CRÔNICAS

Atenção, ministro Weffort (De Freiburg, Alemanha)

Em: 27 de Junho de 1995 Visualizações: 1469
Atenção, ministro Weffort (De Freiburg, Alemanha)

(Enviado de Freiburg, Alemanha) Uma cidade de mais de 300 anos está apodrecendo na região do Rio Negro, abandonada por seus habitantes e invadida pela floresta: é o povoado do velho Airão ou Santo Elias do Jaú. Casarões abandonados e sobrados em ruínas, uma igreja, um cemitério, um armazém – testemunhas silenciosas da história – foram encontrados em agosto de 1994 por um grupo de pesquisadores que pedem agora seu tombamento ao Ministério da Cultura.

Há muitos anos, um barco a vapor atracou para sempre no porto da cidade, de onde nunca mais saiu, naufragando ali mesmo. O esqueleto do barco afundado e as casas abandonadas poderão ser vistas pelo ministro da Cultura, Francisco Weffort, de passagem por Manaus para assistir ao Festival Folclórico de Parintins, se ele desviar o seu caminho para visitar as ruínas da mais antiga povoação do vale do Rio Negro.

De qualquer forma, ao voltar a Brasília, o ministro encontrará um processo tramitando no Ministério da Cultura, Os historiadores Victor Leonardi, do Núcleo de Estudos Amazônicos da UnB e Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, diretor do Museu Amazônico da UA, com o apoio de instituições como o INPA, o Programa de Estudos dos Povos Indígenas da UERJ e a Fundação Vitória Amazônia.

Aldeia do Jaú

 Notícias sobre a aldeia do Jaú ou o povoado do velho Airão podem ser encontradas nos textos dos viajantes do séc. XVII, como os relatos do vigário geral do Rio Negro, padre José Monteiro de Noronha, do ouvidor da mesma Capitania, Ribeiro de Sampaio e de Alexandre Rodrigues Ferreira no seu clássico “Viagem Filosófica ao Rio Negro”.

A aldeia do Jaú, tendo como patrono Santo Elias, foi fundada pela primeira vez em 1669, em outro lugar, por Pedro da Costa Favella  e por Frei Theodózio, da Ordem das Mercês, em território habitado pelos índios Tarumã e Aroaqui. Daí transladou-se, em 1694, para o local onde se encontram as ruínas atuais, por motivos relatados por Alexandre Rodrigues Ferreira:

- Contam alguns índios antigos, que era tão grande a perseguição dos morcegos e tanto o estrago que eles faziam nas crianças, que para evitarem esse e alguns outros inconvenientes se viram obrigados a mudarem-se d´aquelle para este sitio”.

Com a política do Marquês de Pombal, a aldeia de Santo Elias do Jaú – “em outros tempos uma das mais populosas e nomeadas” – foi elevada à categoria de Lugar, modificando o seu nome para Airão, que significa “meu irmão! em língua semita dos hebreus. Índios Tarumã, Juma, Mura, Aroaqui, Manaú e Baré foram descidos para lá pelo colonizador, sendo explorados na produção de café, na coleta do cacau, salsa, breu e madeira, na pesca de pirarucu, peixe-boi e tartaruga, assim como na fabricação de redes de algodão.

O povoado de Airão, na realidade o primeiro estabelecimento português no rio Negro, acabou passando por um processo de diminuição de sua população, devido ao brutal sistema de trabalho implantado e às epidemias de sarampo e bexiga, que dizimaram grande parte da população indígena, levando os poucos colonizadores ali residentes a organizarem tropas armadas para efetuarem constantes descimentos de índios de outras áreas.

Atacado várias vezes, em ocasiões diferentes, pelos Mura, Pariqui e Atroari, sua população em 1840 ficou reduzida a 440 almas em 50 fogos, segundo informa Lourenço da Silva Araújo e Amazonas, em seu Dicionário Topográfico, Histórico, Descritivo da Comarca do Alto Amazonas. No século seguinte, por volta de 1940-1950, seus moradores começaram a abandonar definitivamente o povoado, que hoje exibe as ruínas descritas.

Memorial

O velho Airão é tão importante para a Amazônia, quanto Porto Seguro é para o Brasil. Para esta última região, existe uma proposta de Museu Aberto do Descobrimento, como o relato oficial se refere à invasão lusitana, incluindo um Memorial Brasil, um Memorial Portugal e o Museu Pero Vaz de Caminha, previsto para ocupar uma área de 1.000 km² para preservar a região em que Cabral aportou no sul da Bahia.

Na quarta-feira passada (21/06) foi realizada em Brasília uma reunião, com a participação do Núcleo de Estudos Amazônicos da UnB, do Museu Amazônico da UA, do Ministério do Meio Ambiente e Amazônia Legal e de outras entidades para discutir a proteção e valorização das ruínas coloniais do velho Airão, cujo sítio contém ainda vestígios de cerâmicas pré-históricas e de inscrições rupestres.

Na ocasião, o representante da UNESCO manifestou seu apoio total ao projeto de tombamento, que evoluiu para a criação de um Memorial do Rio Negro, no local onde estão as ruínas, o que incluiria a restauração de alguns casarões e a criação de um museu voltado para as questões ambientais e arqueológicas. A doutora Briani Bicca, da UNESCO e o arquiteto Marco Antônio Galvão do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) encaminharam algumas sugestões nesse sentido.

As ruínas do velho Airão estão localizadas nas imediações do Parque Nacional do Jaú, atualmente o maior parque do Brasil, com cerca de 22.000km², numa área delimitada pela EMBRATUR e pela SUFRAMA para a implantação do complexo turístico de Manaus.

O processo de tombamento já se encontra bastante avançado. Além da documentação histórica que está sendo levantada pela UnB, UA e UERJ, uma documentação visual minuciosa de toda a área está sendo preparada pelos fotógrafos Juan Pratginestos e Rui Facchini. Desta forma, as universidades cumprem a sua função de pesquisa, chamando a atenção dos poderes públicos para a recuperação deste extraordinário patrimônio histórico e Cultural. Cabe, agora, ao Ministério da Cultura, agir.

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