Prezado primo Hélio,
Saudações! Escrevo essa carta, mas não repare os senões, para dizer o que sinto, longe de ti, depois do que li, anteontem, nos jornais: “O ex-prefeito de Tefé, Francisco Hélio Bezerra Bessa, foi preso pela Polícia Federal, na última terça-feira à noite, no Parque das Laranjeiras”. A notícia informa que te transferiram, primo, do xilindró da PF para a cadeia pública.
Meu primeiro impulso foi de solidariedade familiar. Afinal, há trinta anos vivi algo similar. Quando voltei do exílio, em 1977, fiquei preso também na Polícia Federal, no antigo prédio da Joaquim Nabuco, e fui transferido para uma cela no quartel da PM no bairro de Petrópolis, compartilhando-a com Costa Novo, um trabalhador gráfico que havia assassinado a mulher, num crime que abalou Manaus.
Os meganhas me prenderam, sem mandado judicial, acusando-me de “subversão”, crime que continuei praticando ao longo da vida até hoje, nem sempre com sucesso, é verdade, mas com entusiasmo juvenil. E a ti, por que te privam da liberdade, primo? Transcrevo o que li: “O ex-prefeito é acusado em mais de 60 processos, na Justiça Estadual e Federal, por desvios de recursos federais e improbidade administrativa”.
Num desses processos, primo, você é suspeito de ter desviado verbas da saúde na ordem de R$ 982.016,33. O Tribunal de Contas da União (TCU) te condenou cinco vezes, em multas que juntas chegam a R$3,5 milhões. Nos últimos dias como prefeito você sacou grana de tudo o que é sigla: FUNDEF, FPM, SAÚDE, PETI, destinados a pagar os servidores municipais, que estavam quatro meses sem receber. E se o Lula bobeia, teria tirado também do PAC, do PEC, do PIC, do POC e do PUC.
Por isso, dez mil pessoas saíram às ruas gritando: “Tefé tem pressa, fora Hélio Bessa”. A Câmara cassou teu mandato, e você fugiu da cidade, depois de limpar os cofres da Prefeitura, embolsando 100 mil reais do pagamento dos agentes de saúde e mais 38 mil reais para o repasse do ICM. Aí, para escapar do rigor da lei, você deu um montão de endereços falsos, sendo considerado pela Justiça como “processualmente desaparecido”.
Memória afetiva
A notícia, confesso, além de me encher de vergonha, prejudicou o meu trabalho dominical. Com um rabo de palha desses e com tamanho teto de vidro, como é que vou jogar pedra no telhado dos Mendes, dos Lins, dos Adail, dos Robérios, dos Cordeirinhos que não primam, digamos assim, pelo trato correto da coisa pública? Foi aí que tive a brilhante ideia de avisar meus desafetos de que o teu nome, primo, era com cedilha. Pertencias, portanto, a uma outra linhagem: a da família Beça.
Mas isso, além de ser mentira, era uma tremenda sacanagem com a família do meu amigo Aníbal, poeta talentoso à beça, homem íntegro, seresteiro e trovador. Decidi, então, assumir publicamente que você, Hélio, é mesmo meu primo, sobretudo por respeito à tia Nilza e aos primos Lélio e Arlene, que nada tem a ver com tuas presepadas e teus trambiques. Como negar isso, diante da nossa memória afetiva?
Na época em que o Delmo foi assassinado, nos anos 50, a minha avó, o teu avô e a Maricotinha Queiroz, que eram primos muito unidos, moravam em três casinhas humildes, na beira do rio, as três iguaizinhas, uma do lado da outra. Vovó Marelisa morria de medo que uma enchente maluca derrubasse a sua casa, que era a do meio. Tua avó a tranqüilizava dizendo: “Casa do meio, pode morar sem receio”.
A tia Ernestina, primo, brincou de roda com tuas tias: “Quase que eu perco o baú, perco o baú, quase que não tomo o pé, não tomo pé, por causa de um remador, de um remador, que remou contra a maré, contra a maré”. Ela passava horas, com o olhar perdido, contemplando os barcos que passavam. “Moça que muito olha o rio, ou emprenhou ou quer emprenhar” dizia tua avó, do alto de sua sabedoria.
Tia Ernestina queria emprenhar, mas morreu sem ter filhos, porque casou com o tio Nelson, conhecido pelo apelido de “Por Rarala”. Ele vivia alisando a bunda da cunhada, tia Raimundinha, cujos lamentos eram ouvidos nas duas casas vizinhas. Ela se queixava de dores atrozes na coluna. “Mas, afinal, Raimundinha, o que é mesmo que você tem?”. Titia gemeu: “bico de papagaio”. Foi aí que tua avó aconselhou que procurasse um veterinário, pois esse é o especialista que cuida de bico de papagaio.
A estirpe desonrada
O teu avô, primo Hélio, se não me falha a memória, era um cearense de Quixeramobim, que veio a Manaus na época da borracha. Trabalhou como balconista na loja Dragão dos Tecidos, ali na Barroso com a Sete de Setembro. Depois foi ser caixa na 22 Paulista, na rua da Instalação. Ele nunca se apropriou de um só centavo alheio, podiam deixar o cofre aberto que nem vontade lhe dava de passar os cinco dedos.
Já você, primo, é muito diferente. Segundo os tefeenses, você é capaz de tirar pirulito de boca de criança. Um poeta local, apelidado de “Boi de óculos”, te dedicou até uns versinhos que dizem: “Alguém abriu o cofre, delegado vá ver quem é, será que é o Hélio Bessa, que está chegando em Tefé?”.
Por que estou tomando o tempo do leitor contando essas histórias? Apenas para lembrar que quem teve avós como os teus, tem a obrigação de honrar a estirpe, primo Hélio. E você não honrou. Como é que tu tens coragem de desviar o dinheiro da saúde, da merenda escolar, do salário de servidores humildes? Não foi esse o exemplo que tia Nilza te deu.
Quero te dizer que no plano afetivo, familiar, estou sofrendo, porque penso na titia e nos outros primos e até na tua própria situação. Nesse sentido, receba minha solidariedade. Apesar disso, primo, creio que você deve pagar pelos erros cometidos e deve devolver a grana que não é tua. Por isso, estou muito mais solidário com a juíza Jaiza Pinto Fraxe que decretou tua prisão. Espero que outros te façam companhia: juízes que vendem sentenças, deputados corruptos, funcionários propineiros e empresários subornadores.
O que aconteceu contigo, primo, tem algo de positivo, por duas razões: primeiro porque em cana tens condições de refletir sobre os erros cometidos, de te arrepender e de mudar de vida; segundo porque permite que a nossa família possa agora gritar bem alto: “os Bessa que roubam são presos e a família apoia a punição”.
P.S. – A leitora Sueli Fernandes de Souza Miranda escreve pedindo que a coluna ajude a encontrar os parentes de seu pai, que moram em Manaus. O pai dela se chama Moacir Fernandes de Almeida. Uma das primas se chama Rosália Sebastião Alfa, todos os parentes têm o mesmo sobrenome. Quem tiver alguma noticia escreva para www.taquiprati.com.br que entraremos em contato. Não é só o papa Bento XVI! Taquiprati também defende a união da família.
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