CRÔNICAS

A fábula das borboletas na Amazônia

Em: 04 de Fevereiro de 1992 Visualizações: 2202
A fábula das borboletas na Amazônia

A cadeia de lojas “Mariposão” dedicada ao ramo de exportação e importação comercializa borboletas da Amazônia, exportando-as para a Europa e os Estados Zunidos. De lá, traz sucatas para vender em Manaus. Por isso, ninguém entendeu quando o seu proprietário, que respondia pelo estranho nome de Tim Burton, comprou vastas extensões de terra em Coari – a capital da banana:

- Vamos plantar bananas e fabricar cachaça no Alto Solimões.

A notícia caiu como uma bomba na Associação Manauara de Exportadores de Borboletas Amazônicas (AMEBA), formada por empresários falidos da antiga Zona Franca de Manaus. Afinal, toda a economia amazônica girava, agora, em torno da exportação de borboletas.

-  Por que, então, plantar bananas? – perguntavam-se intrigados os associados da AMEBA.

Tudo começou no final de janeiro de 1992, mais precisamente no dia 26, quando o geólogo Frederico Cruz, assessor da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, numa entrevista aos jornais de Manaus, denunciou o contrabando de milhares de borboletas da Amazônia para o exterior. Cada borboleta comprada dos cabocos pela mixaria de Cr$ 10,00 era vendida por dois mil dólares, o equivalente a Cr$ 2.600.000,00.

A burguesia de igarapé, com uma maquininha de calcular, fez as suas contas e descobriu, maravilhada, que estava diante do negócio do século, mais rendoso do que vereador cobrar ressarcimentos médicos por doenças inventadas. Em toda a história do sistema capitalista, nenhuma outra atividade econômica proporcionou uma margem tão fabulosa de lucro como a exportação de borboletas.

Os empresários da AMEBA desistiram de montar filiais em Macapá e recontrataram os 40 mil desempregados do Distrito Industrial para que, armados de redes de filó e puçás de tule, invadissem a floresta à procura das lucrativas libélulas voadoras.

Plantando bananeiras

Foi uma loucura. Os vereadores fecharam a Câmara Municipal de Manaus e nunca mais inventaram “doenças” para obter ressarcimento médico. Os deputados abandonaram a Assembleia Legislativa em busca de atividade mais rentável. Professores e médicos desertaram de suas escolas e clínicas e – todos eles – foram caçar borboletas. A delirante febre da borboleta se apoderou do corpo e da alma de todos os amazonense. Por 2 mil dólares o preço de cada exemplar, não havia quem resistisse.

No entanto, como a economia do Amazonas estava condenada a viver perpetuamente na dependência dos caprichos do mercado externo e da ganância predatória de aventureiros, todo mundo enfiava o pé na jaca, consciente de que aquele curto período de prosperidade seria seguido por longa fase de crise, desemprego e miséria. Foi assim com as drogas do sertão no período colonial e com a borracha no Império e na República. Continuou assim quando meio século depois virou zona. Agora a economia borboleteava, com alguns indícios de que podia se embananar.

As borboletas, que antes eram vistas aos milhares, voando tranquilamente com movimentos lentos e compassados, até mesmo no bairro de Santa Etelvina, começaram a rarear em decorrência da caça predatória. Elas se refugiaram nas terras dos índios que impediam a entrada de caçadores, fazendo com que o secretário do Meio Ambiente Joseph Delfort Jr. denunciasse com coragem e desassombro:

- É uma coincidência impressionante que todas as terras reclamadas pelos índios sejam justamente os celeiros de borboletas. Aí tem o dedo das multinacionais.

O ciclo da borboleta estava mesmo esgotado? Estariam as multinacionais realmente interessadas na banana e na cachaça? Por que o empresário Tim Burton havia, de repente, planejado plantar bananas, quando a cotação da banana nas bolsas de Nova York, Londres e Paris estava mais baixa do que a baixa da égua? A cadeia de lojas que já havia sido batizada de “Drogão”, “Borrachão”, “Mariposão”, mudaria agora para “Bananão”?

