CRÔNICAS

Uma reitora para a UFAM: o falar do caboco

Em: 12 de Abril de 2009 Visualizações: 12086
Uma reitora para a UFAM: o falar do caboco
 
No interior do Amazonas, se alguém vê um caboco na popa da canoa, grita: “Ulha já, um cabucu na pupa da canua’. Aí, é discriminado e tratado de ignorante. Por que as pessoas falam assim? Qual o significado disso? A professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Maria Sandra Campos, pesquisou a variedade do português falado em Borba, no rio Madeira, e apresentou as conclusões na última quarta-feira, quando defendeu sua tese de doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Confesso que não entendo bulhufas de fonética ou fonologia. Mas fui chamado para participar da banca, em função do enfoque sociolingüístico e da parte histórica, que é abordada na tese, especialmente a história das línguas, assunto sobre o qual andei dando uns pitacos, chegando até mesmo a publicar um livro: “Rio Babel – a história das línguas na Amazônia”. Aprendi muita coisa, lendo o que a Sandra escreveu.
Essa passagem de um som lingüístico para outro som é chamada de “alçamento”, quando o movimento vertical da língua passa de um nível de articulação baixo para outro mais alto, ou de “abaixamento”, se ocorre o contrário. Sandra mostra que o fenômeno ocorreu também com o latim desde a época do finado Calígula. Há muitos exemplos: boca (português) veio de bucca (latim). Ou seja, Cícero, o senador romano, navegava, como um caboco amazonense, na “pupa da canua”. Foram os soldados e a plebe – a cabocada romana da época – que transformaram a canua do Cícero.
A tese de Sandra recolhe textos de Gil Vicente, no Auto das Ciganas, onde ele grafa nuztra, mustra, ruza, ceñura, no lugar de nossa, mostra, rosa, senhora. Portanto, a forma de falar dos cabocos, longe de ser sinal de ignorância ou de atraso mental, como querem os preconceituosos babacas, é um fenômeno fonético, presente na formação da própria língua portuguesa padrão, que atingia todos os que viviam na província romana da Lusitânia e que continua hoje com os cabocos. Essa diversidade mostra que qualquer língua tem diferentes possibilidades de configuração e de expressão.
 
Eleição na UFAM
Concluída a defesa da tese da Sandra, conversamos sobre a eleição para a reitoria da UFAM, cujo segundo turno ocorrerá depois de amanhã. Concorrem agora duas chapas: a primeira, encabeçada por Márcia Perales, 44 anos, professora de Serviço Social, doutora pela PUC/SP, pesquisadora premiada, autora de trabalhos científicos publicados em livros e revistas especializadas e com experiência administrativa, entre outras funções, como pró-reitora de Extensão e Interiorização. Seu vice, Hedinaldo Lima, é doutor em agronomia, com respeitável produção científica.
O outro candidato Nelson Fraiji, doutor pela Escola Paulista de Medicina, é professor da Faculdade de Ciências da Saúde, já foi reitor da UFAM, quando realizou uma boa administração, consolidando o Museu Amazônico, além de ter sido o principal responsável pela implantação do Hemoam. Sua vice, Arminda Mourão, é doutora em educação, com militância no movimento docente.
Embora o processo eleitoral tenha tendência de promover a satanização da “outra” chapa – a que eu apoio é maravilhosa, a outra é uma porcaria - é uma sorte que professores, alunos e funcionários da UFAM possam decidir entre candidatos tão competentes. Qualquer que seja o resultado, a Universidade será bem administrada e digam o que disserem no calor da luta eleitoral, a chapa vencedora – felizmente - dará continuidade aos avanços conquistados na atual administração.
O destino da UFAM me interessa, porque durante muitos anos fui professor da instituição, formando jornalistas e historiadores. Dirigi a assembléia de fundação da Associação de Docentes, fui vice-presidente regional da ANDES e tive responsabilidade na luta contra a corrupção na universidade, quando seu reitor, Octavio (com “c”) Hamilton Botelho Mourão desviou recursos para especulações no “over night” em benefício próprio, o que ficou comprovado. 
Dessa forma, fiz amigos (e adversários). Eles estão espalhados nas duas chapas. Apoiando Nelson Fraije estão Geraldo Sá Peixoto, ex-diretor do Museu Amazônico, Silas Guedes, ex-pro-reitor de Extensão, Narciso Lobo, Maria Luiza Rebelo, Valéria Weigel, Lucíola Cavalcante, Tenório Telles e tantos outros professores de reconhecido mérito. Quero destacar, no entanto, os que estão do outro lado, na “pupa da canua”.
 
