Naquela casa vazia / Que ele mesmo levantara / Um mundo novo nascia / De que sequer suspeitava. (Vinicius de Moraes. O Operário em Construção. 1959)
Pedro, de profissão pedreiro. Pedro pedreiro, como no samba do Chico Buarque. Podia ser um personagem de ficção, mas neste 4 de setembro ele estava ali, em carne e osso, com toda a família – mulher, três filhos e sogra – de pé, diante do sub-reitor para Assuntos Comunitários da UERJ, José Henrique Aquino.
Entrou na Universidade como se entra numa catedral: com muita reverência. Faltou pouco para aquela família endomingada e enfatiotada se persignar e fazer genuflexão, com a devoção do fiel que assiste a uma missa.
O que vem fazer na universidade um pedreiro semiletrado, residente na favela Camarista Méier, num morro em Engenho de Dentro? Posto que os cartazes anunciavam uma UERJ SEM MUROS, vinha ele se oferecer para construí-los? Ou pretendia agendar a apresentação do bloco carnavalesco Chave de Ouro na quadra da instituição? Nada disso. Tímido, mas não intimidado, ele queria informações sobre energia nuclear – preocupação do filho mais velho que vai fazer o vestibular. Estava ali, diante do sub-reitor, “pedindo licença” para que sua família participasse dos eventos programados.
A família abriu o livreto da programação como quem abre um missal ou a Bíblia Sagrada. Escolheram. A filha menor estava interessada na atividade “Brincando de Índio, coordenada pela profa. Nancy Vieira. A vovó queria ver os testes para verificar a pureza do mel, realizados no Laboratório Bromatológico.
Pedro Pedreiro, pisando leve, atravessou com sua família os corredores da UERJ, subiu suas passarelas, entrou em laboratórios, participou de algumas atividades, com os olhos bem abertos e atentos. mas que não conseguiam esconder uma certa insegurança. Depois, foi embora, orgulhoso e feliz. Seu filho, que entrou lá sem saber ainda que curso queria fazer, visitou as atividades programadas do Instituto de Física e saiu com algumas certezas e várias dúvidas. A vovó agora já não se impressiona mais com a doçura, porque aprendeu a distinguir o mel adulterado.
Cerca de 10 mil pessoas participaram de 200 atividades do 2º ano do UERJ SEM MUROS, evento que divulgou conhecimentos e práticas acadêmicas, dando ao público a oportunidade de ver de perto como funciona uma universidade. A quase totalidade do público estava composta por alunos de escolas do 1º e 2º graus. Pedro Pedreiro e família constituíram, na realidade, um caso ainda singular. Por isso, o destaque.
Pedro Pedreiro, o construtor, nos deixa uma lição. Ao penetrar no “templo sagrado”, ainda que por dois dias, talvez tenha desenhado magicamente tijolo por tijolo, os alicerces da universidade com a qual todos sonhamos. Uma universidade onde o saber circula livremente, onde a ciência dialoga com os saberes populares, onde Pedro e sua ciência não precisam pedir licença para entrar. E de onde saiu um Pedro, pedreiro e penseiro, esperando o trem que já vem, que já vem, que já vem.
Construção: Pedro Pedreiro. Artigo publicado no Boletim UERJ EM QUESTÃO. ANO III, Nº 5, agosto de 1991. E também no UERJ SEM MUROS, ano I, nº 1 - Setembro/outubro 1991. Aqui reproduzido com algumas modificações.