Essas eram as perguntas que os empresários se faziam em assembleia extraordinária convocada pela diretoria da AMEBA. O mistério foi esclarecido por Ignácio Bengoechéa, de nacionalidade basca, que havia inventado um engenhoso sistema para engaiolar peixes no rio e alimentá-los como quem dá milho para as galinhas. Sua declaração foi surpreendente:

- A banana e a cachaça não são para a exportação. Elas servem para aumentar a produção de borboletas, de acordo com o projeto Delfortchéa, que não deve ser confundido com o projeto Enchéa.

Como ninguém entendia a relação da banana e da cachaça com a borboleta, ele explicou em detalhes. As lagartas que se transformam em crisálidas, antes de parirem as borboletas, se alimentam de folhas de bananeira, certo? Desta forma, plantando bananeiras se cria condições para aumentar a população das lagartas e, em consequência, das borboleta, certo?

- E a cachaça? – indagou um dos sócios da AMEBA.

- Bem, a cachaça é na verdade uma isca, um método de captura. Os entomólogos e os lepidopterologistas observaram que quando as borboletas querem se alimentar, procuram nas flores ou nos frutos fermentados os líquidos que aspiram avidamente com a tromba distendida, como se fosse um aspirador de pó, certo?

Ele tinha o cacoete de terminar suas frases assim, certo? Aí revelou o procedimento adotado por seu projeto:

- Consiste em amassar a banana, derramar a cachaça sobre ela e colocá-la nas árvores. Atraídas pelo cheiro, as borboletas pousam sobre essa gororoba e sorvem a cachaça, tomando o maior porre de caipirinha de banana. Quando elas estão assim, bêbadas, podem ser capturadas com a mão por qualquer criança. Isso significa que podemos demitir a mão-de-obra adulta, muito mais cara, e contratar, por meio salário, menores de idades para a caça às borboletas. Esse método revolucionário, indubitavelmente, aumentará a captura de borboletas e diminuirá os custos de produção, interferindo na propensão a poupar e na relação capital-produto, certo?

O técnico explicou que essa técnica foi ensinada pelo índio velho da novela “Amazônia” ao Jorge Tadeu da novela “Pedra sobre Pedra”. Ele vai morrer no próximo sábado cercado de borboletas.

Essa história é verdadeira? Quer que eu conte? Contarei...o conto que não contei. Mas isso já é com o enredo da Escola de Samba Vitória Régia.

NOTAS

Yanomami

O jornalista Hélio Fernandes publicou artigo intitulado “Os Yanomami vão enriquecer as multinacionais”, reproduzido aqui em A Crítica na semana passada. Trata-se de um besteirol com o objetivo de confundir a opinião pública e torpedear o necessário processo de demarcação. Se as terras dos Yanomami fossem efetivamente enriquecer as multinacionais, todo mundo que está contra os índios, incluindo Hélio Fernandes, estaria a favor da demarcação e quem está a favor, estaria contra. Elementar, meu caro Watson. É só olhar a trajetória de vida dos que defendem e dos que atacam.

Tikuna

O presidente do PMDB de Benjamin Constant, vereador Chico Batista, foi um dos coordenadores da passeata realizada na semana passada, em Tabatinga, com o objetivo de destilar veneno contra os índios Tikuna e impedir a demarcação de suas terras. Quem é esse cidadão? Segundo o jornal Porantim de agosto de 1978, Chico Batista é o maior invasor de terras indígenas do pedaço. “Isso daqui não é terra pra índio, é terra pra gado” – disse Chico Batista quando tentou naquele ano expulsar os Tikuna da comunidade de Palmares, a meia-hora de viagem de Belém do Solimões.

Século XVII

O jesuíta Samuel Fritz, quando passou pelo Alto Solimões, no final do século XVII, elaborou um mapa onde mostra claramente a dimensão da área ocupada pelos Tikuna, legítimos ocupantes daquele território. O mapa não registra a presença de nenhum elemento da família Batista. Nem da família Pontes.

Saudades

O professor Aderson Pereira Dutra teve a sinceridade de declarar, há alguns dias, que “aqui no Amazonas, principalmente, dá para sentir saudades do regime militar”. Com todo respeito, cabe perguntar quem, na Universidade do Amazonas, sente saudades do seu ex-reitor? Ele confirmou como a coisa mais natural do mundo a existência de espionagem e repressão dentro da Universidade do Amazonas.

P.S. - Ilustração do Fernando Brum

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