A pupa da canua
Um deles, o professor Frederico Arruda, coordenador do Curso de Ciências Biológicas, teve papel de destaque na luta pela democratização da Ufam. Ele organizou, em plena ditadura militar, o Grupo de Trabalho que elaborou propostas corajosas de política para a floresta amazônica, juntamente com Samuel Benchimol e outros pesquisadores. Conhecido internacionalmente, Arruda vota em Márcia, “pessoa competente, coerente, e com enorme capacidade de relacionamento com os seus pares”.
Edson de Oliveira Andrade, que como Fred Arruda é um patrimônio vivo da instituição, declarou seu voto em Márcia, considerando que “a Ufam passa por um momento que exige pessoas capazes de respeitar as diferenças e construir o consenso. Eu só acredito naqueles que não abrem mão de dizer a verdade, mesmo que possam perder um voto” – escreveu. 
Tem uma fila grande de docentes apoiando Márcia Perales: Elenise Scherer, Ademir Ramos, Magela Andrade, Maria de Menezes, Paulo Jacob São Thiago, Antônio Levino, Maria Augusta Rebelo, Amélia Nogueira, Iraildes Torres, Ivanir Faria, Regina Marinho, Sérgio Ivan Gil, Mariomar Sales, Lucidio Rocha, Kátia Thomé, Leonard Christy, Marluce Portugaels, Miguel Ângelo da Silva, Elisa Meneghini e muita gente boa, incluindo Antonio Piola e toda a torcida do Fast.
O ex-reitor Marcus Barros também deu seu depoimento: “Estou há 42 anos na Ufam e conheço a trajetória das pessoas; acompanhei de perto a formação da Márcia e por isso sei que ela tem competência para gerir a instituição. A sua formação, em Serviço Social, possibilita uma visão universal, o que é essencial para um bom gestor. Além do mais, a Ufam, com 100 anos e como a primeira universidade brasileira, precisa de uma reitora. Nenhuma mulher geriu esta instituição ainda e tenho certeza de que Márcia fará isso com sensibilidade e disciplina”.
Na mosca. Aos meus queridos amigos da outra chapa, incluindo ai o próprio Nelson, peço licença para dizer que se ambos são competentes, o gênero faz a diferença. Sou a favor de que uma mulher assuma já a reitoria da Ufam. Se deu certo na UEA, tem tudo pra dar certo na Ufam. Como diria Opash, olhando para Indira, é auspicioso ter uma mulher na pupa da canua da UFAM. 
 
P.S. – Nessa quinta feira, morreu em Manaus Cantinilia Moreira Silva, aos 93 anos, lúcida até o último minuto. À família enlutada, os pêsames da coluna.
 
Obs: Maria Sandra Campos: O alçamento das vogais posteriores tônicas: um estudo do Português falado em Borba, município do Rio Madeira, Estado do Amazonas UFF - Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro. 2009. Banca: M. Jussara Almeida (orientadora), Leticia R. Couto; R. S. Cavaliere, Vanda Menezes e José R. Bessa Freire 

 

 

 

 

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1 Comentário(s)

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André Oliveira comentou:
12/10/2010
Olha que interessante. Soube deste espaço no blog do Grupo Beatrice e fiquei surpreso de saber que a UFAM foi a primeira universidade do Brasil. Aqui em São Paulo, resido em São Bernardo do Campo, espalha-se ao vento que foi a USP a primeira instituição deste genero.
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