.O parasita está longe de ter ódio, deve ter mesmo amor ao organismo que o alimenta e que ele arruína. (Joaquim Nabuco. Campanhas de Imprensa. 1984)
- Isso é uma declaração de guerra. Contrato os caminhões limpa-fossa, esvazio o seu conteúdo em containers de avião e vou bombardear Manaus.
Conto o que me contaram. Eu não ouvi esta ameaça, que teria sido feita por um político local ultrapassado, quando saíram os resultados das últimas eleições municipais, apontando-o como derrotado. Ele queria se vingar da cidade.
A ameaça, resultado de uma frustração momentânea, não é uma simples metáfora. Na realidade, ela já foi executada. O Amazonas inteiro foi bombardeado. Estamos provavelmente vivendo um surto epidêmico de doenças intestinais, conforme demonstramos aqui no domingo passado em coautoria com o Raimundinho. Analisei as “obras” públicas e ele, as privadas.
Se estamos todos bichados, porque ninguém se pergunta:
- O que é a parasitose intestinal? Ela representa perigo para a população ou isso não passa de conversa pra boi dormir? Como é que um lombriga penetra no intestino da gente? O que fazer para combater as bichas?
Acabo de concluir um curso em merdologia e tentarei responder essas perguntas para, em seguida, satisfazer a curiosidade do leitor sobre as fezes do cabrito e do cavalo, de profundo interesse filosófico. A pergunta manjada até hoje sem resposta é: quem sabe porque o cavalo e o cabrito comem capim, mas descomem tão diferente? De quebra, explicarei a origem da expressão: Não tem pescoço francês de peruano que aguente.
Bichitus corruptus
O parasitismo é uma espécie de associação entre os seres vivos, onde só um dos sócios leva vantagem, enquanto o outro sempre se ferra. Dessa forma, o parasito é o agressor que se beneficia com os lucros, e o agredido hospedeiro, que o abriga, sempre sai perdendo.
Dois grandes tipos de parasito ocupam uma vaga no intestino do ser humano: os helmintos e os protozoários. Os primeiros possuem mais de uma célula e podem ser vistos a olho nu, nas fezes, como é o caso das lombrigas, vermes, tuxinas e ancilostomídeos. Os segundos são unicelulares e só podem ser observados com ajuda de microscópio, como é o caso da ameba, da giárdia, da T. hominis e do G. fragilis.
Além dos intestinos, alguns parasitos se hospedam e se instalam no corpo social – sua nova morada. O bichitus corruptus ou C. Carli é o nome científico de um parasito pluricelular visível a olho nu hospedado na sociedade amazonense. Já o Amazonino Mentes é um protozoário unicelular só visível com o microscópio, da mesma forma que o F. Colloris, também conhecido como Maharajá venator, alojado em Brasília.
Quem engorda?
Tais vermes representam mesmo perigo para a população? Será que não estamos exagerando sobre o poder de fogo deles? Afinal, que dano pode causar uma lombriguinha de merda?
O negócio não é brincadeira. A situação é grave. Em primeiro lugar, os parasitos exercem uma função espoliativa, roubando nutrientes do corpo hospedeiro. O ancilostomídeo, por exemplo, aquele que atacou o Jeca Tatu, provoca o amarelão, chupa todo o ferro (sem alusão ao Guilherme Aloísio) do organismo. Se um amazonense engolir todos os vergalhões, chapas de metal e pregos da Siderama, quem fatura não é o cidadão, é o verme.
Algumas espécies são vampirescas e chupam até o sangue da mucosa intestinal, deixando nela pontos hemorrágicos. Outras impedem o fluxo dos alimentos, como a lombriga que se enrola numa alça intestinal, bloqueando-a. Ou a giárdia, que faz um tapete no duodeno e deita e rola.
Quer ver só como isso acontece? O caboquinho entra na fila naquela campanha de combate à desnutrição promovida pelo Amazonino Mendes. Recebe os alimentos. Come. Mas quem fatura não é o caboquito, são os parasitos, que roubam os elementos nutrientes. O Nininhus Mentes é quem lucra com o processo. Quer dizer, comer o caboquinho come, o que provoca uma ilusão, porque quem se alimenta, quem engorda e se enriquece, é o parasito.
Desta forma, os parasitos, que podem intoxicar e produzir lesões traumáticas no organismo, concorrem para baixar as defesas, abrindo caminho para outras doenças. Se o seu filho pegar uma simples gripe, o culpado pode ser a lombriga, que arrebenta com as pessoas, desfibrando-as, fazendo-as perder a vontade de lutar e mudar de situação. Na hora de ir à urna, o hospedeiro inconsciente vota no parasito (vixe-vixe).
