Hoje não tem TAKIPRATI, mas vai ter Dabacuri, leitor. Se tu não sabes, aí vai o significado, pescado no sr. Google: Dabacuri é o ritual que celebra a fartura, a união de diferentes povos indígenas. E o nome foi também adotado para nomear o “congresso” dos Bessas em tempos idos, mas hoje a festa é meio particular.
Calma, leitor, não somos seguidores do presidente cloroquinado. Não vamos nos aglomerar fora do espaço cedido (sem saber e sem querer) pelo autor desta coluna. Somos nove jararacas (assim batizadas pelo cronista) e dois “jararacos” mas, como o matriarcado impera, são “as Jaras”! E estamos reunidas para festejar o aniversário de um dos filhos da dona Elisa e do ‘seo Barbosa’, o Professor José Ribamar Bessa Freire, conhecido no serpentário apenas como Babá. O apelido de Jaras, que Babá nos deu, tem, para além do significado de fofoqueiras venenosas, um sentido oculto, mas admitido por todos os que nos conhecem. Mais que irmãos, somos amigos, companheiros para todas as horas, um clã fechado em torno de um grande afeto, que nos identifica como uma tribo. Nos amamos na mesma proporção com que nos respeitamos e brigamos. Dona Elisa plantou esse amor – “seus amigos são seus irmãos”, dizia – de forma exagerada e o Bairro de Aparecida sedimentou. Somos doze, mas somos um, porque nos fundimos. Não mexe com nenhum, leitor, porque a turma da carilha vem em bando para cima de ti. Essa é só uma particularidade introdutória, um aviso aos incautos que passeiam pelo serpentário...
Mas tu desejas conhecer realmente o colunista que te escreve semanalmente, leitor? Então, pedimos licença para revelar, aqui, alguns fatos da trajetória familiar do Babá, sob outras lentes. Não somos jornalistas, somos apenas a personificação do amor, quando nos olhamos. Esse texto talvez deixe a desejar no formato técnico, mas está transbordando no afetivo.
As primeiras Jaras que precederam o Babá, exercem ainda hoje uma certa autoridade sobre ele e o conhecem como ninguém. Os demais, por serem mais novos, têm uma relação de mais igualdade. Porém, somos todos apaixonados por ele.
Então vem com a gente, leitor. Como é um dia especial, a nossa tribo vai te deixar dar uma espiadinha, de leve, só por algum tempo, mas depois tens que pular fora, antes que alguma Jara se invoque e acabes provando do nosso “veneno”.
Que comece a festa, com distanciamento social e máscara, só para garantir que a Covid-19 não entre - mesmo sendo uma festa virtual. Cada irmão/irmã vai trazer de presente uma lembrança dele. Aproveita e vai conhecendo o serpentário, leitor, começando pelas cobras mais velhas, até as mais novas. Cobras não têm braços, mas as linhas que vêm a seguir foram traçadas por muitas mãos! Com a palavra as Jaras e os “Jaros”.
Glória, a irmã do coração, a matriarca, abre esse Dabacuri: “Meu mano é muito querido! É uma benção, um presente de Deus para nós - eu com 90 anos, ele com mais de 70 – poder ver o meu irmão, meu filho, meu amigo, e ainda podermos nos comunicar e no amar. Como eu o admiro como pessoa, pelo ser humano, pelo esposo, pai, irmão e amigo que é. Nem a distância nos separou...que tenha um feliz aniversário, que possa comemorar por muitos e muitos anos ao lado dos nossos queridos. O amo de montão e quero oferecer a ele essa música: “te carreguei no colo, menino, cantei pra ti dormir...”. Meus braços, meu coração e meu ombro são todos dele. Que sempre conte com minhas orações, com a minha amizade, o meu amor que é muito grande. Maria passe na frente no seu caminho, cuidando, resolvendo tudo aquilo que somos incapazes de fazer. Deus o abençoe, com todo o meu amor”.
Regina, a Jara primogênita, vem na sequência, relembrando quando o colunista se preparava para ir para o Seminário. Sim, leitor, um dia ele pensou em ser Padre. “A primeira grande dor da minha vida foi a nossa separação quando ele foi para o Seminário. Pensei que ia morrer, chorei meses. Aliás, comecei a chorar ao bordar seu nome nas roupas. Foi como se arrancassem o meu coração. Aí começou a minha preparação para as outras dores da vida...Eu o amo desde sempre. Não o gestei no útero, mas no coração”.
