Que prefácio interessantíssimo escreveria Mário de Andrade, se vivo fosse, sobre a repressão às recentes manifestações que ocorreram em algumas cidades brasileiras? Estava eu pensando em escrever sobre o assunto, quando me chegou o texto de um amazonense, que reside atualmente em São Paulo. Víctor Cyrino cursa pós-graduação em direito internacional na PUC, é usuário assíduo do transporte público, excelente observador do cotidiano e escreve bem pra cacete. Além de tudo, é meu sobrinho, o que me deixa inchado de orgulho.
Indignado com a ação policial, perplexo com a babaquice do Geraldo Alkmin e do próprio Hadadd, entusiasmado com a garra dos manifestantes, tentei várias vezes escrever algo sobre o tema e reconheci, lucidamente, que o texto do Victor expressava melhor o que eu queria dizer do que o meu. Abandonei o que havia escrito e pedi licença para que ele aceitasse fazer o meio-de-campo na conversa deste domingo aqui no Diário do Amazonas. O texto abaixo, intitulado Protestos e Pretextos, é de autoria de Victor Cyrino.
PROTESTOS E PRETEXTOS
"Tenho acompanhando as recentes manifestações que ocorrem em São Paulo e em algumas capitais do Brasil referente ao aumento da tarifa de transportes. Procuro opinar apenas sobre a cidade de São Paulo em que atualmente resido e utilizo o transporte público como usuário assíduo.
No dia 01/06 a tarifa de ônibus, metrô e trens foi reajustada de R$ 3,00 para R$ 3,20 centavos. O prefeito de SP Fernando Hadadd na data do anúncio afirmou que o valor poderia ser maior uma vez que não foi repassada sequer a inflação acumulada do ano e que todas as esferas da administração pública haviam se esforçado para não onerar o trabalhador paulistano.
Desde então iniciaram movimentos na cidade contra o reajuste. Até hoje (13/06) ocorreram quatro dias de manifestações seguidas, organizadas pelo Movimento Passe Livre, sendo que recentemente algumas finalmente chegaram na mídia, com manchetes afirmando que "Vândalos" quebraram pontos de ônibus, picharam carros e depredaram ônibus durante as manifestações.
Faço aqui minhas observações:
Após a morte de dois africanos pela polícia no subúrbio de Saint-Denis, em Paris, seguiram-se 19 dias e noites de protestos e depredação. Quase 9 mil carros foram queimados e os prejuízos, foram de 200 milhões de dólares.
Recentemente os levantes da sociedade na Grécia e no Reino Unido geraram depredação e violência e as agências de noticias nacionais e internacionais divulgaram o movimento como sendo de manifestantes em lutas sociais. Por que no Brasil, pelo fato de uma meia dúzia (num universo de mais de 10 mil pessoas presentes nos movimentos) haver destruído alguns ônibus e carros, estes MANIFESTANTES são classificados como vândalos, como bárbaros?
Na Europa ou mesmo em vizinhos como Argentina e Chile, países em que a população, na média, estudou por mais tempo, lê mais livros e vai mais ao teatro ao cinema do que no Brasil, as pessoas reclamam mais e vão mais às ruas. E, sim, em muitos casos há depredação.
Veja bem, a violência de fato nunca será a solução para as controvérsias, em hipótese alguma. Cabe no entanto relativizarmos alguns atos de violência quando enxergamos o fim a que se destinam, a busca por bem coletivo maior, olhando além do horizonte que nossos domesticados olhos conseguem enxergar.
Protesto, via de regra, não tem regra. E convenhamos: mesmo com vidros quebrados, lixeiras viradas e centenas de homens da Tropa de Choque na rua, até o momento, ninguém saiu gravemente ferido.
O que se critica é que o movimento seja deslegitimado e condenado pelo simples fato de uns poucos terem se utilizado da força. Aqui também cabe discussão, haja visto que diversas testemunhas afirmaram que o quebra-quebra iniciou após o enfrentamento com a polícia.
O povo brasileiro não possui consciência real de sua situação e do poder que tem em suas mãos. É semelhante ao cavalo que está amarrado em uma cadeira plástica e não percebe a força que tem. Quando a sociedade começa a despertar, de forma embrionária reconheço, vai às ruas e protesta, é tolhida por essa onda, esse ar de politicamente correto que paira na sociedade.
Alguns dirão: "Mas você acha correto um trabalhador, proprietário de veículo ou de loja, ver o seu patrimônio conquistado com muito suor ser destruído no meio destes protestos? Você fala isso porque não é o seu, né?"
A pergunta vem do pensamento típico e atual da nossa sociedade, fundada em princípios individualistas onde "farinha pouca meu pirão primeiro". É OBVIO que eu não gostaria de ter meu patrimônio depredado, porem dadas as perspectivas de melhorias, se a porta da minha lojinha correr o risco de ser quebrada para que os direitos difusos da coletividade sejam alcançados, LET IT BE, LAISSER FAIRE. Devemos olhar para a história da humanidade e aprendermos com ela. Vemos que nossas maiores conquistas, nossas liberdades, direitos e garantias fundamentais foram conquistados em grande parte com sangue, com luta.
