- Vem pra porrada, vem! Não tenho medo de homem não! Vamos lá fora que eu vou quebrar a tua cara!
- Você é uma histérica! Uma histérica desmoralizada!
Onde é que nós estamos, leitor (a)? Na feira da Compensa, assistindo a uma briga entre um caminhoneiro e uma vendedora de bananas? Não. Os feirantes são educados. Um trabalhador honesto, por mais pobre que seja, tem a compostura de quem ganha o pão com o suor de seu rosto. Isso só pode ser coisa de desocupado, daquela camada social que a sociologia marxista chama de lumpen, constituída por vadios, que vivem na extrema marginalidade e na indigência cultural. Enfim, coisas do Amazonino.
Acontece que essa troca de insultos existiu de fato. Ocorreu assim mesmo, de verdade. Foi na semana passada, no recinto nobre da sala de sessões da Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas. Os protagonistas desse arranca-rabo foram os deputados Lupércio Ramos (PDC vixe! vixe!), que estava pálido, com medo de pegar uma surra, e a deputada Betty Suely (PMDB – vixe!) que babava de ódio, com vontade de dar uma surra.
O quebra-pau não ficou por aí. Alastrou-se como uma impingem, envolvendo a maioria dos deputados, segundo o repórter que cobriu a sessão para este jornal. “Fresco”, “vagabunda”, “cafajeste” e “vaca” foram algumas das ofensas – mais leves e publicáveis – que rolaram durante três horas, num clima de guerra e baixaria.
Playboy de Tabatinga
Por que brigaram assim os deputados? Divergências ideológicas sobre algum projeto de interesse social destinado a acabar com a fome no Amazonas ou a construir casas populares para os sem-teto? Eles são pagos para isso, é verdade, mas saíram aos tapas por outro motivo: a eleição do presidente da Assembléia Legislativa, uma espécie de sub-vice-governador, que fica rezando e acendendo velas para que morram o governador e o seu vice. Se Mestrinho fechar o paletó e o Chiquinho Garcia, por pura solidariedade, também bater a caçoleta, quem assume a direção do Executivo amazonense é ele, o presidente da Assembléia Legislativa.
- “É muito pouco para tanta briga” – objeta o leitor perspicaz, argumentando: “O Mestrinho goza de boa saúde, e a solidariedade do Chiquinho Garcia tem seus limites. O presidente da Assembléia não tem qualquer chance de assumir o Governo”.
Ah, perspicaz e objetante leitor! Precisas saber que o cargo de presidente acrescenta 30% a mais no já polpudo salário do parlamentar eleito. Além disso, ele vai administrar um orçamento de mais de Cr$ 200 bilhões no próximo ano e comandar um exército de 1.300 funcionários. Para abiscoitar tanto poder, vale tudo?
- Vale sim! – respondeu correndinho o Lupércio Ramos, que passou interinamente dois meses como presidente da Casa, gostou e quis ficar. Apoiado pelo senador Amazonino Mendes, Lupércio – o playboy de Tabatinga – conseguiu juntar 10 votos de um total de 24 deputados. Era insuficiente. Precisava garimpar votos no PMDB. Garimpou.
Tamborete-de-forró
Dois deputados eleitos pelo PMDB se ofereceram: Jérson ‘Piraíba’ Teixeira, que depois fugiu para o PTB, e Eduardo Sá – o Sazinho Tamborete-de-forró. Eles estavam disponíveis, porque haviam metido grana no bolso, sem trabalhar, com a cobertura do Lupércio. Tiraram uma licença de 166 dias diz-que para acompanhamento médico. Consultado, o procurador-geral da Assembléia deu parecer jurídico, concluindo que, pelo Regimento Interno, os dois só poderiam assumir em janeiro, quando esgotasse o tempo da licença. Portanto, não poderiam participar da votação para presidente da Casa.