Segundo Helena, “ele tinha um ciúme feroz das manas. Xingava qualquer um engraçadinho que se aproximasse delas. Para acompanhar as jaras em qualquer saída de casa exigia que não fossem de sapato alto, nem levassem bolsas, provavelmente para não chamarem atenção de algum interessado”.
Leitor, põe ciumento nisso. Dile, a terceira Jara, comprova. “O Babá era muito ciumento, um dia eu estava com o namorado na esquina da Bandeira Branca, às onze da manhã, e ele passou entre nós dois, mas não falou nada. Quando cheguei em casa ele tinha feito o inferno, bem enfeitado, quase me custou uma surra! Mas uma coisa que me marcou muito foi uma conversa que tive com ele: nós fomos criados cheios de culpa e ele passou horas tentando me tirar esse sentimento que não nos leva a nada. E eu nem sabia o porquê de me sentir culpada de tudo”.
A Tequinha, pequenina e magrinha, tinha mais moral com ele do que qualquer outra. “Brigávamos muito, mas éramos apaixonados um pelo outro. Uma vez ele foi a um aniversário e eu não fui. Na volta ele chegou em casa com um docinho (brigadeiro), todo amassado, e me entregou com todo o carinho. Também outro fato muito recorrente é que ele tinha medo de sapo. Sempre que aparecia um lá em casa, me pedia para tirá-lo, mas eu só tirava depois de aperreá-lo bastante, dizendo que ele era um medroso (um bom motivo para retomarmos a briga). Assim era a nossa relação entre tapas e muuuuuuiiiiitos beijos. Tenho muitas coisas para recordar, mas não caberiam aqui, principalmente o meu amor por ele. Pois sim, toicim!”
A parceria com o irmão Roberto deu muita dor de cabeça à dona Elisa. Tuta contou que “um certo dia de São João, depois de passarmos a tarde inteira fazendo a fogueira em frente de casa,o português vizinho do beco da Bosta resolveu mijar em cima. Alertado pelo ‘seo Barbosa’, gritei pelo Babá. Aí agarramos o portuga e íamos sentá-lo na fogueira acesa, o que nos rendeu uma pequena surra”.
Cado, o mais novo dos três Jaros, construiu sua admiração assim: “Tem coisas que acontecem na vida que nem o tempo consegue apagar. Entre vários acontecimentos, dois deles me marcaram muito. O primeiro foi quando fui reprovado no quinto ano primário e fiquei atrasado, pra baixo, me sentido o mais incompetente de todos os seres humanos. Foi graças ao meu mano querido que eu logrei passar no exame de admissão, decorando as capitais dos países, com ele metendo o dedo no nariz, para indicar a capital da Bélgica. E eu respondia Caracas, confundido ‘bustela’ com ‘cataraca’. Sua metodologia brincalhona e amorosa funcionou e eu fui aprovado. Um outro momento foi no Peru, quando recebi dele uma orientação política marxista que me fez ser socialista. Esse foi o maior ensinamento que ele me legou. Eu o amo, ele é o meu grande exemplo de vida”.
A Pretinha, citada em algumas colunas, deu o seguinte depoimento: “O Babá, apesar da distância física, sempre esteve muito presente em minha vida. Com ele aprendi o que são movimentos sociais e qual o meu papel dentro deles. Com ele aprendi, na prática, o que é a amizade e a solidariedade. O meu sentimento de gratidão por ele é muito grande. Graças à Deus que ele encontrou a Consuelo, que sempre o apoiou em todas as ações de solidariedade com a minha, não tão pequena, família. Deus o abençoe sempre!”
Celeste, mandou o recado direto de Juiz de Fora, Minas Gerais: “Eu estudava no Colégio Aparecida, quando me submeti a uma cirurgia. Ao voltar às aulas, a direção da escola questionou o atestado médico e não quis justificar as minhas faltas. Aí o Babá, após dizer poucas e boas para a diretora, pegou a minha transferência e me levou para o Colégio Christus, o melhor de Manaus na época, onde ele trabalhava. É, leitor, desde cedo ele já lutava contra a injustiça e a opressão”.