- "Ah! então você quer dizer que devemos pegar em armas e sair nas ruas e aí vai funcionar?"
- NÃO! Quero dizer que, em toda a história, desde a revolução francesa aos movimentos trabalhistas no Brasil, dos movimentos estudantis europeus em 1968 à luta pela democracia em regimes autoritários, em todos os casos, a história não foi escrita com margaridas e purpurina nas mãos, tacando" jujubas" uns nos outros. Infelizmente não será com flores em punho que mudaremos este país, tampouco com armas. Não hesito no entanto: se para alcançar o fim proposto, precisemos relativizar a violência e destronar alguns miseráveis do poder, então DESCULPEM O TRANSTORNO, ESTAMOS MUDANDO O PAÍS!
Devemos refletir até onde nossa sociedade chegou, ao ponto de necessitar ir às ruas e protestar, e SIM, se preciso for, REVIDAR, cansado de dar a cara à tapa.
Generalizar o movimento como anárquico e violento é no mínimo absurdo, desproporcional e desprovido de conhecimento. Quando este discurso é feito pelo prefeito e pelo governador, é até cabível, pois ambos possuem interesses por detrás dos fatos. Para estes, taxar de vândalos e baderneiros é cômodo e benéfico. E quanto às pessoas que discursam e profetizam em suas poltronas, escondidos em seus ipads, lendo apenas globo.com e dizendo que o movimento é bárbaro, que nossa sociedade não tem mais jeito, que violência não leva a nada?
Falar pelo Facebook é fácil, é mole é lindo, Gritar ACORDA BRASIL e reclamar do alto do seu apê nos Jardins é perfeito. Botar a face e lutar por melhoras aí são outros quinhentos né...
'Ah! ta chateadinho porque a Consolação está travada por causa dos protestos que não deixam você passar com seu carro?" Parece cômico reclamar que o trânsito não anda por causa de um protesto. E nos demais dias do ano? Aí anda? E como resolver isso? Xingando no Facebook os manifestantes ou se aliando a eles, indo às ruas protestar, entre outras coisas, por um transporte público melhor e mais barato?
Até o momento ainda não observei uma discussão salutar sobre o reajuste, sobre se de fato é justo aumento ou não. Vamos analisar as planilhas de custos, vamos discutir se o serviço de transporte é de qualidade, se o valor de R$ 3,20 beneficia tanto ao cidadão quanto ao Estado empresário.Ainda não vi isto.
E a cobertura da mídia?
Três dos maiores canais de noticias 24hs, BANDNEWS, GLOBONEWS E RECORD NEWS, nada divulgavam enquanto os protestos aconteciam. A cobertura dos fatos apenas tomou forma quando uma bomba de gás foi estourada no Parque Dom Pedro, fruto de um primeiro embate entre policiais e manifestantes, que se viam impedidos de prosseguir a manifestação até a Avenida Paulista. A partir daí a cobertura foi completa, ao vivo, sem cortes, "Haja coraçãaao amigooo... Veja pelo tira teima, na câmera lenta, de outro ângulo,foi pau ou foi pedra? Pode isso Arnaldo?"
A coisa começa a mudar um pouco pois, durante a cobertura, sete jornalistas foram agredidos por policiais durante os confrontos, gerando repercussão e certa revolta nos meios de comunicação.
Também ouvi dizer que este movimento tinha cunho político, que havia partidos políticos por trás. UÉ?! Que bom que tenha partidos políticos, que bom que tenha a sociedade civil organizada, movimentos estudantis, cidadãos, O POVO! Não importa quem seja.O ESTADO é um pacto de associação, não de submissão. E viva ROUSSEAU e o contrato social!
Cunho político? meus amigos, o homem por si só é um ser político. Abomino quem afirma não gostar de política, pois nega sua própria essência. Se você não reivindica seus direitos e luta pelo que acha certo, arcará com as conseqüências. "DEIXA A VIDA ME LEVAR?"vai nessa colega, deixa a vida te levar pra ver onde vai dar...
Vivemos uma inversão de valores, deturpamos princípios e condenamos o que nos liberta. E enquanto isso, o prefeito e o governador estão em Paris, na tentativa de emplacar São Paulo como candidata à EXPO 2020! Sim, 2020!
Mas relaxem todos! A Copa das Confederações está aí! FULECO, ZUZECO E CIA! E assim como sempre acontece nesse país, a mídia alimentará o povo de pão e circo. E viva Neymar!
Quanto aos movimentos nas ruas? Para a Coca-Cola, Vamos todos pra rua porque A RUA É A MAIOR ARQUIBANCADA DO BRASIL! E VIVA O NEYMAR!"