assoprando um balão ou sussurrando algum mexerico no ouvido de alguém. Talvez, leitor (a), você esteja lendo este texto, neste momento, por causa do título apelativo, usado para contar uma palestra que assisti no Rio proferida pelo mais importante fofocólogo do mundo: Robert Darnton.

Alguns leitores certamente conhecem o palestrante, cujos livros já foram editados no Brasil. Outro não. Robert Darton é um ex-repórter policial do The New York Times, que se formou como historiador. Atualmente, é professor de Estudos Europeus na Universidade de Princenton e autor, entre outros, de livros badalados como O Grande Massacre de Gatos e O Beijo de Lamourette.

Darton veio lançar na Bienal de São Paulo um novo livro - “O Iluminismo como negócio” - e palestrou sobre o tema na USP. Aproveitou para esticar sua permanência por mais uns dias em Salvador e no Rio. Teria valido à pena levá-lo a Manaus.

Os temas abordados em sua palestra foram, na realidade, as fofocas, os fuxicos e os mexericos que circulavam em Paris, no final do século XVIII, um pouco antes da Revolução Francesa. Ele trabalhou os relatórios dos arquivos e reconstruiu as diversas formas como as fofocas eram produzidas e transmitidas.

Diariamente, as pessoas se reuniam debaixo de uma árvore – A árvore de Cracóvia, perto do Palácio Real – para contar as últimas novidades. Os nobres enviavam os seus servos para bisbilhotarem ou, então, desovarem algum mexerico. Além disso, uma dama importante da corte francesa tinha um empregado – “provavelmente o primeiro repórter da história” – encarregado de percorrer os salões, recolher os bochichos e relatar tudo num livro manuscrito, que ficava à disposição dos seus convidados. Era o embrião das colunas sociais com os seus potins.

Os editores, percebendo o interesse do público, resolveram ganhar dinheiro, imprimindo esses manuscritos de fofocas. Um deles – Anedotas sobre a Condessa Du Barri – contém descrições sobre o comportamento sexual da nobreza, com detalhes picantes e apimentados, dando os nomes dos cornos, dos pervertidos, dos libertinos, dos tarados.

Roberto Darton encontrou esse e outros livros na Biblioteca Nacional de Paris, num local denominado “Inferno”, para onde iam todos os livros de sacanagem e de oposição ao Regime Monárquico. Ele acaba de publicar um livro sobre isso, ainda não traduzido ao português: “Os best-sellers proibidos: 1769-1789”. Ou seja, os 20 anos de fofocas que antecederam a Revolução Francesa.

“Meu objetivo é mostrar que as fofocas, ao apresentarem o rei como um homem ordinário, apressam seu processo de dessacralização, tornando-se inclusos na queda do Velho Regime e no desenrolar da Revolução Francesa” – declarou Darton. Quem diria, hein? A fofoca como arma corrosiva contra o Poder instituído! Que se cuide a turma do dominó.

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ORA PÍLULAS

Perguntar não ofende: Uma eleição é um momento crucial no qual a sociedade devia discutir os seus problemas vitais para definir os rumos a tomar. No entanto, isto não ocorre.O debate é esvaziado. Ninguém pensa. Somos bombardeados por uma propaganda quase sempre agressiva à nossa inteligência. No horário do TRE na televisão, tenta-se vender candidatos como quem vende sabão em pó, deixando de aproveitar um espaço espetacular para discutir os problemas que afligem a população. Os partidos abdicam do papel de educar o povo. Um dos responsáveis pela campanha do Boto, o jornalista Celso Barbosa, resolveu apostar na discussão, de forma inteligente. Convidou um jornalista de cada um dos diários de Manaus para fazer perguntas de verdade ao candidato. Sem armação. 

Manaus e a modernidade - Pode mesmo fazer qualquer pergunta - indaguei meio cético quando convidado. - Pode - respondeu Celso. Topei na hora sem pestanejar. Fiz quatro perguntas deixando ao Celso o critério de escolha. Pelo menos uma dela - sobre o populismo e a modernidade - já foi ao ar, segundo me contam alguns amigos de Manaus, por telefone. Um deles, cujo nome não estou autorizado a revelar, nem sequer viu os elementos críticos que a pergunta continha, Minha presença física na tela foi suficiente para ele me espinafrar: - "Que decepção! Depois do Márcio Souza e do Marcos Barros, só faltava mesmo você aderir ao Boto". 

Descer a ripa - Uma das missões do jornalista é fustigar o poder interpretando os anseios populares. Se convidado por qualquer outro candidato, terei o maior prazer de cumprir meu papel, formulando-lhe algumas perguntas. Gostaria muito de questionar o Cabo Pereira, com quem não simpatizo, porque representa hoje a prepotência e o autoritarismo; o Nonato, porquem nutro um sentimento ambíguio; o Serafim Corrêa, a quem muito admiro ou a Irinéia, com cujo apostolado às vezes me identifico. Quanto ao Boto, com todo respeito, nos últimos quinze anos mereceu as nossas críticas quando no poder. Se eleito, poderá contar com minha oposição outra vez. 

Capiroto - No priimeiro turno, o voto é ideológico. Vota-se no candidato que apresenta o melhor programa, com quem o eleitor está afinado. Se o candidato não passa para o segundo turno, aí então se vota no menos pior. Aviso aos navegantes: se entre os dois candidatos que sobrarem, ficarem o Capiroto e um Robô qualquer do Amazonino Mendes - meu voto escancarado vai para o Capiroto. Pelo menos, esse não tem o rabo preso.

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