De nihilo nihil - Nada vem do nada
Lucrécio (94 a.C – 50 a.C), filósofo latino
Durante muitos anos, nós nos habituamos a encontrar, aqui neste espaço, todas as sextas-feiras, o artigo do padre Nonato Pinheiro. O padre nos deixou e fui convidado a ocupar o seu lugar.
A tarefa não é fácil. Padre Nonato tinha os seus leitores cativos, entre os quais, desde já, eu me coloco. Dono de uma prosa elegante, ele dominava a chamada norma culta da língua portuguesa, como o Romário domina a bola. Tinha intimidade com a sintaxe, manejava a gramática com extrema habilidade e conhecia profundamente os grandes mestres do idioma, com quem convivia através da leitura sistemática de suas obras.
Perfeccionista, padre Nonato era muito exigente com as questões do idioma nos seus mínimos detalhes. Não perdoava os “vícios de linguagem”. Uma vírgula fora do lugar, para ele, era como um chute fora do gol para o torcedor fanático de futebol. Um deslize de concordância, então, nem falar! Padre Nonato saía em campo brandindo sua espada invisível contra o transgressor da norma. No Amazonas, ele era uma espécie de xerife do português, guardião daquilo que considerava como a pureza da língua, vigia do seu uso correto, de sua graça e encanto.
E como era erudito esse padre Nonato! Era bom ler em sua coluna resenhas sobre os livros que recebia ou comentários sobre questões polêmicas de filologia. Talvez, com sua morte, tenha sido enterrado o último amazonense que escrevia e lia latim e ainda traçava o grego antigo. Mesmo sem compartilhar a sua visão sobre a língua e o seu uso, qualquer um de nós é obrigado a usar um clichê para reconhecer que o Amazonas ficou mais pobrezinho com a morte do padre.
Intelectuais com esse tipo de formação não existem mais. Existiam antes, porque havia quem os formasse. Eis o que eu queria dizer: ninguém vem do nada. O padre Nonato teve a felicidade de ser filho da dona Diana Pinheiro. A minha geração, ainda de calça curta, aprendeu a ouvir com uma mistura de respeito e veneração o nome de educadoras como dona Natália, no Cônego Azevedo, e dona Diana Pinheiro. Com elas, até mesmo quem comia caroço de tucumã, aprendia.
A professora Diana de Macedo Pinheiro, maranhense, casou-se com o poeta e escritor Raimundo Nonato Pinheiro, com quem teve quatro filhos: Geraldo, Nonato e as gêmeas Aracy e Iracema, além de uma filha adotiva, Amazonina. Desenvolveu suas atividades pedagógicas no Instituto São Geraldo, que funcionou até 1964 na Rua 24 de Maio, quase esquina da Costa Azevedo, com curso primário e preparação para o exame de admissão. Ministrava ainda aulas de português e francês e preparava pessoas para concursos públicos. Morreu em julho de 1962.
Várias gerações aprenderam com Diana Pinheiro não apenas o ABC ou os conteúdos dos programas oficiais. Aprenderam princípios, valores éticos, formas de comportamento, posturas. A escola de dona Diana era uma escola da vida. Foi aí, neste berço, que começou a formação erudita do padre Nonato. Dele e de seu irmão Geraldo Pinheiro.
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