“O primeiro homem que comparou a mulher a uma rosa era um poeta. O segundo, um perfeito imbecil”. Quem fez tal afirmação foi o irreverente escritor irlandês Bernard Shaw, que burlava-se da falta de imaginação criativa, não perdoava a frivolidade e mangava das pessoas incapazes de esboçar um pensamento original.
Bernard Shaw não conhecia o Amazonas e nunca viu o deputado Josué Filho mais gordo. Nem mais magro.
No comício sábado passado, no bairro do Alvorada II, Josué, mais magro, subiu no palanque e em discurso apaixonado comparou Manaus a “uma linda mulher que durante as eleições procura um noivo para se casar”. Ignoro se Josué Filho é poeta, mas certamente ele não foi o primeiro a comparar uma cidade a uma mulher. A imagem é um tremendo lugar-comum, um clichê. Não importa. Empolgado com o comício de acordo com a notícia publicada em A Crítica (27/10/92, pg. 8), o deputado foi mais longe e definiu as qualidades do noivo, sapecando:
- Um noivo que seja honesto, honrado, trabalhador e, acima de tudo, amigo do pai da noiva, no caso o governador do Estado. E noivo com todas essas qualidades, só existe um disputando o segundo turno: o Dutra.
Pode até ser, no contexto, politicamente correto. Mas literariamente ruim.
Dos dois candidatos, José Dutra é, sem dúvida, de longe, o pretendente menos ruim neste segundo turno, quando o candidato ideal já ficou pelo meio do caminho. Tá certo, tudo bem, o Dutra não é nenhum príncipe encantado, mas também a noiva não é nenhuma Maitê Proença, a dona Beija, tomando banho de cachoeira, essa sim a nora que dona Elisa pediu a Deus, para usarmos uma imagem tão original como a do Josué. De qualquer forma, como a imagem manjadíssima foi usada, cabe aproveitá-la ao máximo.
O que o “Magro” Josué não disse é que essa noivinha é uma coroa que esconde sua verdadeira idade. Ninguém sabe se ela tem 144 anos ou mais de 300, assunto que foi tema das fofocas no seu último e recente aniversário, que sequer foi comemorado. O deputado omitiu também que Manaus, a noiva aniversariante, foi muito maltratada ao longo de sua vida. Um dos poucos que, embora machista não a espancou, foi Eduardo Ribeiro, o primeiro governador negro do Amazonas. Ele embonecou-a com joias, vestidos e perfumes, foi por ela traído e acabou assassinado ou “suicidado”, em 1900. Seu corpo foi encontrado em sua chácara, sentado no chão, de pijama, enforcado com uma corda de armar rede. Parece que foi envenenado. A noiva ficou viúva.
Noivinha amancebada
Tudo bem, Josué: supunhetemos que Manaus seja uma noiva. Mas aqui prá nós, olha para aquela câmara indiscreta do Clodovil e confessa, vai, abre o jogo, enquanto eu preparo um cafezinho: Você acha essa noivinha atraente, depois de tudo que sofreu?
Pobre Manaus! Bolinada por tantas mãos interessadas apenas em sua fortuna! Não podemos esquecer que, em épocas passada, o pai da noiva, Gilberto Mestrinho, cometeu um erro, publicamente reconhecido, entregando sua filhinha querida para um casamento só no civil, sem votos, ao noivo biônico Amazonino Mendes (PDC – vixe, vixe). Sem votos. E casamento que não tem a benção do padre ou das urnas, segundo dona Elisa, não vale nada.
Amazonino amancebou-se contra a vontade da noivinha, vivendo uma situação de pecado daquele tipo que clama aos céus e brada a Deus vingança. Aproveitou-se da moça. Enquanto viveram juntos, Amazonino usou-a como lavadeira de sua roupa suja, arrumadeira de sua casa e cozinheira de sua comida. E como comeu! Comeu com uma fome insaciável. Bebeu, em grandes goles, toda a mocidade da consorte sem-sorte. Diariamente, chegava de porre, maltratava a jovem, dava-lhe porrada. Estuprou a pobrezinha, deixando-a toda esburacada, com focos infecciosos. Triste destino para uma ex-aluna do Colégio Dorotéia (Eu já tinha comentado contigo, leitora, que Manaus estudou na Dorotéia?)