Então, segundo a versão do deputado Maneca, um grupo do PDC, na calada da noite, entrou na Assembléia, retirou do arquivo os processos e rasurou o pedido de licença, modificando-o de 166 para 140 dias. É como se eu estivesse vendo, leitor (a), o Lupércio entrando na ponta dos pés, na calada da noite, tropeçando no Ronaldo Tiradentes, numa operação que podemos denominar de ‘Tabatinga-Gate’.
Segundo a versão do Lupércio – mas esse Lupércio é tão falso! – quem adulterou os documentos foi o Maneca. Ali, onde estava escrito 140 dias, o Maneca passou o ‘liquid-paper’ e colocou 166.
O certo é que Jerson ‘Piraíba’ e Sazinho Tamborete-de-forró assumiram antes do tempo e votaram no Lupércio, empatando doze a doze na votação. O Lupércio ainda tentou decidir pelo voto de Minerva, mas o Maneca é o novo presidente, porque a idade funcionou como critério de desempate.
- Eu não nasci ontem – disse o Maneca, que acusou o senador Amazonino Mendes e seu grupo de tentarem subornar os deputados, oferecendo dinheiro, muito dinheiro, para que votassem no Lupércio, tendo o ‘ alferes’ Tiradentes – o trambiqueiro – como intermediário. “Não havia limites de dinheiro para o Amazonino. Aliás, ele só fala em milhares de dólares”, denunciou Maneca.
Toalha molhada
Quem assistiu ao espetáculo, garante que ele foi deprimente: troca de ofensas e palavrões, acusações de fraude e suborno, injúrias contra as genitoras dos envolvidos. Baixaria emprenhada de vulgaridade, com parlamentares disputando um cargo como urubu na carniça, em vez de cumprirem o seu papel de legisladores do povo. Diante disso, só nos resta mesmo a arma do deboche. Podemos, por exemplo, especular como será a festa de amigo-oculto dos deputados e imaginar os presentes que trocarão neste Natal.
O Maneca já mandou vir de Alagoas a toalha molhada da dona Denilma Bulhões para dar de presente a Betty Suely. O Lupércio ganhará, além da surra de toalha molhada, um atestado jurando que o documento não foi rasurado, assinado pelo perito francês, o mesmo que atestou a validade da operação Uruguai para Collor de Mello. O ‘alferes’ Tiradentes receberá uma poronga para iluminar as suas noites escuras e obscuras.
Um frasco de xampu medicinal, de marca ‘Celsum’, será o presente de amigo oculto do Jérson ‘Piraíba’, para ver se acaba com o colar de caspas em torno ao seu ombro. Sem caspas, a sua cabeça pode funcionar melhor. O Sazinho Tamborete-de-forró vai ganhar um paliteiro. Ele adora palitar os dentes. Quando crescer, palitando os dentes, ele será prefeito de Maraã.
O deputado Josué Filho está licenciado, mas sobrou pra ele. Vai ganhar da sua amiga oculta Ilonita Ramos uma joelheira de goleiro. Segundo Ilonita, “Josué ficou durante dois anos de joelhos diante do governador”. E o Belarmino Lins receberá uma bíblia autografada pelo ‘bispo’ Edir Macedo, para fazer sessões de leitura no Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), também conhecido como Tribulins.
Sinceramente, o que nós podemos esperar de uma Assembléia que nessa legislatura concedeu dois títulos de cidadão honorário: o primeiro à dona Rosane Collor de Mello, por iniciativa de um deputado do calibre intelectual e moral de um Nonato Oliveira, e o segundo ao Egberto Baptista, por iniciativa de uma parlamentar do porte moral e intelectual de um Ronaldo Tiradentes? Ambos ganharão um enorme saco de papai-noel para puxarem indefinidamente. O que pode sair de uma Assembléia que não teve a coragem de extinguir o TCM, depois de tantas denúncias de corrupção e nepotismo?
O único presente que podemos dar aos nossos representantes é uma lata de creolina para lavar a lama e tirar o fedor da Casa. E torcer para que os ventos de moralidade que estão varrendo todo o país e decidindo hoje sobre a cassação do Collor, soprem também sobre o vale amazônico.