Suco de ameba
Afinal, como é que esses lombrigões se apossam do corpo e da alma da gente? O que causa a parasitose intestinal?
A ausência de esgotos e fossas sépticas obriga as pessoas a ir lá atrás da moita ou a jogar os dejetos fecais na rua, como eu vi no Mutirão Penicão. Andar descalço pisando nessas porcarias, comer alimentos expostos à poeira e aos insetos, beber o suco de ameba que a Cosama (ou Colama) joga nas nossas torneiras, cobrando um alto preço para isso, conviver com o lixo habitado pelas moscas – tudo é foco de contaminação.
A parasitose intestinal é, portanto, doença provocada pelo subdesenvolvimento. Ela é, ao mesmo tempo, causa e consequência da miséria e da desigualdade social. Não pode ser dissociada da fome, da subnutrição, da pobreza, das precárias condições higiênicas.
Royal Briar
Uma pediatra de Manaus aconselhou uma mãe aflita a dar ascaridil de três em três meses a seu filho, independentemente do exame de fezes, porque – ela disse – quando um maldito parasito sai forçado pelo remédio, outros já estão entrando.
A medicação sozinha não resolve, é verdade, porque a falta de saneamento básico no Amazonas e de educação sanitária anulam qualquer combate recomendado por prescrição médica.
A profilaxia, ou seja, o conjunto de medidas para prevenir a parasitose intestinal, depende de um programa radical e abrangente de engenharia sanitária e de educação. É criminoso não colocar esgoto ou, pelo menos, fossas, no Mutirão-Penicão criado pelo Amazonino. Mais criminoso ainda é não dar aos seus moradores a informação básica necessária para que eles construam fossas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), casos como o do Amazonas requerem um tratamento em massa da população durante três anos consecutivos, depois de todo mundo levar sua latinha para o exame de fezes.
Mas pelo amor de Deus não faça como aquele vereador, residente na Epaminondas quase entrando na João Coelho. O nosso bravo edil, que por pouco não se elege, quando adolescente foi obrigado por sua mãe a levar sua latinha para o exame de fezes no laboratório, que recusou porque o conteúdo estava adulterado. Ele havia colocado lá dentro uma boa dose de perfume Royal Briar.
- Menino, telezé? – a mãe ralhou.
O futuro vereador gaguejou:
- A moça do laboratório é muito bonitinha e eu fique com vergonha de entregar pra ela aquele negócio fedorento.
O cabrito
A situação do Peru é igual a do Amazonas: todo mundo está bichado. Como havia muitos peruanos em filas quilométricas pedindo o visto de imigrante para os Estados Unidos, o Consulado americano em Lima criou medidas para reduzir essa onda crescente: exigiu o exame de fezes feito no laboratório do próprio Consulado. Só concedia o visto a quem tivesse o cocô sadio. A redução de imigrantes foi drástica, até que apareceu o Juan Paucar Morales.
Juanito fez os exames e passou em todos com a nota máxima, parecia até cocô de europeu. Nenhuma amebinha, necas de protozoários e helmintos. Decidiu então ganhar dinheiro, vendendo na fila latinhas devidamente preenchidas com o seu produto sadio. Ganhou uma nota preta, mas teve de fazer um esforço tão grande para aumentar a produção, que deu origem àquela expressão:
- Não tem pescoço francês de peruano que aguente.
E o cocô do cavalo e do cabrito, como é que ficam?
Desculpa, leitor (a), o Raimundinho e eu pesquisamos e não encontramos a resposta. Mas o assunto aqui abordado em relação aos humanos é extremamente grave, merece – atenção coleguinhas pauteiros dos jornais – uma grande reportagem investigativa para tratar a questão com maior profundidade.
P.S. – Que autoridade tem esse articulista pra dar pissica sobre esse assunto e ficar falando regras? – pergunta o leitor cricri. Poderia responder que estou falando e andando para tal pergunta. No entanto, explico: este texto que você leu foi escrito com a ajuda do laboratorista Raimundinho – o Rei da Eme, da doutora Maria Elisa Freire Meneghini – a rainha da giárdia, assim como do doutor David Pereira Neves, autor de Parasitologia Humana. Evidentemente nenhum deles é responsável pelas incorreções porventura existentes.
Ver também:
1. A morte e as mortes de Mister Z.Y - https://www.taquiprati.com.br/cronica/633-a-morte-e-as-mortes-de-mister-zy-
2. Quatro cruzes nas "obras" públicas do Amazonas - https://www.taquiprati.com.br/cronica/635-quatro-cruzes-nas-%E2%80%9Cobras%E2%80%9D-publicas-do-amazonas