As duas mais novas foram quase filhas, apesar de terem convivido pouco com ele, na infância. Bambi se declara: “Outra partida dentre tantas idas e vindas dele. Dessa vez parecia ser definitiva, pois envolvia novo trabalho, novo lar. Entretanto, uma gastrenterite não o deixava sequer arrumar os trecos para efetivar a mudança. Aí fomos nós buscar um diagnóstico laboratorial, de certeza, para resolver a situação. Exame e medicação efetivados e a perplexidade dele diante de estar sendo imobilizado, nocauteado, por um inimigo microscópico. Deu até crônica rs! Passei a ser consultora dele para assuntos de “m” (que não é de merenda). Ele é meu mano querido, meu exemplo de fraternidade, justiça e compromisso com o ‘outro’. Minha eterna admiração, meu amor infinito!”.
A caçulinha Céu, com quem teve menos convivência, também tem o que contar: “Minhas lembranças da sua presença na minha infância são muito esfumaçadas, por ser ainda muito criança quando ele mudou para o Rio de Janeiro, mas ainda assim pontuadas de momentos afetuosos. Quando já longe de casa, mandou de presente um boneco feio, mas maravilhoso para o meu pouco acesso a brinquedos mais elaborados. Zeca - esse foi o nome que o batizei - durante muito tempo representou ‘o papai Babá’ e acalentou o meu pequenino coração na ausência do pai, seo Barbosa’, que já havia falecido. Era com esse boneco - o nosso elo- que me sentia segura de que o Babá voltaria um dia, para retomar o seu lugar na minha vida, já que nunca saíra do meu coração. E até hoje ele continua bem vivo aqui dentro do meu peito. É amor pra mais de uma vida”.
É, leitor, essas ilustrações da vida do colunista não são suficientes para defini-lo. Ainda teríamos muitos depoimentos de cunhados, cunhadas, sobrinhos, sobrinhas e dezenas de agregados, porque TODOS temos muito o que contar sobre o Babá, e com essa família grande, o espaço jamais permitiria. Mas o que foi exposto aqui já te permitirá olhá-lo com outros olhos e entender porque tanto de família e de Aparecida recheiam suas crônicas.
Antes dos parabéns, queremos pedir as bênçãos sobre o Babá, invocando as diferentes culturas que o constituem. Que Nhanderú etê (que significa “Deus Verdadeiro” para o povo Guarani) o abençoe e... Peraí, rapidinho. Estamos recebendo uma manifestação. Égua, maninha, o que que é isso? De quem é essa voz? Mamãe...!?!?!
“- Sim, não estão me ouvindo? Acham mesmo que eu iria deixar meu filho só com essa benção do Deus dos índios, que nem é cristão? Leitor, diz aí pra esses meus filhos que estou sempre por aqui... Mas não quero falar com eles não, porque hoje o recado vai direto para O MEEEEU FILHO: José, meu filho, tua mãe não poderia deixar essa coluna tão cheia de amor ser publicada sem se manifestar. São tantas as nossas histórias, são tantas as demonstrações de amor mútuo, de cumplicidade, que as vezes deixavam teus irmãos com ciúmes, eu sei. Em vida nunca fiz questão de esconder, mas nunca confirmei abertamente. Só que agora eu assumo: TU SEMPRE FOSTE O MEU FILHO PREFERIDO, e por isso pedi permissão, daqui do alto, para vir te abençoar de verdade, publicamente. Conversei com o NOSSO DEUS, porque ainda tem muito índio precisando de ti, com esse Bozomerrrrrda à solta, e Ele me garantiu que ainda viverás muito para cumprir essa missão. Sei que não vais me decepcionar, meu filho. Então, recebe a benção dessa velha mãe que te ama: que Deus te abençoe, que Nossa Senhora Aparecida te proteja, te livre e te guarde de todo e qualquer perigo. Meu filho amado, tô velando por ti, pela tua saúde. Fora Bolsonaro! Takiprati Covid! Beijos da tua mãe.”
Ah, mãe... Parece até que estamos ouvindo o estalo da tua língua no céu da boca e vendo o teu biquinho peculiar dizendo agora que “já pode acabar a festa, todo mundo desligando o seu computador e voltando pros seus afazeres. ”
É isso! A Dama da Carolina mandou encerrar o Dabacuri e nós a obedecemos cegamente (ainda mais agora, aparecendo assim de surpresa). Mas ainda dá tempo de pedir: diz aí, leitor, que fato tu tens para destacar sobre esse colunista? Fala aí, maninho, mas fala rápido, antes que ela volte para puxar o nosso pé...