Conheci pessoalmente Cassiano Cirilo Anunciação, o Batará, em 1985, logo depois da fundação do Diário do Amazonas, que começou a circular com exemplares coloridos, portadores de novas tonalidades e matizes para a imprensa local. Era o encontro de dois mundos diferentes: o da academia e o da empresa.
Naquele ano, terminamos o levantamento sobre os jornais locais na hemeroteca do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), por mim coordenado, com uma equipe de alunos dos cursos de Jornalismo e de História da UFAM. Precisávamos de uma empresa, de uma editora. Marcamos uma reunião e exibimos os originais do catálogo de jornais ao Batará, que compreendeu imediatamente sua relevância social e aceitou imprimi-lo na Gráfica do Diário do Amazonas.
Desta forma, graças à visão do Batará, o livro “Cem anos de Imprensa do Amazonas (1851-1951)” teve sua primeira edição em 1987, com fichas de 640 títulos de jornais editados durante um século, trazendo informações valiosas ao pesquisador: título do jornal, subtítulo, período de duração, número de páginas, colunas e cadernos, periodicidade, lugar de publicação, proprietários, diretores, redatores, colaboradores, preço, tiragem e observações adicionais.
O livro, que surpreendentemente se esgotou, teve uma segunda edição, em 1990, pela Editora Calderaro, mas ficou registrado o pioneirismo de Cassiano Anunciação. Posteriormente, os historiadores Luís Balkar Pinheiro e Maria Luíza Ugarte Pinheiro deram continuidade ao trabalho, em outro patamar, com o Laboratório de História da Imprensa no Amazonas (LHIA – UFAM).
Esse era o Batará, que deixa assim suas marcas na imprensa do Amazonas. Em alguns outros encontros que mantivemos até ser convidado para manter a coluna dominical do Taquiprati neste Diário, anotei algumas de suas tiradas, que resumiam como ninguém a sabedoria popular. Certa feita, criticando um governador gastador do dinheiro público, ele me disse:
- Meu filho, dinheiro não aguenta desaforo. Ninguém pode comer como pinto e cagar como pato.
A família deve saber, mas ignoro a origem do seu apelido com o qual ficou conhecido em todo Amazonas. De qualquer forma, como o Nheengatu foi língua dominante na nossa região, busquei o verbete Batará em vários dicionários, entre os quais o de E. Stradelli – Vocabulário Português-Nheengatu/Nheengatu-Português de 1929, publicado pelo IHGB e reeditado em 2014. Lá encontrei, na pg. 409 a informação de que Batará é o nome de um pássaro.
Outros dicionários (Montoya – 1640 e Guasch - 1948) confirmam que os Guarani chamam de M´Batará em sua língua uma ave gigante conhecida por esse nome também na Argentina e no Paraguai. De muito longe, é possível escutar seu canto sonoro, que consiste em emitir uma série rápida de notas musicais, começando com um trinado “tri-di-di-di-diu-diu-diu-diu-diu-chiu-chiu”, que se prolonga pelo ar.
À família enlutada e aos amigos, os sentimentos da coluna Taquiprati. Que Batará descanse em paz! Mas que possamos continuar escutando o eco do seu trinado, onde quer que ele esteja.