CRÔNICAS

Políticos-cupuaçu: pouco miolo e grandes cascos

Em: 02 de Abril de 1986 Visualizações: 15155
Políticos-cupuaçu: pouco miolo e grandes cascos

.Por que as Casas de Ótica, nos últimos quinze anos, foram se colocando uma ao lado da outra, na Rua Rui Barbosa, na calçada oposta ao Colégio Estadual? Que força estranha impeliu seus diferentes proprietários a juntar-se desta forma? Por acaso, os ceguetinhas, os míopes e os estrábicos não seriam capazes de encontrá-las em qualquer outra esquina?

Por que o cabrito e o cavalo comem o mesmo capim, mas apresentam enormes diferenças um do outro quando, após a digestão, devolvem o capim que comeram, em forma de bolotinha e bolotona?

Confesse, leitor (a): você não é capaz de responder a estas perguntas! Ora, se você nada entende de matéria fecal, cavalar ou cabrital, então como pretende compreender a política local? Se você não entende de ótica, então como é que vai poder ver esta conspiração caótica? Se você nem olhou, com vai saber do complô?

O COMPLÔ

Você viveu, caro leitor, mas não viu as cinco peças do complô. Vamos enumerá-las: primeiro foi o lance da candidatura (1), depois o da inspiração (2), em seguida o da EMANTUR (3), passando pelo lance do herói civilizador (4). Agora, pintou o caso do cupuaçu (5). As peças vão, portanto, se encaixando umas nas outras, costuradas por um mesmo fio tecido pelos "quinta-colunas", isto é, por agentes de oposição infiltrados nas fileiras governamentais.

1. O lance da candidatura foi protagonizado por aquele deputado malufistinha - o Erasmo - que carrega o Amazonas no nome. Vocês estão lembrados que o próprio governador declarou aos jornais que se Erasmo votasse em Paulo Maluf, ele - Erasmo - desapareceria. Desapareceria politicamente, eu suponho.

Erasmo supôs outra coisa. Ameaçado, ele recuou, votou bonitinho em Tancredo Neves, mas intimamente jurou vingança. A forma mais maquiavélica de vingar-se foi justamente fingir que estava puxando o saco do governador e que o fazia em forma mais acabada que os outros. Como cupincha do poder, ele poderia miná-lo por dentro, como de fato o fez, tecendo elogios tão descabelados e tão disparatados que se transformaram logo em deboche e gozação.

Erasmo pensou primeiro em Deus, mas retrocedeu, porque já havia três pessoas ocupando o único cargo: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Depois, pensou na presidência dos Estados Unidos, mas para tal cargo é necessário falar inglês e o governador não fala. Então, Erasmo, o intrépido, aprontou o que nenhum membro declarado da oposição ousaria: lançou o nome do governador Gilberto Mestrinho para presidente do Brasil, com o propósito inequívoco de provocar uma estrondosa gargalhada em todo o país. Felizmente não conseguiu, porque o resto do país nem sequer chegou a tomar conhecimento dessa proposta municipal, mas a partir de então o ridículo se instalou dentro do Palácio Rio Negro. 

2. O lance da inspiração foi vivido pelo ex-prefeito Amazonino Mendes. Magoado porque foi obrigado a engolir Manoel Ribeiro como seu sucessor, Amazonino concebeu uma sofisticada vingança: aceitar a sua candidatura ao Governo do Estado, recusando-se a debater com outros candidatos, com o objetivo de cobrir de ridículo o seu patrocinador. Além disso, ainda ficou em uma posição cômoda, porque ninguém desconfia que ele, candidato oficial, pretende sacanear o governador, quando tece elogios disparatados, puxando o saco de Mestrinho. 

Há duas semanas, Amazonino lançou a seguinte presepada, que fez a economista Maria da Conceição Tavares chorar na TV. Ele disse:

"O grande inspirador do pacote econômico, no plano nacional, com as medidas de congelamento, foi o Gilberto".

O país inteiro não riu, porque não foi o "Jornal Nacional" que transmitiu a frase, mas um canal local. No entanto, o Ridículo, confortavelmente instalado no Palácio Rio Negro, adquiriu uma forma tão humana, de carne e osso, que o secretário particular - o Pachequinho - o saúda todas as manhãs: "Bom dia, sr. Ridículo". 

3. O lance da EMANTUR: No dia do aniversário do governador, a EMANTUR publicou, com o dinheiro do contribuinte, o seguinte anúncio atrevido nos jornais de Manaus:

"Gilberto, 180 mil turistas visitaram o Amazonas no ano de 1985, por causa de ti. Eles vieram aqui para te ver. Tu és a maior fonte de turismo da nossa região. Esperamos que em 1986, tu continues atraindo turistas, responsáveis pela entrada de dólares no Amazonas".