Quando a noivinha já estava um molambo, que parecia nada mais render, Amazonino, como um cafetão, passou a vender o corpo dela ao primeiro que pagasse. Rufião, enriqueceu, explorando-a. Depois, abandonou-a na sarjeta da periferia, no Mutirão sem calçada, esgoto, água encanada, zanzando na lama pelos São José I, II e III, onde Manoel Ribeiro Pracinha a recolheu, removendo-a para a Praça da Matriz, com o objetivo de sugar-lhe as últimas migalhas de energia e de juventude.
Foi aí que Arthur Neto a encontrou, no momento em que combatia a ditadura. A ex-noivinha estava um caco, suja, fedorenta, cheia de lombrigas, sifilítica, com doenças da pele que nem os doutores Sinésio e Sardinhas, juntos como nos velhos tempos, poderiam dar jeito. Embora discordando politicamente de Arthur, reconhecemos que ele maquiou a moça, botou-lhe dentadura nova, hospitalizou-a, desentupiu suas coronárias e pintanguizou-a numa operação plástica que se fazia necessária.
O sapo e a princesa
É claro que a ex-noivinha nunca mais voltará a dançar a valsa dos 15 anos, mas a Cleisa Elena também nunca dançou, por convicção própria, porque acha cafona e preferiu abocanhar o dinheiro da festa para colocar na poupança. De qualquer forma, deu para renovar as energias de Manaus (meus amigos do PT, que estão brigando com o Artur, não vão gostar disso certamente).
Agora que a noivinha recebeu uma boa guaribada e está apresentável, com um patrimônio nada desprezível, o antigo cafetão, que nunca a amou, quer se apossar dela de novo, para meter a mão na sua fortuna. Ele quer espoliá-la e depois entregar as sobras para o Eduardo Braga roer os ossos. E o casamento de um Eduardo Braga com um Manuel Ribeiro, não dá um Eduardo Ribeiro. Dá no que já deu.
(A dona Elisa não vai gostar, mas o Josué vai adorar a imagem que eu vou usar agorinha, como filho que sou dessa noivinha maltratada e mal-amada: eu quero interferir na escolha do meu padrasto. Chega de cafetão! Dutra é a solução).
O Dutra pode até ser um sapo que a gente tem de engolir. Mas nos contos infantis, quando a princesa beija o sapo, ele se transforma em príncipe encantado. Uma eleição, eu sei, não é um conto de fadas, mas se o Dutra não é um príncipe encantado, pode ser, no entanto, uma maridão razoável daqueles que vem direto do trabalho para casa, sem passar no bar, janta, veste seu pijama listrado ou de bolinhas, liga a televisão no programa da Hebe Camargo ou do Clodovil, depois vai na geladeira, bebe um copo de leite, bota uma meia fina de mulher ou uma touca na cabeça para manter em forma a cabeleira e vai dormir um sono tranquilo para no outro dia pegar no batente.
É. O Dutra vai manter uma relação com Manaus, sem grandes paixões, mas responsável, estável e equilibrada, estilo papai-mamãe, disposto a aceitar de vez em quando uma proposta de dê-erre para tomar conhecimento do que não está funcionando. Com certeza, não irá caftinizar a pobrezinha. Nem espancá-la. Tenho dito!
P.S.1 - Josué, obrigado pela imagem. Nós dois juntos escrevemos uma crônica legal, você não acha? Claro que não pode ser comparada à Crônica do Dia da Rádio Difusora, onde a fantasia do Josué pai não tinha limites e comovia a todos nós, filhos da noiva. Mas dá para o gasto. E combina com os potins deliciosos da coluna da Baby aqui ao lado.
P.S. 2 – Sérgio Bártholo, meu amigo, não respondi o fax porque estou entupigaitado de trabalho: dando mil aulas e caçando índios nos arquivos do Rio de Janeiro.
P.S. 3 – Um promotor público, que não me autorizou a revelar o nome, em fax enviado, criticou o apoio da coluna a José Dutra no segundo turno. É uma discussão que vale a pena ter. No primeiro turno, a gente vota no melhor. No segundo, no menos execrável. A alternativa de anular empodera o mais execrável.
CARTA DE ARTHUR NETO EM SUA COLUNA SEMANAL