Naquela época, o vestibular passava pela Ponta Pelada, em Manaus. Era inevitável. Qualquer amazonense que desejasse cursar uma universidade tinha que cruzar, antes, os portões do aeroporto de nome pornográfico e embarcar em um avião para ir estudar "lá fora". Aconteceu com várias gerações, incluindo a minha. A sangria só começou a ser estancada em 1962, quando, finalmente, nasceu a Universidade do Amazonas, hoje UFAM, que reivindica ainda ser a continuadora da antiga Universidade Livre de Manaus criada em 1909. .
Meninas, eu vi essa criança nascer pela segunda vez em 1962 e, ainda que como mero espectador e simples leitor de jornais locais, testemunhei o parto laborioso que lhe deu origem. Lembro ainda a figura do parteiro, o senador Arthur Virgilio Filho, um político decente e atuante que deixou muitas saudades. Por isso, por ter vivido no momento em que a universidade foi parida, meio século atrás, posso falar de cátedra, embora a cátedra já tenha sido extinta.
Anunciam que a UFAM está completando, agora, cinquenta primaveras, como uma dama de beleza outonal. Ops! Ouvi bem? Primavera? Outono? No Amazonas essas duas estações jamais deram o ar de sua graça. Por que não falar de beleza estival e de cinquenta invernos bem vividos? Afinal, parece que a universidade nasceu justamente para nos instigar a criar uma linguagem própria, amazônica, em vez de ficar copiando imagens de Chateaubriand ou de Victor Hugo.
Foi com esse espírito de uma universidade crítica, capaz de pensar as questões que afligem a região, que a atual reitora Márcia Perales presidiu as comemorações de aniversário, em cerimônia realizada no auditório da reitoria. Compareceram ex-reitores, o ex-prefeito de Manaus Serafim Corrêa e o ex-senador Arthur Virgilio Neto, representando a família na homenagem feita ao seu pai, o autor do projeto de criação da UFAM.
Hoje, a Universidade é um importante centro de reflexão sobre as questões amazônicas. Durante a cerimônia, a reitora chamou a atenção para o fato de que a instituição abriga diferentes correntes de pensamento, estimulando o debate democrático e o embate de opiniões, que fazem parte do cotidiano acadêmico. Além disso, forma profissionais nas mais diferentes áreas do saber e do fazer. Ninguém mais precisa embarcar num avião para cursar a universidade.
Passa reitor, Irapuaaan!
A UFAM abriga atualmente 35 mil pessoas, entre professores, funcionários e alunos, e está presente em cinco municípios do interior do Amazonas, segundo o vice-reitor, professor Hedinaldo Lima. “Os principais quadros, os gestores, os pesquisadores que atuam hoje no Amazonas foram formados pela universidade federal", lembrou o deputado Marcelo Ramos (PSB) presente às comemorações, quando foram homenageados os professores Carlos Augusto Borborema, da Faculdade de Medicina, e Luiz Irapuan Pinheiro do Instituto de Ciência Exatas, entre outros.
Borborema e Irapuan marcaram a vida da instituição e são patrimônios da Universidade. Irapuan esteve tão presente na cozinha da UFAM, que na época em que eu participava da diretoria da Associação de Docentes (ADUA), alguém adaptou a música do Toquinho e Vinicius "Tarde em Itapoã", que ficou assim:
- Passa reitor, Irapuan / Entra reitor, Irapuaaaaan...oi...
Quem também merece ser homenageado pela instituição é o professor de História, Aloysio Nogueira de Mello, o nosso querido "Sapão", que completa 70 anos nesta quarta feira, 20 de junho. Sua vida foi toda ela dedicada à sala de aula, à formação de alunos e à militância política e sindical. Tive o privilégio de conviver com ele no Departamento de História, no Sindicato dos Professores, na APPM, na ADUA, na ANDES e no PT .
Aliás, meu amigo Aloysio, um combatente histórico, não vai gostar nada da forma como vou terminar esse texto. É que, juntos, fizemos tantas greves, e eu vou, agora fazer uma declaração contrária, apesar do movimento atingir quase todas as instituições federais do país, entre elas a UFAM.
Se a greve fosse em qualquer universidade particular, juro que teria minha entusiasmada adesão. Considero esse um bom combate. É um risco que vale a pena correr: ter o salário cortado, ser demitido, por estar na luta contra os tubarões do ensino. Mas numa universidade pública, onde nosso patrão é o contribuinte, acho que a greve é, politicamente, um desastre, embora as reivindicações sejam mais do que justas.
A força de pressão da universidade reside justamente na capacidade de mobilizar, no caso da UFAM, os 35 mil integrantes da instituição. E a greve desmobiliza, mandando todo mundo pra casa. As assembleias ficam esvaziadas. Diminui o potencial de pressão. É preciso inventar novas formas de luta, porque esse modelo viciado de greves periódicas nas universidades públicas me parece que está esgotado e falido.
No momento em que a UFAM completa suas - vá lá - cinquenta primaveras, espero estar equivocado, torcendo para que o impasse seja resolvido e todas as universidades federais possam voltar às suas atividades de ensino, pesquisa e extensão em condições mais favoráveis.