Desta vez quem chorou não foi a Conceição Tavares, mas o encontro das águas, o peixe-boi, a vitória régia, o Teatro Amazonas e a própria floresta. O mais absurdo dessa história é que a EMANTUR até hoje não demitiu o funcionário responsável por esse vexame, cometido com o claro propósito de zombar do governador. O que nos permite concluir que a direção da EMANTUR está comprometida até o talo com o complô. Depois disso, o Ridículo, instalado no Palácio Rio Negro, passou a responder as saudações: "Bom dia, Pachequinho".

4. O lance do herói civilizador: a Secretaria de Comunicação (SECOM) também até hoje não puniu o funcionário responsável por aquela propaganda na TV, que apresenta o governador como trabalhador rural quando, após mostrar as frutas e as hortaliças, diz que no Amazonas tudo é fartura "porque Gilberto plantou". E termina taxativamente: "Esse Gilberto é um herói". Assim mesmo. A cidade toda está rindo e o cachorro do mestre Aristófanes de Castro, o Pofokanikanu está latindo alegre, numa clara prova de que a SECOM conseguiu o seu objetivo, de forma tão completa que o Chefe da Casa Militar quando passa pelo sr. Ridículo, instalado no Palácio, bate continência.

5. O lance do cupuaçu é a última peça do complô. O ex-secretário do Abastecimento, Jayth Repolhão Chaves (o que distribuiu peixe podre na Semana Santa) aconselhou o governador a fazer o seguinte pronunciamento na TV, que pegou mal sobretudo para quem se apresenta como trabalhador rural:

"Quando eu assumi o Governo, não havia cupuaçu na cidade, mas com muito trabalho do governo da transformação, eu introduzi sementes e plantei. Agora, estamos até exportando: os caminhões frigoríficos partem para o sul do país carregados de polpa de cupuaçu".

O objetivo do Jayth R. Chaves (será irmão do Juca Chaves?) foi evidentemente introduzir a dona Galhofa no Palácio Rio Negro, porque o atual governo agora é que completou três anos, enquanto de acordo com a EMBRAPA, "o cupuaçu de semente costuma produzir pela primeira vez somente a partir de quatro anos depois de plantado" (Documento 32 intitulado "Fruticultura tropical: o cupuaçuzeiro, cultivo, beneficiamento e utilização do fruto", p.61) Portanto, se existe exportação, quem plantou foram os trabalhadores, mas em governos anteriores.

Discutível também é a questão da introdução do cupuaçu na Amazônia por Jayth e Gilberto, em 1983, trazendo-o não se sabe de onde, da mesma forma que Francisco de Melo Palheta trouxe o café de Caiena no século XVIII. Em 1974, a Quarta fruta mais comprada pelo manauara era o cupuaçu, depois da banana, do limão e da laranja, segundo dados do CODEAMA na I Pesquisa sobre Orçamentos Familiares. Nos anos 1950, quem não se lembra do seu Messias, gritando pelas ruas de Manaus: "Eia Jaca-mole-manteiga. Olha o Pajurá de racha". No tabuleiro do seu Messias, vinha também o cupuaçu.

A presença do cupuaçu foi ainda registrada no século XVIII. Alexandre Rodrigues Ferreira, em sua "Viagem Filosófica ao Rio Negro", realizada em 1783, informa que o jambo e o tamarindo acabavam de ser introduzidos nesta época no Amazonas, via Mato Grosso, mas confirma que o cupuaçu, a sorva, o bacuri, a pacova e outras que ele chama de "frutas indígenas domesticadas", existem na Amazônia desde tempos imemoriais ((p.701-702).

Finalmente, o padre João Daniel, no seu "Tesouro Descoberto no Rio Amazonas", escrito entre os anos 1757-1776, se refere a duas espécies: "o copu açu e o copu meri". E diz: "A fructa Copu também pecca em ter pouco miolo, tendo grandes cascos" (Tomo I, p.331). Ele estava mesmo definindo o cupuaçu da época, caro leitor, ou se limitava a fazer uma previsão sobre o que seriam os políticos governistas do Amazonas envolvidos hoje neste complô de igarapé?

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4 Comentário(s)

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Jandir Ipiranga Júnior comentou:
14/04/2011
Comi muito cupuaçu colhido do pé quando era adolescente e viajava para o municipio de Autazes para férias, carnaval ou semana santa, na propriedade da Da Belinha (Sítio Delícias de Rosarinho). Este já do lado do Rio Madeira. Comia no caroço, bebia o vinho e mamãe fazia o Mousse.
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